ENSAIOS SOBRE A PSICANÁLISE E O SOCIAL 

O inconsciente lacaniano
Márcio Peter de Souza Leite


• O inconsciente freudiano e o lacaniano
• O erro de Damásio
• Substância gozante
• Motrealisme
• Orientação lacaniana


O “l′une-bevue” ou “Unbewusste” pode ser entendido como o insabível que é diferente do não sabido. Freud frente à tradição que sustenta que o saber “sabe-se a si mesmo” insiste no inconsciente como um saber de natureza simbólica, que seria um saber que não pode ser sabido por nenhuma consciência.


O inconsciente freudiano e o lacaniano
Recentemente no âmbito das neurociências surgiram novos termos como “neuroteologia”, que é uma visão do êxtase místico explicado como efeito do funcionamento cerebral; o termo neuróbica que seria uma “ginástica mental” fundamentada nas teorias da plasticidade cerebral; neurofilosofia, etc.
Estes novos termos marcam uma ultrapassagem teórica, que juntando categorias produzem uma subversão de um momento anterior, fruto de uma ousadia necessária ao avanço do conhecimento.



O erro de Damásio
Da mesma maneira, Lacan usou da licença poética para inventar termos ou expressões que servem de complemento para um rigor teórico árido caracterizado pela matematização, sendo que a abordagem da psicanálise pelo viés de figuras, visa atingir o real que vai além do sentido.
Como exemplo, alguns autores afirmam que Lacan, a partir de 1976, teria substituído a noção de inconsciente freudiano pelo neologismo “l′une-bevue”, termo homofônico a Unbewusste, palavra para inconsciente em alemão, o que teria produzido uma antinomia entre a noção de inconsciente definida por Freud com conceito de “l′une-bevue” (Unbewusste) introduzido por Lacan.
Outro termo inventado por Lacan "parlêtre", termo que conjuga “parler” e “etre” produz o neologismo ê parlêtre, vertido ao português como “falante”. Na conferência “Joyce le symptome II” Lacan diz: “Minha expressão de parlêtre que substituirá o inconsciente de Freud...” Em 1976 (16 de novembro) propõe introduzir “algo que vai além do inconsciente”, e a afirma em 1977 (11 de janeiro) que “Freud tinha poucas idéias do que era o inconsciente”. Talvez por tudo isto Lacan propõe no seminário “L’insu...”: “posto que o inconsciente não tem nada a haver com a inconsciência, por que não traduzi-lo como unbewusste?” O que é o “l′une-bevue” ou “Unbewusste”? O Unbewusste pode ser entendido como o insabível que é diferente do não sabido. Freud frente à tradição que sustenta que o saber “sabe-se a si mesmo” insiste no inconsciente como um saber de natureza simbólica, que seria um saber que não pode ser sabido por nenhuma consciência. Nesta visão existem signos que ao se conectarem com outros produzem efeitos de significação. Estes signos foram chamados por Lacan de significantes.
Com respeito ao inconsciente como saber ele é um saber porque está escrito, o que não quer dizer que possa ser sabido pelo eu do sujeito. A este saber que não pode ser sabido Lacan o denominou “l′ insu” que pode se traduzir como o insabido.
Lacan coloca em evidência com o l′ une-bevue/Unbewusste que existem outros signos que constituem inscrições no corpo do falante, carentes de significação, isoladas: são as letras, traços sem sentido que não poderão jamais ser significados. A esta expressão dos signos se reserva o termo gozo.
E a isto que Lacan se refere quando disse na conferência “Joyce le symptome II”, que o termo de inconsciente introduzido por Freud seria substituído pela noção de parlêtre. O parlêtre advém da sua captura pela alíngua. A alíngua é a materialidade da ex-sistência. A alingua é a língua incompleta marcada pelo gozo e pelo desejo. É uma forma de marcar o encontro traumático entre a carne e o logos. Os corpos biologicamente sexuados ao serem presos pela linguagem são excluídos da relação sexual entendida como reciprocidade e harmonia. Ganhar um lugar como sujeito no campo significante é perder o ser da vida natural. O corpo desvitalizado pela palavra fica perdido enquanto real.
