Conferência com Christian Ingo Lenz Dunker (2)
"A Utilidade do Diagnóstico para a Clínica Psicanalítica"
Christian Ingo Lenz Dunker é psicanalista, doutor em Psicologia pelo Instituto de
Psicologia da USP, com Pós-Doutorado na Manchester Metropolitan University.
Autor de Lacan e a Clínica da Interpretação (Hacker, 1996) e o Cálculo Neurótico
do Gozo (Escuta, 2002) além de diversos artigos e capítulos de livro em
revistas científicas de diferentes países. Membro da Escola de Psicanálise dos
Fóruns do Campo Lacaniano. Atualmente é professor e Livre Docente pelo
Departamento de Psicologia Clínica do IPUSP.
Conexão Lacaniana: Estamos recebendo hoje nosso convidado, Christian Dunker, que irá apresentar o tema “A Utilidade do Diagnóstico para a Clínica Psicanalítica”. Desde já, agradecemos em nome do dr. Márcio Peter, Conexão Lacaniana e todos alunos a sua presença. Passamos a ele a palavra, é com você Christian.
Christian Dunker: OK, queria então agradecer ao convite da Conexão Lacaniana, e do Márcio Peter em particular, para falar com vocês nesse final de dia sobre “A Utilidade do Diagnóstico para a Clínica Psicanalítica”. Eu escolhi esse tema em função de uma apreciação de que o diagnóstico em psicanálise tem sido uma questão um tanto quanto relegada, vamos dizer assim, se a gente considerar o conjunto dos estudos psicanalíticos, há de fato poucos que se dedicam a explorar no seu conjunto, a questão dos diagnósticos.
A gente tem bons trabalhos sobre a neurose obsessiva, sobre a histeria, sobre a psicose, sobre a perversão, mas, uma reflexão de conjunto sobre o que significa diagnóstico em psicanálise, ela despontou, pelo menos no Brasil em meados de 1980 e depois desse início um pouco promissor ela entrou num certo desuso, vamos dizer assim.
De fato, alguns textos têm posto em questão a diagnóstica psicanalítica, mais recentemente, lembro o trabalho sobre as psicoses ordinárias, que é uma reflexão que tenta retomar essa questão. Mas eu queria então colocar pra vocês algumas idéias sobre o que talvez a gente pudesse avançar em termos da diagnóstica psicanalítica, de modo que ela reencontre a utilidade que se espera de todo e qualquer diagnóstico.
Eu começo a dizer que essa utilidade é dupla, pensando numa separação que o Freud fazia da psicanálise como método de tratamento e a psicanálise como método de investigação. Eu digo que a utilidade do diagnóstico é dupla porque ele serve por um lado para dirigir o tratamento, pra ajudar na direção da cura, mas por outro lado, serve também como um conjunto de decisões que operam na investigação psicanalítica, seja ela pelo tratamento, seja ela na pesquisa, por exemplo.
Do ponto de vista da direção do tratamento, apesar de haver esse consenso de que o diagnóstico é importante, de fato essa questão diagnóstica acabou se concentrando em saber se estamos diante de uma neurose ou de uma psicose. E o problema do diagnóstico se concentrou, nesse ponto, em função de uma observação bastante simples, que era a de saber quando recebemos um paciente que apresenta uma estrutura psicótica, mas que não está declarada, ou como alguns gostam de salientar, que não está decidida, ou que não está evidente. Ou seja, vejam como essa discussão diagnóstica, ela tem que ver com uma das principais características que a gente espera de um método, que ele permita a gente fazer alguma previsão. Também na medicina o diagnóstico veio sempre associado com a idéia de prognóstico.
Bom, nessa subversão que deu origem a clínica psicanalítica, uma subversão da clínica médica, de onde ela, de certa forma parte, ouve um esquecimento disso, ou seja, de que o diagnóstico faz parte de uma estrutura, estrutura da clínica e que ele depende de outras dimensões dessa estrutura para de fato ser útil. Quais seriam estas outras dimensões? Eu falei no prognóstico, mas principalmente a dimensão etiológica, ou seja, um bom diagnóstico é um diagnóstico que toca a causa, acho que Lacan jamais abriu mão desse aprofundamento, a procura, vamos dizer... objeto causa de desejo, causalidade em psicanálise, Seminário XI, enfim, o tema da causa é um tema lacaniano de ponta a ponta, por quê? Porque o tema causalidade, a etiologia forma a parte da estrutura na clinica.
Mas além da etiologia, a gente tem uma relação do diagnóstico com a semiologia. Isso ficou um pouco esquecido, ou seja, construir um diagnóstico é organizar um conjunto de signos, um conjunto de sinais, um conjunto de índices e por que não um conjunto de sintomas, de tal forma a mostrar a sua conexidade, a sua relação intrínseca. A perda dessa dimensão, vamos dizer, estrutural do diagnóstico e semiologia deu origem a várias discussões dentro da psicanálise, dentro da psicanálise da psicanálise lacaniana. Por exemplo, o próprio Márcio Peter durante um certo tempo nos ajudou a perceber como o diagnóstico psicanalítico diferia do diagnóstico psiquiátrico, porque o diagnóstico psicanalítico é um diagnóstico sob transferência.
