HYSTORIA - 2006

Apresentação
Márcio Peter de Souza Leite

Hystoria com y é um neologismo de Lacan que condensa história com hysteros de histeria, e remete a história à interpretação. A interpretação não é apenas um capítulo da teoria psicanalítica. Mais do que isso, é a prática viva desta teoria. Fora do contexto da clínica e da referência à fala de um sujeito, utilizada em outros âmbitos, corre o risco de se transformar em ato de poder. Aplicada na construção de uma história, o exercício desse poder acabaria se manifestando ao estabelecer um sentido unívoco.

Entretanto, se uma interpretação precipita algum sentido, seja este qual for, a boa interpretação deveria propiciar sempre muitos. Por sua vez, o psicanalista, artífice da palavra, sabe que a reconstituição de um percurso significante é passível de leituras distintas que abram outras perspectivas que desconhece.

Ossos do ofí­cio, noblesse oblige. Quem interpreta, no presente caso, foi e continua sendo protagonista, o que exclui qualquer neutralidade; por vezes, antagonista, o que inclui não poucas res­ponsabilidades. Como, por exemplo, definir de que lugar se está falando, e o que autoriza a fazê-lo. Invocamos aqui uma trajetória constante que, através dos anos, nos compromete duplamente com a psicanálise: como prática clínica, e como dis­curso a ser disseminado. A seguir, então, uma auto-hétero-biografia.

Nos dez anos de história do movimento lacaniano em São Paulo, nada é mais evidente que as repetidas tentativas de se criar uma instituição forte, capaz de nuclear os analistas identificados com esta tendência. Igualmente evidentes, tam­bém, as tentativas de se negar a busca de tal instituição. Dos primórdios até agora, se dança na ambiguidade do mal necessário, ao ritmo dos reconhecimentos. Foi em 1980, por ocasião do I Encontro do Campo Freudiano, em Caracas, Venezuela. Exclusões, conchavos, entreveros e desenlaces, amores e ódios. Não poderia ter sido diferente: o inconsciente, fundamento da transmissão da psicanálise, operan­do pelo rodeio da transferência, amarra conflitivamente o saber e a paixão. Daí que nas repetições se revele uma insistência que não é outra que a do desejo, deixando marcas e traços, material a ser analisado.

Oslacano-paulistas, como qualquer massa ou grupo humano, tenderam para a união em torno de um ideal do eu. Feliz ou infelizmente, sempre encontraram demasiado "eu" para pouco "Ideal". Até aqui, nada de novo sob o sol: lutas de prestígio e rivalidades narcísicas são apenas mais uma constatação da estrutura pa­ranóica do conhecimento, o limite agressivo do laço social que une e confronta. Vejamos, pois, de que maneira o discurso de Lacan foi se enraizando em São Paulo, e como se mantém até hoje.

 

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