Lacan imita Joyce na criação de palavras. O estudo da obra de Joyce amarrou a velhice de Lacan com sua juventude, repetindo o interesse que ele tinha na inversão na psicopatologia que se produz quando um sintoma dá lugar à criação, como ocorreu no caso Aimée.
A influência de Joyce já estava presente há muito tempo no texto de Lacan ao que J. Aubert chama de gesto de escritura joyceana em Lacan.
Lacan comentando a fixação ao trauma, que organiza a produção do sintoma, se pergunta porquê as pessoas se orientam para as recordações infantis, para a fixação de gozo da vivência infantil, em vez de se fazerem de poetas.
Mesmo não sendo certo que Joyce foi um poeta, existe um dispositivo de criação joyceano próprio. E seria nisto que a poesia em psicanálise tem algo de joyceano, Se o ultimo ensino de Lacan tende a assimilar a psicanálise e a poesia, seria a vertente poética da psicanálise substituir um meio dizer metonímico por um superdizer poético? Exemplo vivo é o “l’une bevue”, falha que ao se referir à palavra alemã homofônica “umbewusste” põe em ato, poeticamente aquilo que foi traduzido em espanhol como “umembuste”, chiste que recria o nome lacaniano para o inconsciente que já foi freudiano.
Renomear inconsciente como “l′une bevue”, que traduz o “Unbewusste” jogando com a homofonia da língua francesa com a alemã, faz o inconsciente levar em seu nome a marca da alíngua.
Da mesma maneira Lacan criou outras figuras clínicas que enlaçam aspectos do real que seriam inexprimíveis a não ser poeticamente.
O mundo de hoje é um mundo subvertido pelas comunicações, onde cada sujeito tem em um ano, acesso a mais informação que nossos antepassados em toda uma vida.
Esta enxurrada de informações influencia tudo na vida de um sujeito, desde a vida sexual, subvertendo os papéis masculinos e femininos, como cria novas maneiras de estabelecer vínculos afetivos, como por exemplo, casamento entre homossexuais, paternidade feminina, maternidade masculina, inseminação artificial, e toda uma combinatória antes impensável para a condição humana.
As informações, transmitidas através da mídia estão cada vez mais presentes no mundo atual, basta termos consciência da revolução que a Internet está operando em nossos costumes, e esta quantidade enorme de informações, estão constantemente modificando o sentido das identificações do sujeito, e relativizando significações que antes eram fixas para determinados grupos sociais.
Por exemplo, o significado de pátria, aparece hoje em dia subvertido pelo conceito de multinacional. As profissões não são mais transmitidas dentro do âmbito familiar, as virtudes como a honra, a justiça, a honestidade, adquiriram outro sentido num mundo regido por uma ética do lucro, da mesma forma que mudou o sentido da vida, mudou o sentido da morte, que agora acontece escondida nas UTIs.
A mídia criou também novos conceitos de felicidade, e impõe consumos desnecessários, que escravizam os sujeitos numa exigência de consumo inesgotável, sempre em função de um mercado cada vez mais voraz, que não respeita a singularidade do indivíduo, e anula a sua liberdade de não querer.
No que tange à saúde, as mesmas considerações são válidas. A busca da eterna juventude consome milhões de dólares, a possibilidade do homem ser sempre potente, com o Viagra, alterou e desestabilizou a relação da sexualidade com o desejo.
Porém, é no campo do sofrimento psíquico onde as características neopositivistas da ciência atual, atingem suas maiores proporções, produzindo um uso cada vez maior de psicofármacos, produzindo uma verdadeira cosmetologia química do psíquico.
Encontra-se na mídia, com freqüência cada vez maior, uma tendência de explicar as situações humanas como decorrentes unicamente de processos cerebrais.
Antônio Damásio no livro “De onde vêm as emoções? Como as células tornam alguém consciente?”, desenvolve uma teoria provocativa sobre a consciência, que coloca o corpo, e não somente o cérebro, no centro da ação. “Ele continua na mesma ideologia, do homem neuronal, mas ao localizar o ser do homem, a alma, não o faz na serotonina, mas no corpo, pois a mente não termina no cérebro.