Sim por um lado, mas a gente poderia pensar no diagnóstico sobre transferência, se um diagnóstico dentro da transferência, por que se preserva dentro da psicanálise as denominações que tem origem fora da psicanálise, seja a paranóia... a própria histeria, a neurose obsessiva, a fobia... mas num nível secundário... seja as diferentes formas de angústia... a inibição.
Bom, o que eu estou querendo sugerir é que a psicanálise nem sempre se dá conta de que ela precisa desenvolver uma semiologia própria, ou seja, para que um sintoma seja de fato um sintoma para a psicanálise ele tem que ter uma semiologia reconhecível pelos psicanalistas e ele tem que estar na transferência, são essas duas coisas.
Essa conjunção de problemas acho que lega então o problema que fica ainda em espera, que é o seguinte: quando e de que maneira nós vamos conseguir produzir de fato descrições ou apresentações clínicas que sejam inteiramente deduzidas da transferência.
Notem que Lacan falou e reformulou a noção de transferência em psicanálise, principalmente ao distinguir a dimensão imaginária da dimensão simbólica da transferência. Dimensão simbólica quer dizer que a transferência se opera a partir de lugares, a partir de posições, a partir de uma dialética, que foi a primeira hipótese de Lacan, mas é também a partir do deslocamento do saber, e finalmente a suposição... o sujeito suposto saber.
Todas essas versões que Lacan tem sobre a transferência, elas são bastante úteis para distinguir coisas, para separar, por exemplo, a transferência do amor de transferência, a transferência imaginária da simbólica, a transferência da identificação ou a transferência da demanda, tema importante, por exemplo, um texto como l´étourdit, transferência é uma coisa, demanda é outra.
Então o encaminhamento lacaniano sobre a transferência ele é muito baseado nessa distinção progressiva, isso de fato era bastante útil na medida em que separa, mas não é suficiente, não é suficiente para estabelecer isto que eu estou chamando de uma dedução das estruturas clínicas a partir das diferentes formas de transferência. Vocês notem que quando Lacan fala em transferência isso é sempre elevada a essa espécie de generalização - a transferência – a transferência como se fosse uma totalidade e de fato é se a gente pensa em transferência como uma estrutura.
Mas o que fica de fora? Os tipos, os casos particulares, através dos quais a transferência se modaliza e como ela se apresenta na clínica efetivamente, ou seja, estou sugerindo por exemplo, uma idéia que vem a partir disso que é a seguinte, seria preciso distinguir por exemplo, entre o diagnóstico, vamos dizer assim, da expressão narcísica da transferência do diagnóstico da expressão sintomática da transferência. Ou seja aquilo que agente chama de sintoma analítico ou o que o Freud chamava de neurose de transferência.
Bom, essas duas coisas estão então articuladas, de fato um bom diagnóstico versa justamente sobre essa articulação, mas é preciso ainda trabalhar para que isso nos leve, vamos dizer assim, para um entendimento posterior a esse entendimento um tanto quanto fácil que é de imaginar que a questão do diagnóstico em psicanálise é separar e saber reconhecer uma psicose, uma perversão e uma neurose. Esse é um nível muito genérico de entendimento de diagnóstico e muito pouco útil, e a tese que apresento aqui pra vocês é que o diagnóstico é tão mais útil, quanto mais intrincado, quanto mais vertical, quanto mais etiológico, quanto mais fino. Ou seja, não apenas no nível macro estrutural, seja ele procedente, seja ele, vamos dizer assim, capaz de albergar a totalidade das expressões clínicas ou não, essa é uma questão, acho que secundária. Estou dizendo que a utilidade do diagnóstico deriva não apenas desse nível mais genérico, mas do que eu chamo do segundo nível da diagnóstica psicanalítica que é a diagnóstica não só sob transferência mas da transferência, formas diferentes da transferência.
Ainda num terceiro nível, vamos dizer assim, que estou sugerindo, da diagnóstica psicanalítica, a gente encontraria a diagnóstica dos tipos clínicos. E eu acho que aí tem tido uma confusão, que estamos estudando lá na USP, que é de tentar replicar nos níveis inferiores da diagnóstica, os mesmos tipos de oposição que a gente encontra nos níveis mais superiores, ou seja, neurose, psicose e perversão estariam entre si, como neurose obsessiva, histeria e fobia estariam entre si, vamos dizer assim, dentro do grupo da neurose.
Não é necessário, e de fato, verificando o encaminhamento que Lacan dá para o exame dos tipos clínicos, a começar pela tese de 32 onde ele diferencia a psicose de autopunição, que é o caso Aimée, da psicose de reivindicação, estes dois tipos clínicos. Isso é muito próprio do raciocínio diagnóstico, de não se contentar com o genérico e tentar chegar a um diagnóstico mais e mais específico. Acho isso extremamente compatível com a psicanálise porque no fundo este tipo de afunilamento - a gente falou num primeiro nível macroestrutural, segundo nível da transferência, o terceiro do narcisismo e o quarto dos tipos clínicos e a gente poderia aprofundar isso num outro nível onde está aí já uma discussão da distinção entre o sintoma, angustia e inibição - e assim por diante. Ou seja, como se a gente pudesse sempre desdobrar mais e mais ou bipartir as distinções que a gente consegue estabelecer nos níveis mais altos, vamos dizer assim, da clínica.
