Édipo: do mito à estrutura
Márcio Peter de Souza Leite


• AXIOMAS
• ANOTAÇÕES

   Édipo anedótico e Édipo estrutural
   Incluindo o real: a articulação entre significante e gozo
   O real e o sentido
   Do nome do pai ao pai do nome
   Matematização do Édipo
   Além do Édipo


AXIOMAS

1 - Além do Édipo: pai real.

2 - Além do Édipo visa à responsabilidade do sinthoma por um real novo, um significante novo, que é significante inventado, que não é do Outro, é Um.

3 - O para além do Édipo, proposto por Lacan, permite pensar em uma pluralização do Nome-do-Pai como suplência à falha estrutural do Outro, como possíveis ficções para dar conta do fato de que o próprio significante do Outro seja foracluído de estrutura, e o Édipo, no caso, seria uma ficção entre outras.

4 - A função do Pai não passa de um mito freudiano, é o que anuncia Lacan no Seminário 17. Esse mito se refere à equivalência entre pai morto e gozo e à insistência de Freud de que o assassinato do pai, tal como relata em Totem e Tabu, realmente aconteceu, dando origem à interdição do gozo.

5 - Lacan propõe um para além do mito de Édipo, um operador estrutural que define como sendo o pai real. "O pai, o pai real, nada mais é que o agente da castração - e é isto que a afirmação do pai real como impossível está destinada a mascarar”.

6 - Como operador estrutural, o pai seria, então, um significante e, em se tratando de um pai morto, seria o significante do gozo.

7 - Acrescenta Lacan: "Não se é pai de significantes, é-se pai por causa de (…). A verdadeira mola propulsora é esta aqui - o gozo separa o significante-mestre, na medida que se gostaria de atribuí-lo ao pai, do saber como verdade”.

8 - A castração corresponderia, ao fato de o pai ser o que nada sabe da verdade.

9 - O agente da castração deixa de estar representado pelo Nome-do-Pai para passar a ser atribuído à linguagem mesma, especificamente ao S1.

10 - O Pai real, definido a partir da exceção presente no Pai de Totem e Tabu, é função diferente a do Pai da lei.

11 - O pai tem uma relação mais estreita com o real e não com o simbólico, como era originalmente o caso.

12 - As fórmulas da sexuação procedem a uma redução do mito edípico a lógica única da castração.

13 - Tais matemas não significam nada, formalizam uma lógica que opera no campo do inconsciente.

14 - As fórmulas quânticas da sexuação colocam em evidencia a função de barreira contra o gozo do corpo instaurado pelo Pai simbólico. Desta forma, com essas fórmulas, a foraclusão fica correlacionada com um desencadear do gozo e de uma forma mais específica com um empuxe a mulher.

15 - A função de exceção - representada por meio do quantificador lógico correspondente nas fórmulas da sexuação e a função de nomeação, ambas referidas ao Pai tomam sua referência do gozo.

16 - A exceção designa o gozo do Pai primordial ou Pai real exercendo como S1 sua função de castração sobre o resto do conjunto submetido à significação fálica, enquanto que a função de nomeação concerne de preferência ao gozo do ser falante.

17 - Se bem é certo que o Nome-do-Pai em tanto significante é inconsistente para dar conta do gozo, por outro lado tem a seu cargo nomear ao gozo.

18 - O pai que nomeia o gozo é o Pai real, o pai que pode fazer de uma mulher o objeto causa de sua desejo, um pai "perversamente orientado".

19 - O Pai que nomeia ao gozo não é um pai do registro do significante, por tanto não pertence à categoria do inconsciente nem do semblante.

20 - Há diferença entre o Nome-do-Pai e o Pai que nomeia ao gozo: "O pai como nome e como aquele que nomeia não é o mesmo”.

21 - O pai é esse elemento quarto sem o qual nada é possível no laço do simbólico, do imaginário e do real.

22 - Convém também chamar de outra maneira ao Nome-do-Pai: com o nome de sinthoma.

