HYSTORIA - 1986
O lacanismo em solo paulista
(Cecilia Coimbra in "Os guardiães da ordem", Ed. Oficina do Autor - RJ 1995)
Desde 1973, Luiz Carlos Nogueira - professor da USP a partir de 1969, à época da saída dos didatas da SBPSP - interessa-se pelos estudos de Lacan e, em 1975, junto com Jacques Laberge, do Recife e Durval Checchinato, de Campinas, fundam o Centro de Estudos Freudianos (CEF). Considerado o primeiro grupo lacaniano no Brasil começam a trabalhar, sobretudo, em cima de encontros bi anuais (um no sul outro no nordeste) e, progressivamente, vão se constituindo outros núcleos regionais do CEF como os do Recife, Brasília, Salvador, Campinas, Natal e mais tarde Porto Alegre.
Em 1978 no VII Encontro Nacional do CEF, são estabelecidos estatutos nacionais com a proposta de que os centros regionais elaborassem seus próprios Estatutos.
Neste mesmo ano, ocorre um racha. Sai do CEF umas doze pessoas, dentre elas Márcio Peter de Souza Leite, o argentino Oscar Angel Cesarotto e Alduísio Moreira de Souza. Os dois primeiros vindos no ano anterior da Argentina, tinham pertencido à Escola Freudiana de Buenos Aires, fundada por Oscar Masotta e o terceiro, vindo de Paris participara da Escola de Lacan.
O CEF não oferecia cursos seqüenciais como um curso mas grupos de estudos, seminários, etc. A saída destes tinha como principais motivos as queixas referentes ao autoritarismo imperante no CEF e as influências jesuíticas ali presentes. Alguns entrevistados declaram que Jacques Laberge, jesuíta da Companhia de Jesus veio ao Brasil com a incumbência de criar um movimento.
Os que saem em 1978 perguntam: Quando se pensam as origens do CEF, surge a indagação sobre o que representa o peso da herança religiosa, em geral, e em particular, a jesuítica, para o destino dos paulistas. Questão subjacente de grande importância, nunca suficientemente esclarecida. Pois, numa cidade de marcada tradição católica como São Paulo, não se pode desconhecer esta paternidade. Que dizer, então, do surgimento do lacanismo numa esfera ligada à Igreja? Todavia, afirmam que: "...o CEF, na sua expressão paulista, tinha um projeto ambicioso (...), mas teve um mérito "inaugural". Dele participaram membros da Escola Freudiana de Paris. A PUC de Campinas, ou melhor, o seu curso de pós-graduação em Psicologia Clinica, foi a proveta onde se deu a concepção".
Justamente em 1978, quando se criam os Estatutos, explodem as lutas pelo poder dentro do CEF; impõe-se urna maior institucionalização, e gera a criação de normas, de critérios para determinar quem deve dar os grupos de estudos, quem, em suma, ocupará os lugares de prestígio e mando.
O CEF paulista continua funcionando até a primeira metade dos os 80, período em que, pouco a pouco, abandonam a instituição os fundadores: Joana Helena C. Ferraz e depois o próprio Luiz Carlos Nogueira. Os demais núcleos regionais permanecem atuando, embora bastante fragilizados pelas diversas divisões ocorridas.
Um outro grupo que se institucionaliza logo depois, formado pelos que em 1978 deixam o CEE, é a Escola Freudiana de São Paulo que também realiza grupos de estudo e seminários. "Nos primeiros anos de existência, a Escola Freudiana reúne cerca de 30 membros, incluindo os 12 `dissidentes´ do CEF" [221].
Alguns de seus fundadores afirmam que:
"... a EFSP foi uma precipitação temporal, uma ejaculação precoce, poderia ter vingado não fossem as querelas intestinais e, por sorte, a coincidência da dissolução da Escola de Lacan em 1980, que quebraram a especularidade e a ilusão megalômana. Foi efêmera sua trajetória. Fica a pontuação de que a escolha do nome - Escola Freudiana - representava uma tentativa de identificação imaginária com a instituição de Lacan (...). Pode-se concluir que a iniciativa visava abrir um espaço de liberdade fora da hierarquia que religiosamente congregava os integrantes do CEF. Foi, porém, sair de uma para entrar em outra... "
Em 1980, extingue-se a Escola Freudiana de São Paulo num clima de conflitos e lutas internas.
[221] Ferreira Neto, G.A., Leite, M.P.S. e Cesarotto O. "Paulicéia Desbravada". In: Revista Clínica Freudiana-Série Psicanálise, São Paulo, s/data, 43-48, p. 45.