Então, eu estava dizendo que esta é uma idéia compatível com a psicanálise, acho essa idéia muito psicanalítica, porque no fundo o diagnóstico psicanalítico ele teria que ser um diagnóstico que é um caso, que é esse, um caso singular que é aquele sujeito, só na medida em que a gente chega a essa especificidade que a diagnóstica então saia ou pode trabalhar, passando do nível da diagnóstica do tratamento para a diagnóstica de investigação, e que a gente transmite essa diferença que se aprendeu com aquele sujeito.
Bom, não sei se é suficiente a gente falar, então, nessa dimensão diagnóstico com a semiologia, estou mostrando a vocês, estou convidando vocês que talvez chegou o momento de fazer um aprofundamento da semiologia psicanalítica. Por exemplo, a gente trabalha até hoje muito consensualmente com a idéia de que uma psicose ela só se conclui em seu diagnóstico se houver fenômenos de linguagem, uma tese lá do Seminário III.
Nas questões preliminares vou dar dois exemplos de fenômenos de linguagem, que são muito genéricos, há muitos outros, conforme se considere a linguagem, conforme se considere o âmbito da linguagem pragmático, semântico, sintático, poderiam ser ainda então desenvolvidos. Isso se dá na relação da diagnóstica com a semiologia. Mas acho que a questão mais fundamental, a utilidade principal do diagnóstico em psicanálise, como já tinha dito é dirigir a cura, ajudar a dirigir a cura. E o que significa isso? Ou seja, como que se uma vez concluído o diagnóstico, a gente tivesse um plano de trabalho ou um plano de orientação para as intervenções, para as interpretações. Acho que sim, é válido, mas é válido para algo que entendo ser assim a orientação da política da cura.
Um diagnóstico bem feito ele deve contribuir assim diretamente, não só para a política do tratamento ou para a política da psicanálise, mas também para o nível estratégico, no nível tático. Então, entendo que a discussão diagnóstica, ela fica um pouco parada em função do pequeno desenvolvimento, vamos dizer assim, do que Lacan lá no texto da direção da cura chamou de tática, por exemplo do tratamento psicanalítico, o nível em que o psicanalista estaria então mais livre, a tática em respeito às intervenções, a interpretação, as extensões, à estilística do corte.
Bom, que relação que a gente encontra na bibliografia por exemplo, entre, um diagnóstico por exemplo de uma neurose obsessiva com uma transferência que não se ajusta completamente a esse diagnóstico, por exemplo, uma paciente que traz sintomas obsessivos, angústias de um obsessivo, mas que faz uma transferência que é um pouquinho diferente disso, que a gente tem dificuldade de dizer: - bom, essa é de fato uma transferência obsessiva. Vem que o próprio uso dessa expressão não é muito comum, uma transferência histérica, uma transferência fóbica ou num outro nível, uma transferência inibida. A gente tem poucas modalizações da transferência e isso é um problema para diagnóstica psicanalítica.
Eu estava dizendo que o interessante, e a pergunta: por que a gente não tem um desenvolvimento tão grande assim da relação entre táticas e a diagnóstica? Um diagnóstico de neurose obsessiva deveria nos informar, por exemplo, sobre como agir ou o que não fazer numa transferência obsessiva. Bom, como convenhamos, há pouco disso na tradição lacaniana, há poucos estudos que tentam examinar isso de forma sistemática, porque de forma prática, evidentemente que quando um analista relata o caso e com detalhes, se ele fizer com detalhes, vai ter que entrar nessa questão mas isso é diferente do que discutir esse problema metodicamente, discutir este problema tendo em vista em algumas teses sobre o que é o diagnóstico em psicanálise e em quantos níveis vai considerá-lo, níveis não apenas então distintivos, como transferencial, imaginário, transferência simbólica, mas níveis inclusivos, se a gente tem um diagnóstico em perversão, mas é daí? O que a gente espera? Que necessariamente se dê naquele caso, o que a gente espera que seja impossível que se dê naquele caso, o que a gente espera que seja contingente naquele caso e o que a gente espera que seja necessário.
Bom, então pra concluir, a idéia era levantar esta questão com vocês, compartilhar esse conjunto de preocupações, na verdade, procurei não fazer uma apresentação muito sistemática, muito professoral, então, do que é o diagnóstico em psicanálise, mas uma apresentação que pretende levar a vocês aqueles que são os meus problemas, minhas preocupações e no fundo um pouco da minha insatisfação com o estado da diagnóstica psicanalítica, que seja às vezes em supervisão, seja às vezes em conferências ou em apresentações de casos, vejo que o eixo da sua utilidade é pouco explorada.
Em geral a gente tem, vamos dizer assim, discussões que são discussões sobre o mérito do diagnóstico, se é esse ou aquele, discussões sobre modelos, às vezes, de diagnósticos, uma diagnostica mais continuísta ou mais descontinuísta, sobre um quadro específico. Mas me parece que o que falta então são questões sobre o fundamento de diagnóstico e não sobre a utilidade.
Queria ouvir vocês então a partir desta provocação, espero que todo mundo tenha me escutado, que o áudio e vídeo tenham chegado bem pra vocês e são essas as considerações que eu queria fazer.
Conexão Lacaniana:: Podemos iniciar as perguntas.
Ana Cláudia Prosdocimo (PR): Como relacionar diagnóstico, tempo e transferência?