23 - Lacan faz a precisão de que o sinthoma é o mais individual que existe para um sujeito, daqui em diante que o Nome-do-Pai está acenado a nomear, em tanto sintoma, o mais individual, o mais singular do gozo de um sujeito

 

ANOTAÇÕES

Édipo anedótico e Édipo estrutural

O Édipo em Freud articula o desejo e a lei
A fórmula "complexo de Édipo" surge no texto de Freud "Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens" (1910).
A teoria dos estádios oral, anal e genital não pode articular-se facilmente com a descoberta dos desejos edipianos. A teoria do Édipo, tal como a conhecemos, se elabora a partir dos anos 20, quando Freud substitui o estádio genital dos "Três ensaios" pela noção de estádio fálico, isto é, quando situa a atração em primeiro plano .
Em "Totem e tabu" (1912) constrói um "mito científico", o da "horda primitiva": onde um pai todo­poderoso, era senhor de todas as mulheres. Os filhos o mataram, comeram e com o medo da retaliação, na refeição canibalesca, ao mesmo tempo incorporaram o poder do pai e deram fim, por meio de um pacto, à violência da rivalidade em torno da posse das mulheres.
O pai primitivo, idealizado em pai morto, torna-se o garantidor desse pacto entre irmãos: mediante a renúncia ao gozo sem limites, todos têm direito ao exercício da sexualidade, dentro do respeito à regra comum. Assim teria nascido a lei edipiana que organiza a filiação masculina em torno do proibido e do desejo.
Este mito conta a passagem da natureza à cultura, em que a humanidade se separa da animalidade. É o assassinato do pai primitivo - gozador e castrador - que funda a civilização, cedendo lugar ao pai edipiano, aquele que se curva, ele próprio, à lei que enuncia.
O mito da horda primitiva é posto na origem do mito edipiano. Ele organiza, em torno da transmutação simbólica da figura paterna, a lei da proibição do incesto que enquadra o mito edipiano.
Freud construiu o complexo de Édipo em torno da figura paterna e do conceito de castração.


Lacan, do pai ao pior
Desde 1938, Lacan apontava a degradação do papel do pai na família e na sociedade e foi desta perspectiva que operou seu "retorno a Freud".
Era preciso refundiar a psicanálise sobre o complexo paterno, pois a psicanálise fora deturpada pela invasão do materno e do pulsional. Mas era preciso também desembaraçar o mito freudiano do Édipo e o mito da horda primitiva do anedótico e para isso Lacan apoiou-se em Lévi-Strauss, produzindo uma redefinição do Édipo.
"A lei primordial é aquela que, ao regular a aliança, superpõe o reino da cultura ao reino da natureza entregue à lei do acasala­mento; essa aliança é idêntica a uma ordem de linguagem e a interdição do incesto é apenas seu pivô subjetivo". A preeminência e a anterioridade da "ordem simbólica", esse é o ensino que Lacan retém de Lévi­Strauss no texto: "Fonction et champ de la parole et du langa­ge” (1953).
Ao mesmo tempo, ele interpreta Lévi-Strauss. Enquanto Lévi-Strauss faz da troca de mulheres um "estado de fato" e não uma "impossibilidade lógica", Lacan vê nessa estrutura masculinista o efeito da lógica fálica que rege a instituição do humano.
Em Lévi­Strauss, as mulheres são ao mesmo tempo "signos" e "produtores de signos". Em Lacan, elas "têm a palavra" mas não "a linguagem" como "organização lógica que regula na base as relações dos indivíduos com sua cultura" e regula as relações com o pulsional pela lei da "castração simbólica" constituti­va do inconsciente: a cultura é necessariamente "hom(em)sexual".
Mas sobretudo, enquanto Lévi-Strauss funda a regra da aliança sobre o par irmão-irmã, Lacan a funda sobre o par filho/mãe: a cultura é por essência "paternalista", pois "o nome do pai" é "o suporte da função simbólica que, desde a aurora dos tempos históricos, identifica sua pessoa à figura da lei".
No princípio era o Pai, o Falo e o Verbo: é em torno dessa trilogia que Lacan constrói o Édipo como um invariante inelutável inscrito no inconsciente.


