NÚCLEO MÁRCIO PETER DE ENSINO - CONEXÃO LACANIANA
CURSO ONLINE 2009/1 - "DEUS É A MULHER - A FEMINILIDADE EM LACAN"
Vídeo-Conferência com JAIRO GERBASE
A HIPÓTESE DE LACAN SOBRE A MULHER
Jairo Gerbase é médico-psiquiatra, psicanalista, Analista Membro da Escola (AME) da Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano, Membro da Associação Científica do Campo Psicanalítico, autor de inúmeros artigos em jornais, revistas e livros. Recentemente organizou o livro "Os paradigmas da psicanálise" (ed. Campo Psicanalítico, 2008), lançou "Comédias Familiares: Rei Édipo, Príncipe Hamlet e Irmãos Karamázovi" (Cia. dos Livros, 2007), entre outros. Juntamente com Márcio Peter, Jairo Gerbase pertence à safra de ouro do lacanismo, percursos que se entrelaçam e reencontram na transmissão, pesquisa e clínica psicanalítica.
Conexão Lacaniana: Boa Noite dr. Jairo. Acredito que agora podemos dar início à apresentação e depois passar a palavra ao senhor. É um prazer enorme, e é em nome do dr. Márcio Peter de Souza Leite e da equipe da Conexão Lacaniana que nós lhe damos as boasvindas e agradecemos por ter aceito nosso convite para participar desta vídeo-conferência.
O dr. Jairo Gerbase é médico-psiquiatra, psicanalista, AME da Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano, membro da Associação Científica do Campo Psicanalítico, autor de inúmeras obras e tem sido um prazer poder contar com ele, já é a segunda vez que ele participa de vídeoconferência aqui no nosso curso do Núcleo Márcio Peter de Ensino. Hoje o dr. Jairo vai falar sobre A hipótese de Lacan sobre A mulher. Obrigada mais um vez e eu passo a palavra ao dr. Jairo Gerbase.
Dr. Jairo Gerbase: Obrigado à Ana Maria da Conexão Lacaniana, em especial a Márcio Peter. É um prazer estar de novo aqui mais um ano, trabalhando com vocês nesta conferência, com este recurso moderníssimo. Para dar conta deste assunto, preparei uns slides que vou apresentar aqui no quadro branco e talvez assim os ouvintes possam seguir melhor o que vou desenvolver nesses primeiros quarenta e cinco minutos em duas etapas - A hipótese de Lacan:
Inicialmente “A hipótese de Lacan” e depois “A hipótese de Lacan sobre A mulher” que é especificamente o tema. No seminário 20 que é o seminário que eu creio que inspira o tema deste módulo “Deus é A Mulher – A feminilidade em Lacan”, na página 194 desta edição que temos do Jorge Zahar, é o único lugar onde Lacan fala de sua hipótese, está aí escrito: “Minha hipótese é a de que o indivíduo que é afetado pelo inconsciente é o mesmo que constitui o que chamo de sujeito de um significante”; isso faz uma relação de equivalência entre indivíduo e sujeito, e mais adiante, como ele diz que a noção de indivíduo tomada emprestado de Aristóteles, significa corpo, não organismo, mas corpo, isto faz uma relação de equivalência também entre corpo e sujeito.
Sabemos que tem nesta conferência treze membros, pelo que vejo aqui. Então Lacan diz que toma emprestado de Aristóteles a idéia de que indivíduo é corpo. Se estamos numa sala, se tem treze membros, sabemos que tem treze indivíduos porque são treze corpos. E daí porque traduzir a hipótese dele como se vai ver adiante o corpo afetado pelo inconsciente é o mesmo que constitui o sujeito de um significante. É importante essa relação de equivalência entre indivíduo e sujeito, indivíduo é corpo e, portanto corpo é sujeito. Vamos adiante.
Eu pretendo com esta hipótese propor este esclarecimento que está aí nesse slide.
A formação do sintoma, o sintoma mental, o sintoma que dividimos com estas duas outras disciplinas: a psicologia e a psiquiatria, admite três explicações: a da psicologia que diz que a condição da formação do sintoma é o ambiente (a família, papai, mamãe, o irmão, a sociedade, o capitalismo), é uma discussão que aparece em Televisão e que está em todo senso comum, todo mundo explica a formação do sintoma com base no ambiente, sobretudo na família.