Christian Dunker: É uma boa pergunta, em vários momentos Lacan fala que o manejo da transferência é o manejo do tempo em análise, mas nem toda transferência, e ela mantém uma temporalidade constante e antecipável como a gente gostaria. Eu estou falando que a transferência ela engendra um certo modo relação ao tempo, um tempo como o outro, o tempo de fala na sessão, e que o analista ao manejar a transferência, vai manejar esse tipo de temporalidade. Mas caberia então, como você está falando Ana Cláudia, em a gente pensar uma diagnóstica sobre esta temporalidade. Lacan dá um bom indício disso no Seminário VI quando ele analisa Hamlet e fala por exemplo do obsessivo que antecipa cedo demais e a histérica que está sempre numa antecipação tardia, até tomando duas idéias que são basicamente freudianas, mas que para Lacan naquele momento interessava porque expressariam o outro nível de utilidade diagnóstica. Expressariam formas de fantasia, fantasia histérica e fantasia obsessiva, são distintas, e um traço clínico, um signo clínico desta distinção é que elas implicariam formas de temporalidade distintas. Portanto, a gente poder pensar tanto na extensão como no corte, como exemplos de intervenções que deveriam derivar desta diagnóstica, mas está por se fazer ainda. Obrigado, Claudia.
Pergunta (SP): A direção do tratamento a partir de um diagnóstico mais profundo ou não, não visaria sempre o gozo?
Christian Dunker: Não me parece, não me parece que esse seja o exclusivo ponto de orientação para o tratamento. No próprio Seminário XX, Lacan tentava organizar algumas categorias mais amplas da clínica, ele falava no amor, ele falava no desejo, ele falava na angústia e ele falava no gozo. Então na medida em que a gente escolhe um e diz: Bom, minha clínica tem que se orientar pela economia do gozo como se em todos os casos isso fosse decisivo para o desenvolvimento do tratamento, já me sugere assim uma homogeneização do raciocínio diagnóstico, por exemplo, uma das decisões que se tem que tomar no plano estratégico é justamente qual vai ser a orientação para aquele momento do tratamento? Há momentos de tratamento em que toda a discussão gira sobre as formas de montagem repetição, identificação, insistência, do amor, por que pensar que o amor não seria então aquilo que orienta o tratamento naquele momento? Há formas clínicas que são, por exemplo, organizadas em torno da angústia e que exigem uma escuta muito mais sobre a economia da angústia de como a angústia, sintoma e inibição se entrelaçam, se separam, do que propriamente sobre o gozo.
Bom, vamos ver aqui, a próxima será a Analina.
Pergunta (SP): Quais são os fundamentos básicos para um bom diagnóstico?
Christian Dunker: Então, é isso que nós estamos discutindo. Mas claro. Têm alguns. Um bom diagnóstico tem que ser um diagnóstico da transferência, tem que ser um diagnóstico diferencial e tem que ser um diagnóstico etiológico. No fundo, um bom diagnóstico a gente só faz no final do tratamento, porque é aí que a gente tem uma idéia da fantasia, e tem a idéia do modo de gozo fundamental daquele sujeito e é aí que a gente tem uma idéia do que foi a transferência, porque a transferência é uma coisa que, pelo menos na neurose ela se modifica, ela tem uma constância, tem uma história mas ela se modifica, se não se modificasse, não seria possível desfazê-la.
Bom, mas vamos ver a próxima.
Pergunta (CE): O senhor argumenta que a principal utilidade do diagnóstico seria ajudar a dirigir a cura. Intervenções e manejo da transferência atuariam de forma inversa: levando ao diagnóstico. Como sair desse círculo?
Christian Dunker: Então, ótima pergunta Juçara, você usa a imagem de um circulo, é preciso de um diagnóstico para calcular as intervenções, mas também é sobre o efeito de certas intervenções que a gente chega ao diagnóstico, isso é muito comum, isso que você chamou de círculo, é muito comum quando a gente tem uma séria dúvida diagnóstica entre neurose ou psicose. Mas a idéia é que no fundo a gente não vai sair desse círculo e o que a gente vai precisar fazer é transformar esse círculo numa espécie de espiral, o círculo a gente gira em eqüidistância ao centro, o espiral leva a gente para uma redução no perímetro do círculo, é isso que eu chamo de gradiente da transferência, ou de aprofundamento da transferência. Por exemplo, tem um autor chamado Sigfried Bernfeld que o Lacan cita acho que no Seminário VII, que propõe um tipo de interpretação muito interessante, que ele chama de interpretação diagnóstica, ou seja, interpretações são balões de ensaio, para Lacan no Seminário VII, são interpretações cujo o principal objetivo é esclarecer dúvidas diagnósticas, ou seja, forçar certos pontos da transferência, um exemplo de como se sai de um círculo para um espiral.
Pergunta (SP): Poderia dar um exemplo do que seria uma transferência obsessiva?
Christian Dunker: Por exemplo, uma paciente que regularmente, há dias, sistematicamente no início da sua fala numa sessão, em quase todas as sessões, como que a calcular o que é demanda do analista naquela sessão e na qual a questão da fala, se fala, se não fala, se torna um verdadeiro problema durante o tratamento, em que, vamos pegar a fórmula da suposição do saber, a relação entre S1 e S2 deve dar origem ou produzir um efeito de sujeito, que Lacan indica como posição do significado.
