Conferência com Christian Ingo Lenz Dunker (1)
Tema: Fundamentos - Módulo 1 - curso "Além do Édipo: O último ensino de Lacan"
Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, doutor em Psicologia pelo Instituto de
Psicologia da USP, com Pós-Doutorado na Manchester Metropolitan University.
Autor de Lacan e a Clínica da Interpretação (Hacker, 1996) e o Cálculo Neurótico
do Gozo (Escuta, 2002) além de diversos artigos e capítulos de livro em revistas
científicas de diferentes países. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns
do Campo Lacaniano. Atualmente é professor e Livre Docente pelo
Departamento de Psicologia Clínica do IPUSP.
Conexão Lacaniana: Gostaria de em nome do dr. Márcio Peter e da Conexão Lacaniana dar boas vindas ao dr. Christian, e todos aqui presentes, o chat terá a duração de 1 hora, terminaremos às 19h.
Christian Dunker: Boas-vindas a vocês, em especial ao Márcio Peter, agradeço muito esta oportunidade de conversarmos.
Pergunta (SP): Bem gostaria de iniciar tirando uma dúvida. Eu estou no início de minha prática clínica e nem sempre encontro nos pacientes um desejo de análise, na verdade me parece que a maioria vê o trabalho terapêutico como mero depósito de suas queixas e reclamações. Então fico pensando até que ponto posso, ou tenho o direito de tentar introduzir um desejo de análise nos pacientes. Ou este deve surgir independente de meu trabalho?
Christian Dunker: Seria difícil falar em um desejo de análise, Lacan dizia que o único que demanda a análise é o psicótico.
Mas esta "indução" é a própria transferência, nem sempre acontece nos termos em que esperamos, há um trabalho sim, oferta-se significantes, purifica-se o sofrimento do sintoma, regula-se a angústia, etc. A clínica das primeiras entrevistas é bem difícil, exige riscos e ponderações para as quais às vezes não temos muito tempo.
Pergunta (SP): Você poderia falar um pouco sobre esse desejo de análise do psicótico, ou alguma indicação de leitura.
Christian Dunker: Na psicose discute-se se o uso da noção de demanda é pertinente, uma vez que há uma atribuição de saber ao Outro e não uma suposição de saber. Na neurose a demanda é inconsciente, logo jamais sabemos exatamente o que estamos pedindo quando o fazemos.
Por isso Lacan falou em tratamento possível da psicose, no entanto isso se choca com a idéia de que a psicanálise é todo tratamento conduzido por um analista, resultado acho plausível falar em análise com pacientes psicóticos desde que se amplie a noção mesma de psicanálise.
Pergunta (SP): Fala-se muito nos novos sintomas da contemporaneidade. Pensando em Educação você acredita que a psicanálise poderá contribuir com a Instituição Escola e a função educativa? Por quê?
Christian Dunker: Em relação à instituição escolar não sou muito otimista, mas os sintomas em crianças estão em novas injunções, de fato.
Pergunta (RJ): Com a atribuição de saber e não suposição é lícito pensar numa análise?
Christian Dunker: Os matemas, como os conceitos fazem parte de um tipo de saber que vem ao analista durante sua escuta, ele não deve ir atrás dele ou procurá-lo ativamente pois isso prejudica seu encontro com o paciente, contudo os matemas são "concentrados" que nos orientam genericamente em situações difíceis e principalmente do ponto de vista da estratégia e não da tática. Por exemplo, um lapso desejante pode se encaminhar para alguns destinos (o fantasma, a demanda, o Outro - rumo ao moi - isso pode ajudar a orientar o fluxo associativo que se lhe segue.
Pergunta (SP): Caro Christian, quando se fala nos matemas lacanianos geralmente eles são situados no contexto da transmissão da psicanálise. Gostaria que você falasse um pouco de como seria contextualizá-los dentro da clínica. Estratégia da análise como um todo?
Christian Dunker: Angelino, sim genericamente, a travessia do fantasma, por exemplo, ou ainda a emergência do discurso analítico à partir do discurso histérico em um tratamento que se aproxima de seu fim.