A outra da biologia, a da psiquiatria biológica que achou o seu caminho, que está no caminho correto que é a hipótese genética, a hipótese da hereditariedade e especialmente a da neurotransmissão, hipótese que também entrou para o senso comum, que diz que o sintoma mental é produzido por disfunção de serotonina, dopamina, noradrenalina – e a hipótese da psicanálise que não é a do ambiente, da psicologia, nem é a da genética da neurotransmissão, que diz que a condição da formação do sintoma é o Real.
Eu queria, antes de entrar na Hipótese de Lacan sobre A mulher, falar um pouco disso, da hipótese de Lacan. Primeiro esta coisa forte que ele diz que não há nenhuma participação da realidade da formação do sintoma, que o desencadeamento do sintoma é o encontro do Real. E que nos exigirá talvez no debate distinguir realidade e real. Diz na verdade que para que um sintoma seja desencadeado o sujeito encontrou algo impossível de ser dito, algo inefável, e que vai ser necessário tagarelar, o que Freud chama de associação livre, para poder dizê-lo, para poder tocar o real.
Então, a hipótese de Lacan, que aí eu já traduzo: “o corpo afetado pelo inconsciente é o próprio sujeito de um significante” se sustenta na idéia de que o inconsciente seja o Real e coloca corpo e sujeito numa relação, numa posição de equivalência, se não de homologia, o que tem a vantagem de deixar de lado a divisão corpo e mente. É nosso osso essa discussão, esse dualismo cartesiano que sempre nos intriga, e com sua hipótese ele vai resolver isto desta maneira.
O corpo é afetado pelo inconsciente no sentido em que um significante tem ressonância nele, num sentido em que um dizer faz eco nesse corpo e isso só é possível acontecer num corpo sensível ao significante. Se falo ao corpo do cão, ao corpo do gato, ao corpo mesmo desses animais domésticos, não há resposta porque não são corpos sensíveis ao significante, mas se falo ao corpo de vocês que estão me ouvindo nesta conferência, se por acaso eu pergunto quanto tempo eu tenho e algum de vocês me responde, significa que o corpo de vocês é sensível à palavra.
Eu poderia, e Lacan faz esta experiência no último capítulo do seminário 20, O Rato no Labirinto, perguntar ao rato que horas são -quanto tempo eu tenho? Ele não vai responder e significa que ele não é um corpo sensível ao significante. Essa ressonância, esse eco no corpo que é sensível a palavra é o que chamamos de pulsão. Foi assim que Lacan definiu a pulsão, na primeira aula do seminário 23, O sinthoma, “a pulsão é o eco no corpo pelo fato que há o dizer e para que esse dizer faça ressonância, faça consonância, é preciso que o corpo lhe seja sensível. E é aí que ele coloca essa oposição entre objeto voz e objeto imagem, objeto olhar, o objeto voz ganha prevalência entre os objetos pulsionais e por isso, embora o objeto olhar continue a fazer uma concorrência eminente ao objeto voz, são dois meios, recursos que temos para abordar a realidade, mas o objeto voz vai ganhar esta prevalência.
E para afetar um corpo, o inconsciente necessita de um instrumento que é o significante extraído da alíngua, que é o modo como lidamos com os significantes antes mesmo de ter acesso ao seu sentido, que acontece com o ser falante, o ser humano pequenino. A criança recebe uma série de significantes dos adultos e pouco a pouco aprende a responder a estes significantes como se fosse um ser não falante, um animal, um cão, um macaco, ou a quem se dá ordem, faça isso, faça aquilo, vá buscar o chinelo do papai, mas ela não pode ainda ter acesso ao significante e dizer não, não vou. E porque esse significante, e é aí que Lacan localiza esse termo que ele forjou, inventou, alíngua, escrito como uma palavra só, e porque ela é transmitida simultaneamente com a língua chamada materna, com a aprendizagem da linguagem, dá lugar à aparência de que a família (papai, e especialmente mamãe) tem um papel na formação do sintoma.