Incluindo o real: a articulação entre significante e gozo

Alienação e separação: abertura e fechamento do inconsciente
Lacan descreve o inconsciente como uma borda que se abre e se fecha para tomar o inconsciente homogêneo a uma zona erógena, para mostrar que existe algo em comum entre o inconsciente e o funcionamento da pulsão.
Alienação e separação são figuras que Lacan usa para articular significante e gozo, propondo privilegiar a causação do sujeito em detrimento do conceito de inconsciente.
A causação do sujeito ocorre em duas operações: alienação e separação. Alienação é a abertura simbólica ao Outro e corresponde ao momento no qual o sujeito emerge no campo do Outro.
A alienação é da ordem do puramente simbólico. O resultado desta operação é uma resposta de gozo que Lacan chama de separação.
A separação corresponde ao fechamento real ao Outro. Alienação e separação, ainda que respondam a mesma estrutura lógica dos conjuntos, não são do mesmo nível. A alienação é simbólica, corresponde a abertura da palavra, enquanto que a divisão traduz o momento de fechamento.


Alienação
Em termos freudianos, a alienação encobre o fato de que o objeto de gozo está perdido.
A alienação é o fato de que o sujeito é produzido dentro da linguagem e é inscrito no lugar do Outro.
"Alienação" é tradução do termo alemão Entfremdung, característico da filosofia de Hegel e Marx, embora o conceito de alienação seja diferente da tradição hegeliana e marxista.
Para Lacan, a alienação não é um acidente que sobreviva ao sujeito, senão um traço constitutivo essencial.
O sujeito sofre uma cisão fundamental, está alienado de si mesmo, não tem nenhuma possibilidade de "completude" ou síntese.
A alienação é uma conseqüência do processo pelo qual o eu se constitui mediante a identificação com o semelhante. A alienação pertence à ordem imaginária: "A alienação é constitutiva da ordem imaginária. A alienação é o imaginário como tal”.
Ainda a alienação é uma característica essencial de toda subjetividade, a psicose representa uma forma de alienação mais extrema.
Lacan cunhou o vocábulo "extimidade" para designar a natureza desta alienação, na qual a alteridade habita o núcleo mais íntimo do sujeito.
Em termos freudianos, pode-se dizer que é a alienação unifica dois conceitos: identificação e recalque.
O resultado da operação alienação, que é uma contração da identificação e do recalque, que permite colocar como resultado da operação significante o sujeito barrado, sua falta, e é em relação a esse sujeito que se pode dizer que o significante joga a sua partida.


Lacan considera na alienação o sentido e não-sentido
Alienação e separação correspondem à relação do Sujeito com Outro, tomados como se fosse uma relação de conjuntos. Lacan se serve dos círculos de Euler para explicar as regras do silogismo de exclusão e inclusão. Ele parte de dois círculos eulerianos que figuram dois conjuntos A e B, Sujeito e Outro:



O recobrimento destes dois círculos permite introduzir dois tipos de relação entre os conjuntos:




Que equivalem a:
 
Os dois termos de onde derivam o não-senso e o sentido são os dois termos da cadeia significante: S1 e S2. O sujeito tem uma só escolha entre petrificar-se num significante ou deslizar no sentido, porque quando se tem um elo entre os significantes (S1 e S2) tem-se sentido.




Tem-se ou petrificação ou sentido, este último implicando o deslizamento do sujeito para o sentido, o infinito deslizar no sentido. Nenhum sujeito falante pode evitar a alienação.