Bom, na transferência obsessiva, essa posição do significado aparece como um prolongamento do significado do sujeito no analista, ou seja, não é um significante exatamente qualquer, mas é um significante que tem que ser comum. Isso não acontece na histeria, isso acontece de maneira diferente na neurose obsessiva, um exemplo de como a gente poderia falar do que seria uma transferência obsessiva.
O Lacan tentou, deu alguns ingredientes para isso e que acho que já estão um pouco esgotados, que é imaginar que na neurose obsessiva, o analista está no lugar do mestre. Bom, mas se a gente pega o Seminário XVII, a histeria também está no lugar do mestre, então vai por água a baixo. Aqui me parece que na transferência obsessiva, ela faz um tipo de mestre diferente, ou seja, o mestre do gozo, ao contrário do mestre da histérica que é o mestre de desejo, um exemplo de como a transferência poderia ser distinta. Por que não falar no mestre fóbico como mestre capaz de angústia, capaz de induzir a angústia, no fundo o mestre fóbico é sempre uma figuração do perverso. Daí o Lacan ter estudado as duas coisas juntas, o falo no objeto fóbico e no fetiche perverso. Mas vamos lá, temos mais perguntas?
Pergunta (CE): Quando o senhor fala em gradiente da transferência, lembro dos picos sonoros de quem trabalha com o autismo. Gostei da metáfora: gradientes sonoros levam 'a espiral’? O círculo não sairia da repetição, poderia ser?
Christian Dunker: Por exemplo, essa é uma pergunta que leva para essa necessidade da gente aprofundar nessa semiologia da transferência, a semiologia no diagnóstico. Quando você fala em picos sonoros, a gente poderia falar do problema da prosódia, a gente poderia falar de tudo aquilo que na clínica se mostra de forma não diacrítica, ou seja, não polarizada em termos de presença ou ausência, sim ou não, 0 ou 1. Ou seja, aquilo que extrapola um pouco a estrutura da transferência, posto que ela é marcada e deduzida da estrutura do significante, seja nos discursos, na fala ou na linguagem. Por exemplo, uma grande questão para Freud e para a psicanálise não-lacaniana e pra qual a gente pouco dá importância que é questão da intensidade da transferência.
Lembram o que o Freud dizia, que uma boa transferência é aquela que não é nem muito agressiva, nem muito erótica, ou seja, é aquela que não é muito, aquela que não é muito intensa. Como é que essa dimensão da intensidade ela pode reaparecer no plano da transferência, no plano do diagnóstico da transferência no quadro por exemplo do matema da transferência ou no quadro da concepção lacaniana da transferência?
Difícil, a gente precisa trazer isto que você está colocando aí. Tem certas coisas da escuta diagnóstica que são de fato, diacrítica, 0 ou 1, sim ou não, mas têm outras que são como a pintura, a pintura é um contínuo, a cor você passa do preto para o branco, do azul para o violeta, por acréscimos infinitesimais de pigmentos.
Esses acréscimos infinitesimais que vamos levar a quantidade, ao problema da quantidade, exige uma semiologia da quantidade, de como é que então a gente escreve uma transferência num estado de intensificação, isso só acontece porque ela está imaginária, quer dizer, intensidade é sinônimo de imaginário? Não sei, porque é sentida a falta de intensidade, como por exemplo a gente vê na depressão como um equivalente da ausência de imaginário, bom, não funciona, não é assim. Então tua pergunta leva acho que a essa.. serve sim né, uma espiral diagnóstica, implica que a gente traga um refinamento dos signos que a gente toma em consideração.
Pergunta (SC): Professor, poderia indicar uma obra sobre a relação psicologia - semiologia? O senhor mencionou isso na palestra.
Christian Dunker: Ah sim, olha, teve uma época na psicanálise não-lacaniana onde esse ponto foi muito importante, tem um trabalho do Brinson sobre isso, tem o trabalho... como chama... Lintemberg, se não me engano, que tentou fazer uma tipologia de fala na psicanálise, Em São Paulo, tem a tradição da semiótica da PUC que fez alguns trabalhos interessantes sobre isso. Sobre a relação psicologia-semiologia... dois autores: Primeiro é Saussure, Curso de Lingüística Geral, onde ele dizia: olha isso aqui que estou fazendo, lingüistica, é só um capítulo que entendo sobre a semiologia, a teoria geral do signo. A segunda indicação seria do Roland Barthes, por exemplo, leia a Aventura Semiológica, um autor que é contemporâneo ao Lacan e que absorveu e sacou coisas bem interessantes que os próprios clínicos não viram com muita facilidade sobre o próprio estruturalismo. A aventura semiologia do Barthes é um tratado metodológico para a gente desenvolver melhor a semiologia em psicanálise.
Pergunta (CE): O senhor poderia resumir a sua primeira assertiva: o que significa o diagnóstico em psicanálise para você que segue uma orientação lacaniana?
Christian Dunker: Diagnóstico em psicanálise é uma espécie de conclusão provisória, operativa, que você deve ter sobre como funcionam os sintomas, como funciona o narcisismo, como funciona intersubjetivamente aquele paciente, como funciona a sua economia de gozo, como funciona a sua economia da angústia, como funciona sua economia amorosa, ou seja, a economia de suas identificações, ou seja, um complexo de campos que precisam chegar numa primeira conclusão, num primeiro entendimento, um entendimento que seja capaz de ser transformado pela experiência e seja capaz de passar do círculo a espiral.