Lacan gostaria, eu acho, de contrariar isso. Há, portanto a língua, que no nosso caso é a língua portuguesa, que serve para comunicação, e a alíngua escrita com uma palavra só, e que é, enfim, fonte de mal-entendidos. Digamos que a língua escrita separada, o artigo do substantivo serve à comunicação, o que Lacan duvida, mas de todo modo serve a comunicação. Digamos que alíngua escrita com uma palavra só, alíngua do inconsciente serve ao mal-entendido. E é na conferência de Genebra sobre o sintoma, em 1975, que Lacan vai dizer que a formação do sintoma depende destes mal-entendidos, que vão se depositando como um aluvião e que forma o sintoma. Quer dizer que a alíngua é constituída das interpretações equivocadas do sentido das palavras e é com ela que se constroem o sonho, o lapso, a piada, inclusive a poesia e o sintoma. E com a equivocação do significante que se constroem as formações do inconsciente.
E dito isso, queria passar à segunda parte que é “A hipótese de Lacan sobre A mulher” que eu chamo de P2, Paradigma 2, no meu livro “Os paradigmas da psicanálise” que é a hipótese que diz que a relação sexual é impossível e que escrevi desta maneira para rimar com o RSI, o IRS – impossibilidade da Relação Sexual, - que é gozo do Outro, J de Jouissance, A de Outro barrado, J, e que está indicada na vizinhança, dizemos que não é correto chamar de intersecção essa vizinhança entre o Real e o Imaginário como vou mostrar na figura seguinte.
Acho que podemos a partir daqui desenvolver o paradigma da impossibilidade da relação sexual, que trata o complexo de Édipo, que é essa idéia de Freud sobre a influência do ambiente na formação do sintoma de que falava, em termos lógicos. Esse paradigma está representado no nó borromeano, no gozo do Outro barrado que vou mostrar agora.
A hipótese de Lacan sobre A mulher se localiza aqui nesta vizinhança entre o Real e o Imaginário, aqui no gozo do Outro, J.
Nem o sentido, nem o objeto a, nem o gozo fálico é sua hipótese sobre A mulher, mas o gozo do Outro, o gozo do corpo que o simboliza e que está desenvolvida aí no Seminário 20 e que eu escrevi sobre isso, e se a gente quiser detalhar eu posso mostrar depois um texto que publiquei na Stylus 14, uma revista do Campo Lacaniano, mas que tem ele aqui selecionado no Word e posso enviar para vocês.
Então vou adiante, para falar da Hipótese de Lacan sobre A mulher, eu entendo, eu quero crer, que eu tenho que falar desta vizinhança, entre o Real e o Imaginário, onde se escreve o gozo do Outro barrado, J.
Então a lógica que essa hipótese de Lacan sobre A mulher introduz é que é impossível escrever um dos gozos, só é possível escrever um gozo, vamos voltar à fórmula, ao desenho.
É possível escrever esse gozo, um gozo que agora eu vou marcar gozo fálico, JΦ, mas é impossível escrever este Outro gozo, o gozo do Outro, chamado de “A mulher”. E eu posso escrever essa fórmula assim: [(JΦ) // (J)] para dizer que é impossível haver relação entre o gozo fálico e o gozo do Outro. Essa barra (//) indicando esta impossibilidade.
Então, se sigo é pra dizer que esta fórmula enuncia que é possível escrever o gozo fálico, porque temos esse significante que é legível, que é contável, e ele deve fazer relação biunívoca com outro significante, o significante do Outro gozo que não se pode escrever. Essa notação [J] gozo do Outro barrado, quer indicar o que chamei de Impossibilidade da Relação Sexual [IRS] e, na medida em que não dispomos de um modo de escrever esse Outro gozo, recorremos a notação de Cantor, do conjunto vazio, Ø, para escrevê-lo. Então o que está em questão? A impossibilidade da relação biunívoca, a relação de um gozo, o gozo fálico impropriamente chamado de gozo masculino, com outro gozo, o gozo não todo fálico impropriamente chamado de gozo feminino.
Mas, essa relação vocês conhecem, vou tratar disso, essa fórmula também pode ser escrita assim: [(Φ) //(Ø)]
Um símbolo fálico, mas é Φ e aqui o símbolo de Cantor, Ø. O que ele anuncia? Que não há relação biunívoca entre o significante do gozo fálico e o significante do Outro gozo ou do gozo do Outro impropriamente chamado de homem e mulher. Não há relação biunívoca entre um homem e uma mulher, essa é a hipótese de Lacan sobre A mulher.