Alienação:





Separação
O mito de Aristófanes ilustra a busca do complemento de maneira patética e enganadora, articulando que é o outro, que é sua metade sexual, que o vivo procura no amor.
Lacan nos lembra que o mito de Aristófanes da divisão originária dos seres humanos explica a procura do amor pela sua outra metade. Este mito encobre o verdadeiro sentido da busca: há sempre um resto na representação sexual do sujeito no Outro.
O sujeito não pode ser inteiramente representado no Outro; sempre há um resto. A união do sujeito com o Outro deixa uma perda: se o sujeito tenta encontrar-se no Outro, só pode se encontrar como uma parte perdida. Ele fica petrificado por um significante-mestre e perde alguma parte de seu ser.
O a designa o que se encontra fora dos efeitos de sentido, que se desprega do Outro.
Lacan diz, em Posição do inconsciente: "o sujeito experimenta neste intervalo (da fala) algo que o motiva, Outro além dos efeitos de sentido".
O Outro implicado na separação não é o Outro implicado na alienação. É um outro aspecto do Outro, não o Outro cheio de significantes, mas ao contrário, um Outro a que falta alguma coisa.




Na interseção entre o sujeito e o Outro há uma falta. A separação tem uma condição: o encontro com a falta do desejo.
O sujeito é falta, pois perdeu seu ser. Nessa intersecção, o que está presente e o que se superpõe é a falta do desejo (a falta do Outro) e o ser perdido do sujeito.
Lacan articula tanto a fala quanto o gozo no nível da separação. A separação resulta na divisão do sujeito em eu e inconsciente, e em uma divisão correspondente do Outro em $ e a.
Separação:



A separação é a recuperação do objeto perdido libidinal É o mito da lâminula, introduzido por Lacan: a libido como órgão, como objeto perdido.
Essas proposições, feitas por Lacan no Seminário 11, foram relidas no Seminário 17 quando Lacan apresentou a fórmulas para os quatro discursos onde demonstra, numa só fórmula, a definição da alienação e a da separação:




Do grito ao sujeito
O grito suscita a resposta do Outro. A resposta do Outro transforma o grito em chamado de um sujeito: “Isso grita”.
A resposta do Outro é posterior a “isso grita”, mas é anterior na ordem significante porque a partir dela o grito se constitui como chamado do sujeito.
O chamado é, a posteriori, a resposta do Outro.
Nesta nova dimensão a resposta é anterior ao chamado que ela constitui.


No texto Posição do inconsciente, Lacan corrige este esquema introduzindo o lugar do sujeito.
O esquema corrigido, que articula a alienação com a separação, já não parte do grito senão do “isso fala dele”, situando-o na dimensão significante, onde o primário é a resposta do Outro.
O S1 tem o valor de “isso fala dele”. A resposta é anterior e o sujeito é efeito.



Este esquema elimina o primeiro vetor, o grito, e se situa desde o começo na dimensão significante. O Outro faz do grito, chamado.





Evidencia-se que a resposta antecede à pergunta. A partir da resposta do Outro o sujeito poderá delinear a pergunta.




Deste modo o sujeito vê-se conduzido a se fazer significante. A partir do momento em que o conjunto vazio encerra um elemento significante, já não está vazio.
O sujeito encontra então esse significante e se faz ele mesmo significante.
Esquema que pode ser condensado na união dos dois círculos que representam, respectivamente, o sujeito e o Outro:



O real e o sentido

A transferência e o real
Lacan apresenta um duplo aspecto da transferência: como abertura e como fechamento, como simbólica e como real.
A transferência, definida a partir do sujeito suposto saber, concerne à abertura simbólica ao Outro.
Quando se configura a transferência, o inconsciente se abre. Há uma conexão estabelecida entre o ser do sujeito e o Outro no simbólico.
Lacan busca a maneira de designar a transferência como fechamento real.
Designar a transferência-divisão como distinta da transferência-alienação, não tem tido o mesmo eco que o sujeito suposto saber: “A transferência é posta em ato da realidade sexual do inconsciente”, é uma tentativa de dar formulação do real da transferência, propondo que na transferência tem algo do real inassimilável do gozo.
No lado simbólico, Lacan insiste na transferência como engano da verdade como efeito simbólico. Do lado real, acentua o objeto a como real que vem efetuar o fechamento.


