Momento de concluir: a Escola é uma multidão solitária *
  Márcio Peter de Souza Leite 
(in Carta de São Paulo, boletim da EBP-SP, ano 10, nro. 3, maio-junho/2003)


• Em que clínica
• Em que sintoma
• Em que tratamento


"The school is a lonely crowd" é um chiste feito por Miller no texto "Teoria de Turim", onde condensa os títulos de uma novela de Carson McCuller e o de uma obra americana de sociologia.

A obra de sociologia citada é "The lonely crowd" de Davis Riesman. Neste livro Riesman contrasta uma sociedade voltada para dentro, na qual executa-se os compromissos em função dos sentimentos e desejos pessoais, e uma sociedade voltada para os outros.

O resultado disso, segundo Riesman, é uma confusão entre vida pública e vida privada, as pessoas tratam em termos de sentimentos e desejos pessoais os assuntos públicos que somente podem ser tratados por meio de códigos de significação impessoal.

A enxurrada de e-mails que inundou os computadores dos membros da EBP-SP, atualiza a questão do público (coletivo) e do privado (particular) na comunidade de analistas paulistas.

O uso da rede, em vez do envio individual aos destinatários, caracteriza o desejo de tornar público as idéias veiculadas. O que insere os autores numa lógica do coletivo e também na Ética da coletividade.

E-mails cheios de paixão, transbordando libido, que função cumprem para o coletivo?

Uma psicanálise é da ordem do particular, por isso é o lugar por excelência para o exercício do desejo narciso, egoísta, disparado em função da transferência. Nas relações particulares é da alçada de cada um o que fazer com isso.

Como as antipatias e rivalidades parece que se acentuam com as análises, é importante que numa comunidade que se diga analítica haja um especial cuidado quando do uso de formas coletivas de divulgação de idéias, pois corre-se sempre o risco de misturar o público e o privado.

Talvez por isso no Campo Freudiano não se permitam listas de discussão sem moderadores (o que ao menos inibe rompantes semânticos chulos e de mau gosto que degradam os significantes que nos reúnem).

O coletivo visto pela psicanálise (sempre segundo Miller in "Teoria de Turim") equivale ao sujeito individual. Os fenômenos postos em evidência no plano coletivo são os mesmos que desdobram na cura analítica.

O coletivo é feito de uma multiplicidade de indivíduos que tomam o mesmo objeto como Ideal do Eu.

Qual é o nosso?

O lugar do ideal do Eu em um grupo é o lugar da enunciação.

Desde onde se enunciam os autores dos e-mails?

A Escola é uma formação coletiva na qual se sabe a verdadeira natureza do coletivo.

O coletivo da Escola não faz desaparecer a solidão subjetiva.

A Escola é uma soma de solidões subjetivas, daí a Escola ser uma multidão solitária. "The school is a lonely crowd".

A Escola é uma ficção de linguagem.

A significação da Escola para uma comunidade depende de como a comunidade subjetiva a Escola. Ela pode ser só a Escola das atas, fundada no sujeito do direito, mas pode ser também a Escola das conversações, dos congressos.

Que Escola se discute nos e-mails? A Escola-endereço?

Que Ideal compartimos que nos permite inserirmos numa lógica coletiva, que nos permite ser uma comunidade de analistas?

Certamente não fazer da Escola uma Escola somente de estatutos. Menos ainda a de se utilizar do coletivo como instrumento para agressões ou desavenças pessoais. Cito Miller (sempre in Teoria de Turim).

Que quer dizer subjetivar a Escola?

Em um primeiro sentido quer dizer: para cada um, um a um, adotar a Escola como um significante ideal. Isto implica, porém, que cada um meça o salto entre a causa particular do seu desejo e a causa freudiana como significante ideal".

A Escola é não-toda. Como conciliar isso com a Escola como ideal?

Os e-mails, em minha opinião, evidenciam talvez a dificuldade com o não-todo da Escola, talvez uma hiperidealização da Escola.

Enquanto engatinhamos na coletividade da Escola não deveríamos esperar o decoro de evitar anunciar sua morte, ou contribuir, mesmo que inadvertidamente, para isso? (Haverá sempre quem goze disto.) Como sabemos, a interpretação é infinita, todos monologamos, o sentido escapa, mas não fazer do equívoco um esporte, muito menos se for útil a sintomas de terceiros.

Por que não usar a libido para vivificar a Escola?

 

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