Então, indo adiante, essa hipótese de Lacan sobre A mulher permite colocar esse outro enunciado: Não há relação sexual. Que eu abrevio nestas letras, NRS, como agora tudo o que se faz em ciência se põe siglas, NRS. Ou melhor, Não há Proporção Sexual, NPS, que traduz esse enunciado de Lacan: Il n’y a pas de rapport sexuel, que é traduzido por: não há proporção sexual, para indicar que estamos nos referindo a uma propriedade matemática, a uma propriedade dos conjuntos, a uma relação biunívoca, mas que eu prefiro: não há relação sexual, porque gera o equívoco, provoca o equívoco, todo mundo se pergunta, “ah! mas como não há relação sexual?” supondo que é a relação de corpos que está em questão, enquanto para Lacan não é questão de corpos, é questão de significantes. É questão, portanto, do dizer, é possível dizer um gozo, não é possível dizer um Outro gozo, não é apropriado falar masculino e feminino, mas é porque Freud começou assim.
O enunciado do segundo paradigma, o paradigma Não há relação sexual ou da Impossibilidade da Relação Sexual é correlato do enunciado A mulher não existe. O sujeito do inconsciente não tem como escrever nesse lugar, no lugar no Outro, no inconsciente, a outra significação, o Outro gozo.
Então eu dizia que é uma impossibilidade de escrever, uma impossibilidade de dizer, é algo que se coloca no nível do saber, e não há proporção sexual é mais correto, mas não há relação sexual é mais interessante, pois é assim que funciona a interpretação, é assim que funciona o chiste, jogando com o equívoco. Não há relação sexual é uma frase que poderíamos tomar como exemplo da alíngua, porque alíngua não é só um fonema, pode ser uma palavra, uma frase, um pensamento.
Essa hipótese de Lacan sobre A mulher é uma hipótese que trata do, ele mesmo diz, no seminário 20 página 108, “quero dar continuidade a esse “Was will das Weib?” - “ o que quer a mulher?” de Freud”, que aliás, não sei porque se traduziu para – “o que quer uma mulher”, esse artigo das, esse artigo definido, eu fui comparar com o original, Lacan diz “o que quer a mulher?”, e ele é uma tradução do que Freud colocou: só há libido masculina. Quer dizer que um campo se acha assim ignorado, estou citando Lacan, o problema da hipótese de Lacan sobre A mulher é esse, um campo de gozo ou de significação, porque significação é gozo, porque gozo é significação, no sentido que esta palavra tem em Frege, Bedeutung, no sentido que esta palavra tem em Freud, Bedeutung a significação é gozo, então, quando ele diz que só há libido masculina apenas quer dizer que um campo se acha ignorado, não podemos dizê-lo, não podemos escrevê-lo, é uma questão colocada no nível do saber.
E Lacan escreveu à sua maneira:
....Não todo X phi de X. Este campo que está ignorado é o campo não-todo, e é por isso que no seminário XX na página 98, ele dizia “A mulher é não toda”. Aí eu estou examinando exatamente o capítulo em que se inspira o título do curso, do módulo “Deus é A Mulher, a feminilidade em Lacan”, o capítulo “Deus e o gozo da mulher”, onde ele diz: “Bom, eu vou falar agora do que não se escreve. Falei do que se escreve, falei muitas vezes do gozo fálico, agora vou falar do outro gozo que não se escreve”. E escrevendo essa fórmula quântica nem todo X phi de X, defino a mulher como não toda. E assim coloco a questão da hipótese de Lacan sobre A mulher.
Esse enunciado “não-toda”, o enunciado da hipótese lacaniana sobre a mulher, “A mulher não existe”, “A relação sexual é impossível”, o reencontramos na fórmula da sexuação.
Do lado direito da fórmula que estamos habituados a chamar de mulher, cujo enunciado é: “nem todo sujeito está submetido à função fálica, não existe nenhum sujeito que não esteja inscrito”, aí aparece os termos, eu vou mostrar o gráfico, em seguida:
O significante de uma falta no Outro S(), mulher, e o objeto a minúsculo , todos eles servem para retomar ou dizer de outra maneira esta hipótese lacaniana sobre a mulher, na fórmula da sexuação.