Pergunta (PR): Penso que a temporalidade diagnóstica acaba dando pistas sobre a constituição do sujeito e sua relação com as estruturas clínicas, cada um na sua importância . O diagnóstico da estrutura não ajuda no tratamento, já disse em seu texto "sobre a constituição do sujeito e as estruturas clínicas". Não serve então pensar "a posição subjetiva" como indício de estrutura, conseqüentemente de diagnóstico? Por quê?
Christian Dunker: Ana Claudia, fico contente que você tenha lido esse trabalho que saiu no livro da Leda. O ponto principal naquele texto é o seguinte, que o que a gente tem lido e feito para aprofundar a diagnóstica psicanalítica é, principalmente uma extensão, um afinamento da teoria da constituição do sujeito. Então, seja da teoria da alienação-separação, seja a teoria do estádio do espelho, seja a própria teoria dos nós, pode ser lida assim, mas que nos coloca num tipo de relação, ou seja, estrutura clínica – teoria da constituição do sujeito, numa relação, e é ai que esta o problema mais interessante, que não deveria ser assim, vamos dizer biunívoca, ou seja, você não deduz o seu diagnóstico da teoria da constituição do sujeito aplicado a esse sujeito, você deduz seu diagnóstico da transferência que aquele sujeito faz. Então você passar por toda a teoria de constituição do sujeito e imaginar que a questão diagnóstica vai ser decidida lá, me parece que... não que isso não tenha que ser feito, mas imaginar que essa é a via principal para resolver os problemas de diagnósticos em psicanálise, me parece um equívoco.
Por que a posição subjetiva como um indício da estrutura? A posição subjetiva é um termo bastante vasto se você for checar ele teoricamente e de amplo uso prático. O que significa posição subjetiva? Às vezes significa posição, relação às identificações, às vezes diz respeito ao gozo, às vezes diz respeito ao sintoma, às vezes diz respeito à demanda, é justamente um significante, uma expressão flutuante que tem sido usado um pouco para suprir a nossa, vamos dizer, o pouco desenvolvimento de uma teorização sobre diagnóstica em psicanálise de forma a ajustá-la a esse critério da diagnóstica e sua utilidade, tem que ser útil. Mais perguntas?
Pergunta (SC): Ótimo, professor; é que sou historiadora e não psicanalista e preciso de um ponto de convergência para aproveitar bem sua mensagem na palestra e creio que a linguagem é um ponto excelente.
Christian Dunker: Obrigado.
Pergunta (CE): Aproveitando a pergunta da Ana Cláudia, gostaria de perguntar se a terceira proposição colocada sobre a noção de estrutura clínica- aqueles que partem de uma montagem definível do fantasma, não seria a que melhor compreenderia essas posições subjetivas frente ao objeto?
Christian Dunker: Sim ela é a melhor no sentido de estar mais próxima da dimensão etiológica. Só pra você ter uma clareza do que é uma montagem definível da fantasia para um paciente, em geral isso demora muito tempo, muito tempo, isso começa a ficar claro no meio da na análise, do meio para o fim, isso talvez seja até um horizonte para a pesquisa diagnóstica dentro do tratamento. De fato quando você tem uma razoável segurança sobre as diferentes posições que vão se alternando na gramática da fantasia de um sujeito, isso ajuda muito o manejo da transferência e as intervenções, geralmente nesse momento do tratamento, o analista está mais seguro pra fazer certas antecipações que dificilmente faria no começo. Mas de novo me parece que não devíamos colocar uma concorrência entre o paradigma do diagnóstico pelo fantasma versus o paradigma do diagnóstico pelo sintoma. Qual que a gente leva em conta em um caso? Qual que é o melhor? Às vezes só dá fazer um.
Não sei se, outro ponto, a diagnóstica psicanalítica pode se tornar um pouco inútil, atrapalhar o nosso raciocínio, na medida em que nos põe a esperar certos movimentos, certos signos, que talvez não venham naquele caso. Talvez a gente tenha que pensar uma diagnóstica que seja incompleta, diagnóstica não estrutural, diagnóstica aberta, pensando nos conjuntos que Lacan fala no Seminário XX, o falo é um conjunto fechado, o universo fálico tende ao fechamento e portanto, a inclusão ou exclusão, mas o não todo implica conjuntos não fechados ou conjuntos abertos, por que não teríamos uma diagnóstica compatível com isso também?
Por exemplo, outro problema que convida a uma reflexão de fundamentos sobre o diagnóstico, como se integra a diagnóstica de sexuação, o fato de que aquele paciente fenomenologicamente é um homem, mas discursivamente uma mulher, a posição de gozo é feminina, o que é que isso tem a ver com a fantasia dele, o que tem a ver com o sintoma, o que tem a ver com a transferência que ele faz?
Pergunta (PR): O diagnóstico a partir da transferência justifica a supervisão ou análise de controle, para sabermos como estamos entendo o caso?
