Sobre o Continuísmo Psicofísico
Márcio Peter de Souza Leite

 

Para situar a posição da ciência atual com relação aos fenômenos psíquicos como o amor e a atração sexual, partamos da "neuropsicanálise". Ela decorre da demonstração feita por Edelman, neurofisiologista, prêmio Nobel de imunonologia, de que o cérebro se conforma depois do nascimento através da relação mãe-bêbê. Os dados da neurociência que sustentam este fato constituem a teoria da epigênese, que verifica que o cérebro do recém-nascido tem um número de neurônios muito superior ao do adulto. A isto se segue o fenômeno da apoptose celular, que se refere à morte seletiva de grupos de neurônios, determinando o que Edelman chamou de teoria das categorizações, que seria o estabelecimento de redes neuronais resultantes dos estímulos advindos da relação mãe-bêbê.

Estas observações fariam "link" com a teoria freudiana do desamparo, juntando assim psicanálise e neurociência dentro de um paradigma neurológico, o que estabeleceria a causa da conduta humana como conseqüência de ativação de circuitos neuronais conformados na primeira infância a partir da relação mãe-bêbê. Neste contexto, a descoberta freudiana da determinação psíquica das conversões histéricas justifica clinicamente o construto teórico do um corpo libidinal, ou corpo erógeno, o que determina a ruptura com a idéia de um continuísmo psicofísico, tendência atual das ciências.

Esta tendência considera o homem determinado pelas suas características biológicas. Daí que a Neurobiologia passou a ser "A" ciência que pretende deter um conhecimento total sobre as causas das condutas humanas. Esta maneira de pensar produziu disciplinas como a sociobiologia, acentuou distúrbios como a sociofobia, universalizou a depressão etc. Esperam-se então da genética as respostas últimas para a causa do sofrimento psíquico, fato que tornaram novamente atuais as idéias de Darwin sobre a determinação hereditária das características de cada um.

A fundamentação lacaniana da constituição do corpo próprio a partir do Outro subverte o lugar do organismo no animal humano, pelo fato dele ser atravessado pela linguagem, inserindo a diferença sexual numa razão fálica. Desde 1956 Lacan se insurge contra a citação, colocada no prefácio ao seu "Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise", retirada dos estatutos do Instituto de Psicanálise de Paris, que diz: "não convém esquecer que a separação entre embriologia, anatomia, fisiologia, psicologia, sociologia e clinica não existe na natureza e que existe apenas uma disciplina a neurobiologia...". Esta critica à neurobiologia como fundamento da psicanálise, justifica uma posição que nega o continuísmo psicofísico acima, fundado num monismo fisicalista.

A descoberta da psicanálise partiu justamente da ruptura produzida por Freud com a tendência a entender somente desde o ponto de vista evolucionista as "manifestações do espírito". Freud produziu esta ruptura ao encontrar uma outra ordem de causação para os sintomas histéricos, ordem esta diferente da biológica, que Lacan viria mais tarde nomear com o termo Simbólico. Com a hipótese da etiologia sexual do sintoma histérico, Freud iria produzir outra ruptura com o determinismo biológico, definindo a sexualidade humana como não tendo um objeto sexual predeterminado geneticamente.

 

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