Todos estes três termos se prestam para falar disto que não se escreve, deste problema que temos no inconsciente com o dizer, a impossibilidade de dizer, de escrever um tipo de significação.
Do lado esquerdo, que estamos habituados a chamar de lado pai, isso se inscreve no inconsciente, isso que Freud chamou de libido masculina, essa significação, o gozo fálico se escreve.
Mas esses outros termos da direita não se escrevem, é é por isso que Lacan vai definir com esse não-todo X phi de X, sua hipótese sobre a feminilidade, sua hipótese sobre a mulher, que ele define como não-toda.
E aí aparece ainda um probleminha clínico que se pode extrair disso tudo: podemos enunciar um diagnóstico diferencial de neurose e psicose a partir desse paradigma, dessa hipótese sobre a mulher.
Podemos enunciar o diagnóstico diferencial entre neurose e psicose, a partir do “Não há relação sexual”, ou a partir do “A mulher não existe”, de todos esses enunciados que caracterizam a hipótese lacaniana sobre A mulher, a hipótese lacaniana sobre o gozo do Outro barrado.
[Σn(Φ) // (Ø)]
Dizendo isso, o sintoma neurótico pode escrever o gozo fálico, Σ, existem outros instrumentos para escrever, aqui eu fiz uso da letra grega “sigma”, sintoma, escrevo o sintoma neurótico, Σn, escreve o gozo fálico, (Φ), e não escreve o gozo do Outro, (Ø).
Do outro lado queria escrever o sintoma psicótico, Σp, dizendo que ele não escreve o gozo fálico (Φ0), e também // não escreve o outro gozo (Ø); aqui é o símbolo de Cantor, conjunto vazio, (Ø).
[Σp(Φ0) // (Ø)]
Então o sintoma neurótico pode escrever o gozo fálico, mas não pode escrever o gozo do Outro, enquanto que o sintoma psicótico não pode inscrever nem um nem outro.
Essa distinção me interessa porque ao falar da hipótese sobre o Outro gozo, o gozo Não-Toda, Lacan não inclui a psicose. Descreve vários personagens, homens e mulheres, São João da Cruz, esta que está na capa, a Santa Tereza D’Ávila, comenta o “Diário de um sedutor” de Kierkegaard, destaca o gozo vaginal, mas não fala de psicose.
Então o sintoma neurótico pode escrever o gozo fálico, mas não pode escrever o gozo do Outro, enquanto que o sintoma psicótico não pode inscrever nem um nem outro.
Essa distinção me interessa porque ao falar da hipótese sobre o Outro gozo, o gozo Não-Toda, Lacan não inclui a psicose. Descreve vários personagens, homens e mulheres, São João da Cruz, esta que está na capa, a Santa Tereza D’Ávila, comenta o “Diário de um sedutor” de Kierkegaard, destaca o gozo vaginal, mas não fala de psicose.
Às vezes fazemos esta confusão, achando que o gozo que não se inscreve, o gozo do Outro, se aplica à psicose. Então, pareceu interessante fazer essa diferenciação, para concluir, dizendo que, no sintoma psicótico, temos um primeiro problema: que é a zerificação do gozo fálico. Permanecendo o problema comum a todo ser falante, que é a impossibilidade de escrever o outro gozo; isto vale para todos: neuróticos e psicóticos.
De tal maneira que quando queremos distinguir psicose e neurose, não referimos o gozo do Outro, que é impossível de escrever para todo ser falante, mas o gozo fálico, a significação fálica zero, nome-do-pai zero, ou seja, a distinção entre neurose e psicose, se coloca do lado do gozo fálico, da significação fálica, nada tendo a ver com o gozo do Outro, que vale para todo ser falante.
Então, com isso eu quero dizer que toda prática analítica, toda compreensão da formação e da dissolução do sintoma, poderiam ser explicado a partir deste paradigma dois, como eu chamo, o paradigma do “não há relação sexual”.
Com isso eu quero dizer que não é necessário usar o gozo fálico nessas dimensões, como por exemplo, o nome-do-pai, fórmula da castração ideal, fórmula da metáfora paterna.