Christian Dunker: Não estou pegando o valor desta jusifica...De fato muitas supervisões encontram o diagnóstico como uma espécie de pretexto, bom precisamos saber ou estou na dúvida entre esse e esse quadro clínico, mas eu não penso que seja isso que justifica a supervisão, porque às vezes, um sujeito traz um caso para a supervisão, onde o problema é que o diagnóstico está muito bem armado, está tão armado que tem que fazer esse aprofundamento. Outro problema é que às vezes a questão não é de diagnóstica, mas de como intervir a partir daquilo que a gente sabe, da terapêutica, ou as vezes é um problema semiológico, isso que aconteceu que apareceu, que tem uma voz que fala com ele todos os dias as 3h30 da madrugada, isso é uma alucinação ou do que se trata... Bom, nem sempre isso é o que justifica uma supervisão.
Pergunta (CE): Diagnóstico como um conjunto aberto, tornaria mais complexa também a relação transferencial, não é mesmo? Interessante questão Dr. Christian!
Christian Dunker: Sim, ou seja, diagnóstico da transferência supõe que ela possa ser dissolvida, que ela possa ser atravessada, o que no fundo a gente poderia curar em uma neurose obsessiva, numa fobia ou quiçá numa psicose é aquilo que entra na transferência A transferência é considerada como um conjunto aberto, não necessariamente se reduz aquele conjunto de possíveis que armaram aquele encontro. Por exemplo, uma questão que acho muito interessante, uma análise, ela resolve uma transferência, esta transferência, se eu fizer outra análise talvez seja outra transferência, será outra solução. Um exemplo de como um diagnóstico pode ser bastante aberto.
Pergunta (SP): Discutimos muito no fórum, o por que Lacan não falou muitos de seus casos clínicos assim como Freud.....
Christian Dunker: É uma pergunta essa né? Por que ele não falou de sua clínica? Acho que um motivo pouco lembrado é que Lacan tinha muitos pacientes que acompanhavam seus seminários, que o viam, que tinham um contato semanal com o sujeito e acho que isso prejudicou a possibilidade de ele falar de seus próprios casos de forma descritiva. Por outro lado ele faz recurso na literatura, Joyce, Marguerite Duras, Goethe, no mito individual do neurótico, pra mostrar que, no fundo, o que nos interessa é uma certa armação universalizante de uma experiência que particulariza naquele encontro. Bom a sua pergunta..., e estou pensando assim... ela explica de certa forma porque é que nos não trabalhamos o quanto poderíamos, a questão do diagnóstico, pois quando você pega um texto antigo, Hamlet, o texto não faz transferência, então não há porque se colocar essa, e não há como discutir essa quando se está analisando um texto. Foi a questão que o Derrida colocou contra o Lacan ao criticar a análise que o Lacan faz da “Carta roubada”, conto do Edgar Alan Poe, que brilhantemente é analisado pelo Lacan, em termos das posições, os lugares que se intercambiam numa cena, mas que exclui de consideração um ponto fundamental, que o Edgar Allan Poe introduz na história, na literatura, com aquele gênero particular como no caso um romance policial, que é o problema do narrador, o lugar em que o narrador se coloca para contar aquela história, Lacan não leva em consideração, bom, talvez por aí tivesse alguma coisa sobre o diagnóstico da transferência do autor ao texto.
Pergunta (SP): Dr. Christian gostaria que falasse um pouco como seria um diagnóstico de transferência no caso de uma perversão.
Christian Dunker: A perversão, me parece um outro exemplo de como uma diagnóstica psicanalítica está um queijo suíço, porque o único quadro clínico extensivamente, entre aspas, recebido e tratado pelos psicanalistas e que dava alguma consistência para a idéia de perversão era a homossexualidade. Infelizmente, vocês podem ler o trabalho da Graciela Barbero sobre isso, pega o Lacan, pega os lacanianos e diz: o que vocês entendem por perversão, qual é a narrativa de referência para a perversão? Não estou falando da estrutura da perversão e nem da fantasia perversa, que é o que o Lacan analisa em Kant com Sade, mas qual é a narrativa matriz para a perversão.
Vamos dizer – Sade - Lacan foi muito claro ao dizer que Sade, que ele estava analisando a fantasia de Sade e não o personagem, ele recorre muito pouco a biografia do próprio Sade, ou seja, tem um problema na perversão que é o seguinte a gente tende a diagnosticá-la a partir de um tipo específico de gozo, recorrendo ao argumento antigo freudiano, um tipo de gozo que sai da reta, então a gente chama isso de perversão, isso é furado, a perversão não deveria se defini por um tipo de gozo mas um tipo, uma forma de laço com o outro. Que ponto nós conseguimos produzir uma diagnóstica consistente, vale dizer, consensual, sobre o que é uma perversão fora do paradigma da homossexualidade, enfim, reflete somente um equívoco histórico da psicanálise, pensar assim né?
Isso deve ser feito antes de a gente pensar, bom o que é uma toxicomania, também me parece extremamente furado essa aproximação. A coisa que eu acho mais interessante sobre isso são as idéias do Zizek, que pensa a perversão a partir do laço social, laço social totalitário, principalmente laço social burocrático, é o que tem de mais promissor, voltando a tua pergunta, onde é que a gente encontraria uma transferência perversa, é aquele sujeito que vem a uma análise e faz uma transferência burocrática, do tipo: estou aqui porque mamãe mandou, porque a escola mandou e porque estou fazendo psicologia e preciso fazer análise..., muitos casos começam por aí mas tem transferências que ficam nisso, ou seja, que o sujeito se põe em uma posição instrumental em relação a um determinado saber que ele pratica, exerce e tenta fazer gozar com o analista, isso é uma transferência perversa.