Travessia da fantasia como separação
Nos Seminários 14 e 15, o termo "alienação" é acrescido de uma dinâmica nova: o atravessamento da fantasia fundamental.
Essa reformulação começa com a elaboração de Lacan sobre a noção de que o analista está no lugar de objeto a.
A identificação com os ideais e os desejos do analista é a solução para a neurose postulada pelos analistas anglo-americanos. Na psicanálise lacaniana, a identificação com o analista é considerada uma armadilha, levando o analisando a se alienar ainda mais no Outro.
O analista lacaniano não pretende moldar o desejo do analisando, mas mudar a relação do sujeito com a causa do desejo: o objeto a .


Do nome do pai ao pai do nome

Os três tempos do Édipo
O Édipo freudiano é retomado por Lacan a partir da dialética fálica indicando uma seqüência de três tempos:

Primeiro tempo:


No primeiro tempo o menino se identifica com o objeto de desejo da mãe, o falo. A mãe, como sujeito, está submetida à lei simbólica, pelo que o menino recebe a ação da lei através dela. Mas a lei neste tempo lógico é incontrolada, onipotente. A mãe responde ao grito da criança conforme sua própria vontade, seu capricho.
O menino se confronta assim com um Outro absoluto, que como tal é um Outro que também leva a linguagem. A mãe representa também o objeto primordial, das Ding, a “Coisa”, que aloja um gozo primordial perdido por ação do simbólico.
Por outro lado, o menino se identifica com a imagem ideal que lhe oferece a mãe e constitui seu eu como primordialmente alienado. Trata-se de "ser ou não ser" o objeto de desejo da mãe.


O esquema está condensado na reunião dos dois círculos:


Segundo tempo:




No segundo tempo se produz a inauguração da simbolização. A mãe não é só um objeto primordial senão que se torna um símbolo, introduzindo-se assim a mediação da linguagem na relação mãe-filho. Neste tempo do Édipo se introduz um terceiro elemento - além da lei materna - que intervém como uma palavra interditora: é a lei do pai, que não intervém com sua presença senão com sua palavra.
O Nome-do-Pai indica à criança que o desejo da mãe tem relação com a lei do pai. A proibição do incesto funciona do lado materno como a interdição de reintegrar seu produto e do lado da criança o separa de sua identificação com o objeto de desejo materno.
A mãe passa de Outro absoluto ao Outro castrado - "castração da mãe", conforme o termo empregado por Freud e retomado por Lacan - e abrange à criança numa ordem simbólica.
Terceiro tempo:



O terceiro tempo corresponde ao declínio do Édipo: o menino passa de ser o falo da mãe a problemática de tê-lo com seus variantes: que fazer com ele, do lado masculino, e que fazer com a falta em ter, do lado feminino.
O pai real aparece como suporte das identificações do Ideal do eu que permitem a nomeação do desejo. O macho encontra um sentido ao seu órgão identificando-se ao pai como o que tem o falo: recebe a promessa fálica de que, como o pai, também receberá o falo; pode aceder sobre a base de aceitar não sê-lo.
A menina se confronta ao Penisneid e tramita de distintas maneiras sua falta em ter: através do parecer-ser (mascarada), da maternidade e do fazer-se amar, correspondendo à demanda de amor dirigida ao partenaire.
Estas formulações precedem as considerações relativas ao amor e o desejo de acordo com a dialética fálica na relação entre os sexos.
Lacan introduz a fórmula da metáfora paterna como a metáfora da substituição do Nome-do-Pai "no lugar primeiramente simbolizado pela operação da ausência da mãe".
Escreve esta metáfora da seguinte maneira:


A escritura do Desejo da mãe sobre x que nomeia o significado que cobra para o sujeito criança indica que não tem uma relação direta entre o menino e o pai, senão que está metaforizada pelo DM. Caso contrário, o Desejo da mãe não é um desejo senão que nomeia um gozo sem lei, a ação da mãe todo-poderosa do primeiro tempo do Édipo.
O menino responde ao enigma do sentido do sujeito pela incidência do pai através do significante do Nome do Pai, que produz no lugar do Outro a significação fálica.
A conseqüência que se desprende da distinção entre o pai real e sua função simbólica é que "pai" é um significante que se distingue da paternidade biológica.
A metáfora paterna indica que, se o que pede o menino está do lado da necessidade do amor, o desejo se sustenta pelo Nome-do-Pai, na medida que introduz um limite entre a mãe e o menino, ancorando a ação fora de lei do Desejo Materno. Mas esta operação tem um resto: toda metáfora paterna é falida, e dali emerge o enigma do desejo do Outro.

