HYSTORIA - 2002
Figura e fundo: notas sobre o campo psicanalítico no Brasil
(Renato Mezan)
Ao sul do Equador
Assim, os anos oitenta presenciam o surgimento de uma nova raça de psicanalistas: os que escrevem. Discretamente a princípio, depois em volume maior, começam a surgir trabalhos originais, que vêm alimentar a demanda por informações dos que então se aproximavam da Psicanálise. Alguns são fruto dos labores de filósofos (por exemplo, Freud: A Trama dos Conceitos , escrito em 1977 e publicado em 1982, ou os livros de Luiz Alfredo Garcia-Roza, que começam com Freud e o Inconsciente, em 1983); outros, de filósofos que se tornaram analistas (Freud, Pensador da Cultura, escrito em 1979-1980 e publicado em 1985); outros ainda, de psicanalistas que buscaram fecundar a Psicanálise pelo contato com outras disciplinas (por exemplo Miriam Chnaiderman, O Hiato Convexo.
Surgem igualmente trabalhos que abordam questões semelhantes às que agitavam os países onde tinham estudado seus autores, ou que buscam modos de utilizar a Psicanálise para pensar questões da atualidade brasileira (como a revista Teoria da Prática Psicanalítica , editada entre 1981 e 1986 por Joel Birman e Carlos Augusto Nicéas; o livro de Jurandir Freire Costa, Violência e Psicanálise, 1984; novos textos de Fabio Hermann, Joel Birman, Chaim Katz e outros). No âmbito lacaniano, também surgem livros importantes: a princípio traduções de analistas estrangeiros aqui radicados (Antonio Godino Cabas, Curso e Discurso da Obra de Lacan, 1982; Alfredo Jerusalinsky, Psicanálise do Autismo, 1984), e logo mais trabalhos originais de autores brasileiros (Alduísio Moreira, Uma Leitura Introdutória a Lacan, 1984; Oscar Cesarotto e Márcio Peter de Souza Leite, Jacques, Lacan: Através do Espelho, 1985; e outros).
Neste sentido, a abertura em 1987 da Editora Escuta constituiu um poderoso estímulo à difusão da Psicanálise em letra de forma. Tanto publicando obras originais quanto empreendendo um ambicioso programa de tradução da Psicanálise francesa, inglesa e argentina, a iniciativa de Manoel Berlinck produz rapidamente os seus frutos, permitindo que jovens autores não precisem esperar anos a fio para verem editados os seus trabalhos.
Ainda no capítulo traduções, Elias da Rocha Barros empreende pela Imago um valioso trabalho de divulgação do pensamento kleiniano, repondo na liça das idéias uma escola que parecia ter empalidecido com tantas novidades vindas de outros quadrantes. O mesmo vale para os lacanianos, que plantaram suas tendas na Zahar (o grupo ligado a Jacques-Alain Miller) e nas Artes Médicas de Porto Alegre (o grupo ligado a Charles Melman). Surgem ou renascem revistas, como Ide, Percurso, Jornal de Psicanálise, Tempo Psicanalítico (da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, a SPID do Rio), Gradiva (da Sociedade de Psicologia Analítica de Grupo, SPAG) e outras, que abrem novos canais de comunicação para e entre os analistas brasileiros.