Pergunta (RJ): O que compreende ampliar a noção de psicanálise, quais as mudanças podem ocorrer? O mesmo acontece por exemplo no caso dos drogadictos que também não apresentam demanda mas com a diferença que a suposição de saber está neles mesmos, nas drogas?
Christian Dunker: Adelina, concordo, mas os drogaditos, quando neuróticos, chegam a um tempo de "demanda" , o que pode demorar, vacilar ou retroceder mas é importante reconhecer quando ele se dá, diferente da reprodução do discurso socialmente esperado de recuperação, etc.
Pergunta (RJ): Também acho que isto ocorre, há uma diferença entre o usuário neurótico cuja posição pode chegar a este destino mas nos casos dos mais graves, penso que a noção de psicanálise deve ampliar, o difícil é saber os limites desta mudança para não se perder a direção.
Christian Dunker: Em geral a discussão sobre o que é a psicanálise (pressuposta como essencialmente idêntica a si mesma) e quem é legítimo praticá-la (pressuposto que alguém teria a resposta), extravia-se do ponto que é a presença e ação junto às pessoas que sofrem. Minha opinião é que isso depende de maior corajem e empenho em apresentar a clínica de modo minimamente compartilhável.
Pergunta (MG): gostaria de saber um pouco sobre a noção de furo neste último ensino... corpo, letra e furo.
Christian Dunker: Pedro, o furo é uma noção topológica que remete à realização da incompletude no Outro. Ela sucede mas a meu ver não se sobrepõe à noção de falta. Como correlato tipológico o analista realiza operações (para furar o saber, para furar a sobreposição entre suposição de saber e inconsciente ou para furar o emparelhamento entre identificação e transferência). É uma noção que depende do uso clínico das fórmulas da sexuação.
Pergunta (SP): Para chegar à síntese matemática dos matemas Lacan precisou desconstruir o significante chegando à letra. Você acredita que essa elaboração teórica está relacionada ao modo de pensar oriental e à escrita chinesa? Pode-se 'ler' a fala do analisando como hai-kais pintados em sumi-e? Isso como uma forma de acesso ao inconsciente?
Christian Dunker: A letra é idêntica a si mesma (ao contrário do significante), a letra "guarda" a posição do furo para cada sujeito, assim como o sujeito "guarda" o último significante antes do trauma para representá-lo. No corpo é o tema da pulsão, a letra faz litoral entre o saber e o gozo, logo ela representa uma espécie de corporificação possível, de localização preliminar do espaço a ser habitado pelo significante.
Pergunta (SP): Interessante... imaginava que o sujeito guardasse o primeiro significante após o trauma.
Christian Dunker: Sim Angelino, mas o pensamento chinês parece-me ter afetado Lacan muito mais como crítica da noção ocidental de estratégia, veja François Julien - "Tratado da Eficácia" e note como em Lacan o discurso sobre o tratamento comporta uma teoria da guerra. A síntese matemática representada pela noção de letra não é, para mim, uma grande novidade em Lacan, já estava em Koyré e seu entendimento da modernidade de Galileu.
O trauma é em dois tempos, do segundo se institui o primeiro, mas o primeiro é sempre anterior à cena, lembre-se que Emma vai duas vezes à loja de doces e ela guarda o sorriso do primeiro encontro quando este ainda não é, de fato "traumatizado" pela sua inclusão na fantasia.
Pergunta (EUA): Gostaria que falasse a respeito da função fálica na mulher.
Christian Dunker: Boa pergunta. Se por um lado ela é marca do universal no sujeito se poderia dizer que não há diferença entre função fálica no homem e na mulher. Mas por outro lado Lacan dizia que ela "não é sem tê-lo", ou seja, há um modo que se poderia pretender feminino de "apropriar-se" (ter o falo) na mulher, que poderia ser semelhante à "ter sem possuí-lo" ou "ter à condição de não usá-lo" (como na histeria).
A função fálica na mulher coloca um problema a ser resolvido em torno da noção de exceção. Para o homem há aquele que funda a regra por se colocar fora dela (o pai da horda primitiva). Para a mulher se poderia dizer, é o mesmo (pois não há mãe da horda primitiva). Mas penso que clinicamente não é bem assim, a mulher tenta fazer esta exceção e à falta de realizá-la identifica-se com este "furo" (para voltar ao tema).
