Elogio ao chiste - o inconsciente avança?
Márcio Peter de Souza Leite
(in Carta de São Paulo, Boletim Mensal da Escola
Brasileira de Psicanálise, p. 3, 1996)
Se o sintoma da histérica permitiu a Freud descobrir a chave dos sonhos, não seria o estudo dos chistes a extensão desta descoberta ao social, visto como fundado na linguagem?
O chiste, com suas inúmeras técnicas, mais do que qualquer outra manifestação do inconsciente, mostra por onde o recalque escapa na linguagem, denunciando assim a hipocrisia de quem ri.
Riso, que pensado metapsicologicamente, não passa de “economia de gasto”, fruto dos meandros da linguagem que, ao se permitir malandramente deslocada, ou condensada, isto quando não aludida e até mesmo comparada, produz um gozo onde “aquele que assim deixa escapar sua verdade, está feliz em tirar a máscara”...
O chiste é um termômetro da cultura, que por sua vez é tão somente o estilo de seu recalque, e que devolve em forma de linguagem o narcisismo sempre difícil de se perder.
Pois se o chiste é a contribuição da esfera do inconsciente ao cômico, neste ainda gozamos da nossa torpeza infantil em nosso narcisismo recém-adquirido.
Mesmo assim o chiste é simultaneamente uma estranha e nobre atividade psíquica, pois ao mesmo tempo que visa fazer surgir prazer no outro, é veículo do mal-estar hostil e sexual, e por isso cumpre assim sua função social.
O chiste, feito do material ponta de lança dos recursos da linguagem, é o melhor testemunho dos avanços do inconsciente e de sua modernização, e por isso deve ter um lugar de destaque nestes tempos de “aggiornamento".
Principalmente devido ao fato de que, ao se lançar a pergunta de porque rimos de nossos próprios chistes, se inclui também a pergunta de que lugar tem o papel do ouvinte. Daí Lacan ter sugerido, numa de suas únicas afirmações assertivas, que a interpretação deve ser um chiste.
O chiste, por sua vez, é sua própria interpretação, que colocando em ato a estrutura do significante, demonstra o inconsciente.
O inconsciente, pois, avança, fruto da evolução da linguagem. O analista, consequência do conceito de inconsciente, não pode ficar atrás! (Nem que queira).