Matematização do Édipo
Sexuação para Lacan significa que, para um sujeito, se coloca a questão de saber como se significantiza o sexo biológico.
Há uma margem entre o real biológico e a significantização do sexo, que é bastante variável. A metáfora de significantização diz que, no lugar onde havia gozo, passa a haver significantização do gozo: o falo simbólico é o significante do gozo.
O Outro (A) tem valor como lugar dos significantes ou da linguagem, e o gozo (J) é um gozo perdido quando estamos na linguagem.


Lacan define o Outro como lugar limpo de gozo e fala do saber do A (o saber é um conjunto de significantes), como lugar do saber do Outro.



As construções em termos de saber e gozo são uma desimaginarização do Édipo freudiano; o matema do Édipo é um matema que faz desaparecer os elementos imaginários da teoria freudiana - o pai é a palavra, linguagem.

Na teoria analítica, a interdição do gozo pela linguagem foi abordada a partir do da interdição do incesto. A interdição do incesto para ambos os sexos é o incesto com a mãe.
A interdição do incesto é uma metáfora do barramento do gozo pela linguagem e é por isso que o gozo está proibido a quem fala.
O Édipo é o sonho de Freud, diz Lacan, acrescentando que como todo sonho, é necessário interpretá-lo. Ele considera três mitos freudianos como mitos do pai e os analisa um em relação ao outro: o mito de Édipo, o de Totem e Tabu e o de Moisés e o Monoteísmo.
No Édipo, temos no primeiro tempo - o assassinato do pai. No segundo - o gozo da mãe; e no terceiro - o inconsciente como o desejo de saber a verdade.
No primeiro tempo de Totem e Tabu, o pai goza de todas as mulheres. No segundo, os filhos matam o pai. A fraternidade, portanto, é fundada no assassinato.
No terceiro tempo trata-se do gozo da mãe, das mulheres. A proibição do gozo das mulheres é feita pela fraternidade: o pai morto é equivalente à condição de gozo, que é equivalente à castração. A castração é o que dá consistência e legitimidade ao gozo por intermédio da interdição.
Pai morto = condição de gozo – castração
Essa fórmula implica conseqüências que Lacan desenvolve em duas frases: “só há felicidade no falo", e "o gozo é o que se encontra figurado pelo órgão masculino".
Ao se colocar o pai em posição da exceção por causa de seu assassinato, vela-se a sua própria castração. Esconde-se o fato de que a castração vem de um outro lugar que não do pai.


Além do Édipo

Além do Édipo: dissociação entre pai e castração
Dissociar a castração do pai implica em considerar a castração como efeito da linguagem. A castração é uma função da linguagem e não uma função do pai. Há uma disjunção entre o nome e o pai.
Marie H. Brousse faz o seguinte esquema onde coloca de um lado a função da linguagem e de outro a função do pai, ficando o nome em outro lugar que não o do pai.
O pai não se reduz ao nome, o que implica a questão do seu gozo com toda a dificuldade que se tem de nomeá-lo.
Há uma separação entre o significante, de um lado, e a lei, do outro. Separação entre o significante unário S1 e a lei, contrariamente ao modelo edipiano que une S1 e S2, separado do Nome-do-Pai.
Do lado do Nome-do-Pai verifica-se a vinculação entre S1-S2. Do outro lado, está o S1 que não se vincula a nada, a não ser uma marca no corpo.