Outra maneiras de explicar as razões das condutas humanas podem ser encontradas em um outro livro de Antônio Damásio - “O erro de Descartes” - um texto que explora a conseqüência do cogito cartesiano,que foi a divisão entre psíquico e soma. Penso logo sou, implica em um quem pensa, a res cogitans, que não tem existência material. Eu sou é a res extensa, e existe materialmente.
Qual então, o erro de Descartes para Antônio Damásio? (… ) "Poderíamos começar com um protesto e censurá-lo por ter convencido os biólogos a adotarem, até hoje, uma mecânica de relojoeiro como modelo de processos vitais. Mas talvez isso não fosse muito justo, e comecemos, então, pelo ‘penso, logo existo’. (…) A afirmação sugere que pensar e ter consciência de pensar são os verdadeiros substratos de existir. E, como sabemos que Descartes via o ato de pensar como uma atividade separada do corpo, essa afirmação celebra a separação da mente, a ‘coisa pensante’ (res cogitans), do corpo não pensante, o qual tem extensão e partes mecânicas (res extensa)". (Antônio R. Damásio, O erro de Descartes, Companhia das Letras, 1996, p.279).
Damásio propõe corrigir o erro de Descartes. O tomamos aqui como paradigma das tendências da psiquiatria biológica atual, e do cognitivismo. A tendência atual é de se criticar tudo que se sustenta no dualismo como sendo ultrapassado, como sendo inexato, como sendo os restos de uma filosofia superada. A ciência atual prefere recuperar a possibilidade de se pensar a mente, reduzindo ao cérebro, caracterizado num monismo fisicalista.
Damásio propõe a adoção de uma perspectiva do organismo que não só tem que passar pelo código físico, mas tem que passar pelo domínio do tecido biológico. Ele sugere que se pense a mente pelo tecido biológico, pela córtex cerebral.
A tendência atual das ciências da mente – que se chama mind, uma palavra que não é nem psíquico, nem indivíduo, nem ser, um termo novo – é negar o dualismo e adotar o monismo, não qualquer monismo (pode-se ter vários tipos de monismo), mas um monismo fisicalista, quer dizer, mente e cérebro são a mesma coisa. A mente é consequência do funcionamento cerebral.
Na tradição filosófica um monismo fisicalista que tome por base o funcionamento cerebral pode ser identificado a um materialismo. Este materialismo assim definido passa a ser também uma ontologia, uma teoria do ser, e tem por consequência uma visão de mundo, uma concepção do mundo. É o que está acontecendo: subverte a ética, subverte a moral, subverte as possibilidades de imputabilidade das ações do sujeito, desresponsabiliza o sujeito pelos seus atos.
Ser materialista nesta concepção é reconhecer que é o cérebro que pensa. A idéia é o cérebro que pensa exclui a existência de um sujeito, refere-se a uma máquina pensante que não tem nenhuma produção além das suas articulações neuronais.
A culminação desta tendência na época atual é a inteligência emocional que tenta mostrar como os sentimentos dirigem os pensamentos. O autor desta idéia admite que existe o pensamento, mas o pensamento está condicionado pela emoção. Por isso, inteligência emocional. Como educar as pessoas? Não adianta educá-las no ideal, na lei, implicá-las na racionalidade, no motivo das coisas. Elas devem ser educada na emoção que seria a razão da produção humana de função superior e intelecção dependeriam apenas das emoções (ira, tristeza, medo, prazer, amor, surpresa, vergonha).
Porém, a psicanálise não é dualista. A psicanálise se originou de uma posição monista. O fundamento da psicanálise é monista. A crítica da psicanálise como dualista, como idealista, não converge com a proposta inicial da psicanálise que se propõe como monista e como materialista da mesma maneira que as ciências cognitivistas. Porém, não o mesmo monismo nem o mesmo materialismo.
É onde o adjetivo lacaniano, usado para precisar o inconsciente, toma sentido.


