Última carta do milênio
Márcio Peter de Souza Leite

 

Como foi a Psicanálise na virada do século? Certamente nossos filhos e netos um dia nos perguntarão.

O Simbólico responsabiliza o humano num gozo vinculado à presentificação das dezenas, das centenas dos milhares, etc.

Assim estamos sempre fazendo balanço das décadas, dos séculos e agora do milênio. Como foi a psicanálise no século XX? Como foi a psicanálise na década de 90? Como foi a psicanálise em 1999? A lógica dos números funciona como precipitante, apressando o momento de concluir ou o instante de ver.

Assim tem sido 1999 para a comunidade de analistas que em São Paulo se referem à Escola. Momento de concluir o processo de depuração e amadurecimento de um novo pacto depois de Barcelona. Instante de ver, de um novo posicionamento da comunidade em relação às suas finalidades na comunidade a que pertence.

Tempo de compreender que uma Escola não se faz por decreto ou somente pelo desejo de alguns, mas pelo trabalho constante e implicação de todos. De um ponto de vista "estrutural" a EBP-SP não apresenta mais problemas financeiros, e ainda no século XX a EBP-SP vai contar com uma biblioteca especializada em Lacan com suas modernizações virtuais.

No decorrer do ano, visando reunir a comunidade em torno de um debate que atinja as suas motivações, trabalhou-se a especificidade da psicanálise e o que a torna diferente e melhor que as psicoterapias. Debateu-se o dinheiro em análise e a mediação do pagamento pelos seguros-saúde. Pensou-se a questão do tempo no tratamento analítico e ainda a relação do analista com a medicação. Há ainda um debate clínico público com a participação de analistas desta e de outras comunidades analíticas.

Para reconquistar o prestígio de nossa prática e divulgar a eficácia de nossos procedimentos, em conjunto com o Instituto de Pesquisas em Psicanálise de São Paulo (IPP-SP), foi realizado um simpósio sobre adolescência, e a apresentação e debate do vídeo de Lacan, "Televisão". Institucionalmente a EBP-SP marca sua presença na luta anti-manicomial em conjunto com outros grupos representativos da saúde mental em São Paulo.

Internamente facilitou-se os meios para a preparação do tema dos próximos Encontros, nacional e internacional, com a constituição de cartéis aberta a todos, assim como agiliza, sob a direção de Jorge Forbes, um aggiornamento teórico sobre o Real na clínica analítica.

Sem estardalhaço, low-profile, a EBP-SP avança rumo ao novo milênio convicta de que o que importa não é a quantidade mas a qualidade. Segura de que a orientação lacaniana não é um modismo sintomático mas a retomada do projeto freudiano, a EBP-SP sabe de sua vocação e de sua importância na cultura paulista.

Nestes tempos pós-modernos, de falência de ideais, e de um mercado selvagem regido pela ética do lucro, a psicanálise desponta como uma saída para os malefícios do capitalismo, e propõe uma ética que não se curva aos interesses desse mercado. Por isso a EBP-SP continuará a incentivar o debate e o questionamento da exclusão do sujeito do horizonte das ciências modernas, marcadamente o cognitivismo e sua filial que é a psiquiatria biológica, assim como continuará a produzir meios para que a psicanálise continue com sua vocação de subverter os efeitos do recalque, onde quer que eles se apresentem.

Continuaremos no próximo ano, na próxima década, no próximo século, no próximo milênio. Mesmo porque para o inconsciente não há tempo.

(from Márcio Peter de Souza Leite, 22 de novembro/1999).


 

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