Um Pai
No mito freudiano o pai é colocado no lugar de exceção. Existe um que escapa à castração, o UM da exceção.
No princípio era o UM da exceção paterna, que é escrito nas fórmulas da sexuação como: existe pelo menos UM que não é função de x: .
Há o UM paterno que não fala de um pai, mas do pai. O que é um pai? É a exceção.
É necessário que qualquer um possa fazer exceção para que a função de exceção se torne modelo. Mas a recíproca não é verdadeira. Não é preciso que a exceção se encontre em alguém para que ela, por causa disto, se constitua como um modelo. A diferença é entre fazer exceção e encarnar a função.
"Um pai só tem direito ao respeito, senão ao amor, se o dito amor, o dito respeito, for perversamente orientado, ou seja, se ele fizer de uma mulher o objeto a, que causa o seu desejo" (Lacan).


Père-vérsion
Para Freud o fundamental é o amor pelo pai e Lacan define as condições desse amor: o que ele chama da père-vérsion.
Como um homem pode querer ser pai? Um homem quer ser pai se o seu desejo é père -versamente orientado: é fazer de uma mulher “objeto a”, que causa seu desejo.
Um desejo père-versamente orientado - condição de amor para um pai - é um desejo orientado em direção a um objeto a .
Père-vérsion: fazer de uma mulher objeto causa de seu desejo.


Um homem coloca uma mulher na posição de objeto a, mas os objetos a desta mulher não têm nada a ver com o caso. Isso diz respeito ao que uma mulher toma como objeto a.
Freud acrescenta isto na fala seguinte: “Ela se ocupa dos seus objetos a que são seus filhos”.
Há uma dessimetria. Uma mulher está em posição de objeto a para um homem e os filhos estão em posição de objeto a para uma mulher.


Édipo, Castração e Resto


Esta fórmula permite unificar o complexo de Édipo e o complexo de castração.

É um matema da relação pai-mãe e permite entender a afirmação de Lacan de que não há relação sexual. Cada sujeito tem uma relação com a função do falo. Não é uma relação de um sexo a outro. Cada sujeito está casado com a função do falo e não com o outro sexo.

Da substituição significante da mãe pelo pai, surge a significação fálica.

Quando há a substituição significante, há como a emergência à substituição de X - pela função fálica, que se escreve:



Antes havia um X de desejo, de gozo, e ao final, há a função do falo.



Na metáfora paterna, onde a mãe aparece e desaparece, constata-se o fato de que primeiro há um X - enigma para o sujeito, e no segundo tempo o que chamamos função fálica é uma resposta a X.
É como se fosse outra metáfora, conseqüência da primeira. Dentro da metáfora paterna há uma outra metáfora produzida pela primeira: um gozo desconhecido.


O Outro é incompleto do ponto de vista do gozo; o Outro como inconsistente, ou seja, a falta de gozo implicando uma incoerência fundamental do Outro e o Outro como inexistente, segundo a colocação surpreendente de Lacan ao afirmar que o Outro não existe, depois de ter falado do Outro por anos e anos.
Neste sentido só existe o gozo. O Outro não existe, mas a linguagem o faz existir.
A fórmula lacaniana simplificada do Édipo freudiano:
Generalização da significantização do gozo:


Este matema é susceptível de várias leituras. Ao mesmo tempo em que articula a proibição ou a interdição da mãe como ocorre no Édipo freudiano, permite entender que a proibição da mãe é homóloga à proibição do gozo auto-erótico.
Freud, nas primeiras tentativas de descrever o Édipo, tenta apresentar de maneira cronológica como, durante o desenvolvimento do ser humano, o gozo vai-se perdendo.
Em Freud, libido sexual é a palavra mais próxima da palavra gozo.
Na teoria dos estádios oral e anal, certos objetos se condensam na relação libidinizada, o que Lacan traduz em termos de objeto a como mais-gozar.
 
Delimitações (corte cria bordas)
Objeto (excluído do corpo)
Ânus
Anal – Fezes
Pálpebras
Escópico – Olhar
Orelhas
Invocante – Voz
Lábios
Oral – Seio
 
O corpo considerado como uma carne completamente "significantizada" é um corpo morto que é somente significante.
Há uma oposição entre o Outro como lugar de significantes que por definição está completo e o $, ou seja, esta falta de gozo que faz do Outro incompleto, inconsistente e até mesmo inexistente.