Substância gozante

A psicanálise é materialista e monista de uma forma diferente do que é o fisicalismo. O inconsciente lacaniano refere-se à uma substância gozante, que não é nem res extensa, nem res cogitans. Não há só significante, não há só corpo, há gozo.

A diferença fundamental da psicanálise com as práticas que abordam a produção mental desde um fundamento monista fisicalista, se deve ao fato de que o ser humano, na visão da psicanálise, é um animal desnaturalizado, isto é, rompe com a ordem natural, o que ocorre devido ao fato dele estar atravessado pela linguagem.

A psicanálise, evidencia que o animal humano não é igual aos outros animais. A diferença é que ele fala. O fato do animal humano falar, faz com que ele rompa com a natureza.

A descoberta de Freud com as histéricas, demonstrava que o corpo biológico não é o corpo erógeno. A histérica demonstra isso com uma transgressão da anatomia ao ter uma paralisia que pela anatomia não seria possível.

A conversão histérica demonstra exaustivamente a transgressão do corpo biológico por uma outra ordem, a ordem simbólica.O corpo erógeno se superpõe ao corpo biológico, e há uma subversão do fisiológico.

Principalmente a sexualidade humana mostra essa ruptura radical do homem com a sua natureza. Para o sujeito humano não existe objeto sexual pré-determinado.

A negação da desnaturalização do ser humano pelas ciências da mente (que se sustentam na neurobiologia) explica o porque do uso dos psicofármacos, como o único meio possível de transformação.

Freud concebeu o psíquico como se impondo ao corpo, pois como demonstra o sintoma histérico, há uma transgressão do corpo biológico. E foi com a demonstração de que o sintoma histérico tem um sentido ligado à história do sujeito, que Freud subverteu a medicina, subditando o corpo aos efeitos da mente.

Em que difere o inconsciente lacaniano do inconsciente freudiano? O inconsciente lacaniano é uma formalização do inconsciente que recupera, ressignifica, rearranja, e avança a noção freudiana de inconsciente.

Freud é materialista, e posicionou a psicanálise como uma ciência da natureza. O fundamento da psicanálise é que ela se inscreve na ciência da natureza, logo no monismo. Freud colocava de alguma maneira uma continuidade existente entre cérebro e mente.

O cérebro é contínuo à mente; é o funcionamento do processo primário. A linguagem, a mente, seria o funcionamento do processo secundário.

São as inscrições psíquicas, formalizadas como traços mnêmicos o que sustenta a relação de cérebro-mente. A diferença de Freud para a neurobiologia atual é que se para Freud é possível pensar numa continuidade psicofísica, o cérebro continuando na mente, a mente não funciona como o cérebro.

Há uma ruptura: a mente funciona segundo as leis do inconsciente, deslocamento, condensação, recalque. O cérebro depende da mente, mas não é a mente.

Lacan rompe com essa posição, desde o início de sua produção há uma ruptura com a possibilidade continuísmo psicofísico.

No início de seu ensino criticando essa visão continuísta entre cérebro e inconsciente no texto “Função e campo da fala e da linguagem”, ele se insurge contra o modelo da psicanálise praticada em Paris, cuja prática era o continuísmo psicofísico.

O que ele faz é um retorno ao que ele considera os fundamentos da psicanálise que estão no fato do sujeito falar. O fato de que o único instrumento de investigação é a palavra Lacan com o retorno a Freud vai procurar o fundamento de linguagem que constitui a estrutura do sujeito. Ele vai mostrar que a diferença desse funcionamento rompe com os fundamentos biológicos e neurológicos.

Nesse texto, fundador do seu ensino, no prefácio, ele coloca como epígrafe uma “Citação escolhida como enxergo de um Instituto de Psicanálise em 1952”: “Em particular, não convém esquecer que a separação entre embriologia, anatomia, fisiologia, psicologia, sociologia e clínica não existe na natureza, e que existe apenas uma disciplina: a neurobiologia, a qual a observação nos obriga a acrescentar o epíteto humana, no que nos concerne” (Escritos, p.238).

Em 1952, estas questões já eram atuais no ensino de Lacan. Ele já começa fundamentando porque não há continuísmo psicofísico. Por que a neurobiologia não responde às questões do sujeito, do ser humano, do falante. Ele vai responder a isso introduzindo a noção de ordem simbólica. Daí a releitura de Freud a partir da lingüística com os conceitos de significante, metáfora e metonímia.


Motrealisme

A capa do seminário XX. é uma foto de uma escultura de Santa Tereza, de autoria de Bernini, que mostra uma pessoa que goza. Não de um gozo sexual, mas de um gozo de outra ordem, êxtase por amor a Deus.

A expressão do rosto deixa impregnada a idéia de gozo, de um corpo percorrido pelo significante; supomos que Deus só exista para o parletre, e não exista para o mundo animal. Deus é um efeito da possibilidade do homem nomear alguma coisa que vai além do sentido, além de suas limitações materiais e sensoriais. A possibilidade de algo do significante marcar o corpo é a noção e gozo em Lacan.

Damásio enfatiza que nas ciências da mente, deve-se negar o dualismo e adotar um monismo, porém, um monismo fisicalista.

Lacan, que não foi alheio à esta questão, posicionou-se frente a esta questão referindo-se ao termo substância, termo da física Aristotélica, e usando-o no sentido cartesiano do termo.

No Seminário XX (p.33, terceira linha), Lacan cita a substância pensante e a substância extensa e, refletindo sobre a substância pensante cartesiana, questiona a substância extensa (Seminário XX, p.34, linha 32) e propõe (Seminário XX, p.35, oitava linha) UMA OUTRA FORMA DE SUBSTÂNCIA, a substância gozante como Partes extra partes da substância extensa.