Em outras palavras: "todas menos uma" não é o mesmo que "todos menos um". Lacan tentou tematizar esta diferença com a figura da "virgem".
Pergunta (SP): Talvez você pudesse aproveitar e falar um pouco sobre o sintoma no masculino. Como entende a histeria masculina?
Pergunta (SP): Compartilho sua questão.
Christian Dunker: Luiz Gonzaga, aliás cada vez mais frequente (nunca ninguém imaginou isso como um "sintoma contemporâneo". A histeria masculina parece fazer um tipo diferente de conversão, não é conversão no corpo próprio mas a conversão do corpo Outro. Geralmente ligada à exceção de uma mulher, é muito comum que por isso na histeria masculina sobrevenham abundantemente fantasias e hesitações em torno da homossexualidade (efração do querer correlativa da histeria feminina). Em suma ser o falo para o Outro, mas um Outro em exceção.
Penso que boa parte dos chamados transtornos narcísicos, personalidades borderline e estados limites são expressões da histeria masculina.
Pergunta (SP): Você pode indicar algum texto sobre este assunto? Ou, onde Freud falou sobre isso? (se falou?)
Christian Dunker: Há um texto antigo de Freud sobre a histeria em um homem (década de 1890) e também o texto sobre Tipos Libidinais onde ele discorre sobre o tipo narcísico.
Pergunta (RJ): Esta questão da posição fálica na mulher não vem sendo muito promovida nos últimos tempos? Hoje um jornal do Rio apresentou como um grande avanço o aumento do número de lojas de material erótico feminino, colocando inclusive a fala de uma "psicanalista" especializada neste tema advogando o prazer intenso solitário (masturbação) como um ganho para as mulheres, algo como abaixo a diferença, não precisamos mais do outro para sustentar nosso desejo, ou este outro pode ser o vibrador com figura de coelho.
Christian Dunker: Note que o vibrador foi um dos primeiros equipamentos domésticos (eletrodomésticos) a se popularizar, nos EUA da década de 30. Era recomendado para "acalmar" as boas esposas e não sobrecarregar seus maridos "nervosos” com demandas inconvenientes. É só depois que ele passou a ser visto como um ataque à família, etc.
Pergunta (SP): Sabemos que o professor é o autor do ato educativo, mas muitas vezes percebemos que nas salas de aulas para um certo número de alunos esse ato não acontece mesmo o prof. estando implicado em sua função. Cobrado pela aprendizagem do aluno, este o encaminha a outros profissionais sem saber para quem recorrer e geralmente é criticado.
Christian Dunker: Silvana, é verdade mas note como este deslocamento de autoria parasita outros discursos e destitui o educador. Nesta linha vi poucas campanhas ou movimentos discursivos em favor da análise para professores (em geral são os alunos que se captam neste discurso).
A drogadição legal, representada pelo uso, por exemplo da ritalina entre alunos "inquietos" exige uma posição e presença do analista na escola, reunindo com a questão sobre a demanda de análise, assim como no hospital o psicanalista lembra e testemunha aos médicos que ainda existe uma clínica (no sentido estrito) na escola ele lembra ao professor que este ainda é o autor do ato educativo
Pergunta (SP): Gostaria se possível que indicasse algum material sobre os matemas e grafos.
Christian Dunker: Marc Damon – “Topologia Lacaniana” é um bom começo. Há também os textos de Edelstein (argentino não traduzido) e até mesmo Joel Dor o segundo volume.
Pergunta (SP): Obrigado. Acho importante estudar o sintoma no masculino que quer um homem?
Conexão Lacaniana: Gostaria de agradecer em nome de todos a valiosa participação do dr. Christian.
Christian Dunker: Agradeço ao Márcio Peter pelo convite, agradeço as perguntas, é minha primeira vez em um chat deste tipo, foi ótimo (que significam as carinhas amarelas sorridentes e as vermelhas trsites?) É o que parece?
Conexão Lacaniana: Até o próximo! Boa noite!
Núcleo Márcio Peter de Ensino - Conexão Lacaniana
Curso OnLine "O essencial para entender Lacan"
Conferência 26/08/07 | Moderação: Carla Audi