Pergunta (SP): Você fala na necessidade de desenvolver uma semiologia própria à psicanálise, mas como seria essa semiologia já que o diagnóstico estrutural não pode se basear estritamente nos sintomas, como é feito em psiquiatria?
Christian Dunker: Semiologia psicanalítica já existe, é o que Freud faz em a “A interpretação dos sonhos”, sonho funciona assim.. tais signos a gente lê assim.., tais relações lógicas se traduzem pela relação de imagem, é o que Freud faz em “Chiste e sua relação com o inconsciente”, tem tipos diferentes de chistes chiste de palavra, chiste de conhecimento, deforma palavra, não deforma a palavra, é o que Freud faz em “Cinco Psicopatologia da vida cotidiana” é o que ele faz no texto “Bate-se em uma criança”, semiologia psicanalítica é só uma maneira de agrupar coisas que a psicanálise já vinha fazendo, que Lacan dá um grande impulso ao perceber que de fato nós estávamos diante de uma semiologia, só que não de uma semiologia médica, semiologia da psicanálise, semiologia psicanalítica.
Pergunta (PR): Ok, doutor. Pensei a supervisão como podendo ser a possibilidade de pensar a dois as percepções do que acontece num caso. Antes eu tinha uma idéia de que entender a estrutura já era um referencial. Mas parece que o que é soberano na clínica é a transferência.
Christian Dunker: É... pegou bem o que estou tentando martelar, a estrutura é secundária em relação a transferência, a estrutura é um método para se pensar mais clara e distintamente a transferência, transferência é uma experiência , comporta aquilo que é estruturalizável, mas comporta aquilo que é atividade, comporta aquilo que esta fora da estrutura, enfim, é muito mais extenso do que a própria estrutura.
Essa idéia de pensar a dois, de fato, acho que a supervisão, uma coisa que me passa e acho importante ressaltar sobre ela, com relação à transferência e ao diagnóstico, primeiro lugar é possível pensar numa diagnóstica da supervisão que acontece entre aqueles dois que estão tentando juntos pensar alguma coisa sobre aquele caso. É muito importante que a gente não imagine que pra fazer uma boa supervisão, só pra dar outro exemplo, a gente tem que estar diante de quem sabe mais do que a gente, alguém que é um grande mestre, alguém que vai nos certificar de um diagnóstico, por exemplo.
Uma supervisão, eu pus esse título na nossa conversa por causa disso, ela tem que ser sobre tudo útil, ela tem que ajudar aquele que está às voltas com aquele caso a ir em frente. Tem uma passagem do Lacan que eu acho muito engraçada e muito mais útil do que tantos outros dogmas sobre o assunto, ele dizia assim: supervisão tem duas partes, na primeira a gente aceita, acolhe, estimula o supervisionando, nunca inquiete o que ele esteja fazendo porque vai estar sempre errado mesmo, a segunda parte é quando a gente para e pensa sobre os erros, os equívocos, etc e às vezes chega a alguma idéia a respeito do caso. Essa maneira mais proverbial, menos pesada, menos subserviente de pensar a situação a dois de supervisão que o Lacan praticava, ligava para o supervisionado dizendo - venha hoje que eu quero fazer uma supervisão com você, estou querendo discutir o caso, vamos tomar um café juntos – bom, isso se perdeu um pouco junto com o declínio da própria prática de supervisão que talvez devesse ser mais popular do que de fato é.
Pergunta (PR): muito obrigada, esclarecedor.
Conexão Lacaniana:: Christian, poderíamos ir terminando...
Christian Dunker: Agradeço as perguntas de vocês, foi bem legal, pelas questões que vocês me colocaram acho que pude ser entendido, me senti entendido, de fato tem algumas colocações que gostaria que vocês tomassem como preocupações minhas, não como um consenso, nem como algo estabelecido, quer para estudos lacanianos, quer para clínica, mas uma provocação e um horizonte de questões do que, por exemplo, essa idéia da soberania da transferência, aliás, que o primeiro a mencionar isso foi o Contardo Calligares numa conferência que ele deu na Bahia há mais de vinte anos, então não são idéias absolutamente novas e que gostaria de deixar aí com vocês pra discussão que estão tendo na Conexão Lacaniana.
Queria mandar um abraço para o Márcio Peter, que está fazendo um excelente trabalho aqui com a Conexão Lacaniana, para todos que tiveram envolvidos aí nessa operação. Para o Suporte Técnico da Conexão Lacaniana, que foi essencial para que essa conferência realmente acontecesse. Obrigado então.
Conexão Lacaniana: Gostaríamos de agradecer mais uma vez em nome do Dr. Márcio e de toda Conexão, incluindo nossos alunos, sua presença aqui conosco, sempre muito bem-vinda.
Núcleo Márcio Peter de Ensino - Conexão Lacaniana
Curso OnLine "O essencial para entender Lacan"
Conferência 27/04/08 | Moderação: Carla Audi | Assistência: Maria de Fátima Galindo