Esta seria uma proposta monista de Lacan dada como resposta ao dualismo cartesiano. Lacan, no Seminário XX, pp.35 e 36 diz: Isso só se goza por corporizá-lo de maneira significante... só se pode gozar de uma parte do corpo do Outro.... direi que o significante se situa no nível da substância gozante... o significante é causa do gozo.... como, sem o significante, centrar esse algo que, do gozo, é a causa material?

Materialidade que implica uma relação com a letra, que é o suporte material do significante.. No entanto seria a materialidade do significante uma materialidade pensada no sentido marxista, como aquilo que produz efeito?

Lacan, no Seminário “L’une-bevue...”, responde propondo o neologismo Motrealisme, para substituir a palavra materialismo.

Então o que é uma psicanálise suportada em uma visão monista que ao mesmo tempo denuncia a desnaturalização do homem? Esta psicanálise é a que se refere à orientação lacaniana. Esta orientação refere-se tanto a uma direção do tratamento quanto a uma concepção do inconsciente, chamado pelo próprio Lacan de inconsciente lacaniano.

Há uma resposta de Lacan a Descartes. Se Descartes limita o homem à res extensa e à res cogitans, substância pensante e substância material, psico e soma, Lacan diz que a ação da psicanálise se dá na substância gozante.


Orientação lacaniana

“Orientação”, significa “estabelecer uma direção”, determinar em um movimento, o ponto do qual se parte e para onde vai. O termo “lacaniana” que adjetiva a orientação, refere-se à concepção da psicanálise desenvolvida durante o ensino de Lacan. A orientação lacaniana é uma leitura de Freud, é uma concepção da psicanálise, assim como a kleiniana, bioniana, kohutiana.

O critério da orientação dada por Lacan para a psicanálise deve-se a concepção de final da análise, vista tanto enquanto finalidade, como fim, no sentido de término, de conclusão de uma análise.

Orientação lacaniana é uma práxis, que estabelece a possibilidade de haver na experiência analítica, um movimento que vai de um início, em direção a um fim.

Em Lacan a teoria do final de análise, estabelece que o término, a finalidade, a meta da análise corresponda ao qual ele chamou de destituição subjetiva.

Acompanha o movimento de alguém que procura uma análise, aonde vem buscar um saber sobre seu sofrimento. O que permitira a essa pessoa livrar-se de seu sofrimento, é uma mudança em relação ao que ela não sabe, o que tem o efeito de modificar o que ela sabe. Na medida em que ela aceita o que ela não sabe. Quer dizer, a posição subjetiva chamada por Lacan de destituição subjetiva, decorre de uma modificação do sujeito em sua relação com o saber. Nesta nova posição subjetiva, obtida como efeito da análise, o sujeito chega a uma posição em que não supõe mais no Outro um saber sobre o seu sofrimento, o que quer dizer que o Outro não e mais responsável pelo que lhe acontece. Ele é o único responsável pelo seu sofrimento.

A destituição subjetiva, conseguida como efeito da experiência analítica, é uma resposta para o mal-estar na cultura, para a dor de existir, resposta que difere das feitas pelas religiões que acreditam numa salvação. Difere também das propostas filosóficas que, apostando na impossibilidade da existência de uma verdade, aconselham a ataraxia, que é a ausência de desejo, ou a apatia, que é a ausência de paixões, como a posição subjetiva ideal para o homem sábio.

A destituição subjetiva é a meta do tratamento analítico, e produzi-la constitui tanto o final de uma análise, no sentido de fim, como sua finalidade, no sentido de objetivo.

A possibilidade de um sujeito alcançar esta meta, que é o fim de uma análise, depende de uma concepção de inconsciente que se pode precisar como o inconsciente lacaniano.

Uma análise que seguisse a orientação de Freud seria infinita, não teria término, não teria fim, pois como a orientação freudiana fundamenta sua ação na comunicação feita pelo analista do desejo inconsciente recalcado do paciente, e como a interpretação não tem limites, como a interpretação é infinita, uma análise conduzida somente pela comunicação do sentido que explique as razões dos sintomas, também seria infinita.

Freud estabeleceu os critérios para o início do tratamento, porém Freud não concebeu um final para a análise, entendendo-a como infinita.

Lacan propõe um fim para a análise que não é meramente uma interrupção da análise.

 

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