Isso dá uma boa discussão, se vocês quiserem, porque estamos habituados a explicar a prática analítica, a formação do sintoma, a dissolução do sintoma que é o ato analítico, a partir do gozo fálico, a partir da metáfora paterna, a partir do nome-do-pai, e no meu trabalhinho, especificamente dedicado à hipótese de Lacan sobre a mulher, digo que se explica melhor toda a prática analítica, a formação do sintoma e a sua dissolução, a partir dessa impossibilidade de escrever o gozo do Outro. Então isso talvez na discussão a gente possa detalhar, mas é uma tese que está em Freud.
Então finalmente eu vou ao nó, chamei intersecção, mas atualmente seria melhor não chamar de intersecção RI, mas vizinhança, essa intersecção do real e do imaginário.
Eu vou voltar ao slide anterior, ao RI, Real e Imaginário, o paradigma 2 aparece aí, no gozo do Outro barrado
.
Então eu disse isso, toda prática psicanalítica pôde ser explicada a partir do paradigma 1, muito utilizado pelos pós-freudianos, o paradigma do complexo de Édipo, o paradigma do gozo fálico, mas ela é restrita. Ela não vai adiante, trabalhada no nível do gozo fálico.
O avanço de Lacan está em propor este outro paradigma, o da impossibilidade da relação sexual, que em vários momentos do seu ensino a gente pode demonstrar.
Toda prática analítica pode se explicar a partir do gozo fálico JΦ; essa é a prática habitual, mas ela é restrita, ela não toca o impossível de dizer, o impossível de escrever, mas é necessário tocar, é aí que reside o sentido real do sintoma, e se pode ver isso curiosamente desde Freud, num texto de 1908, “Fantasias histéricas e sua relação com a sexualidade”; terminando este texto, último parágrafo, vocês vão ver, se tiverem a curiosidade de ir lá Freud dizer: “Bom, a gente dá conta da significação fálica do sintoma e o sintoma não se dissolve porque há uma outra corrente, essa aqui, de um Outro gozo, que não se pôde tocar, difícil de se tocar; Lacan quer orientar a sua prática para esse Outro gozo que a prática analítica, o ato analítico, tem que dar conta, porque este gozo aqui, JΦ, é metafórico, se toca na análise, mas não tem toda a consequência que se pode esperar dela, de uma análise.
Por fim, eu resumo, dizendo o problema do ser falante é a impossibilidade de inscrever o gozo do Outro; o problema do ser falante do psicótico é a impossibilidade de inscrever o gozo fálico. Esse discernimento me parece fundamental. Eu planejei usar 45 minutos para resumir tudo isso e agora fico à disposição de vocês para um debate.
É, eu gostaria de debater agora o que eu disse. Se todos acompanharam. Ah, que bom!
Eles vão escrever aqui, eu vou ler aqui, né.
SP: Dr. Márcio pergunta se ele não diferencia gozo do Outro de Outro gozo.
Jairo Gerbase: É, eu vejo, Márcio, muita gente fazer esta diferença, mas eu não encontro em Lacan, razão para fazer esta diferença: o gozo do Outro no seminário, é isto que eu desenvolvi, eu gostaria de sugerir a leitura do Amor, Desejo e Gozo, que é um texto que fiz, onde debati um pouco isso, o gozo do Outro, do corpo do Outro que o simboliza não é signo do amor.
Então, só há essa inscrição J, o gozo do Outro barrado. Outro gozo é esse gozo, não vejo, quando mostro a imagem, tenho as inscrições do gozo fálico, do mais de gozar do gozo do sentido, jouis-sens, podemos escrever sens também como um gozo, fiz isso em meu livro, e a inscrição do gozo do Outro. O mesmo aparece no quadro da sexuação, então, eu não faço diferença, não sei se seria conveniente fazer a diferença entre o gozo do Outro e o Outro gozo.
O Outro gozo é o gozo do Outro no meu entender.
Mas vários colegas fazem esta observação, fazem esta distinção que eu não alcanço.
(CE): O senhor afirma que não nos referimos ao Gozo do Outro para distinguir psicose e neurose, então pergunto em sequência, em que se baseia Lacan, ao afirmar em Televisão que as mulheres são loucas?
Jairo Gerbase: Respondo esta pergunta de Juçara. Por que Lacan em Televisão diz que as mulheres são loucas?
É, por isso, há pouco eu explicava, daí porque eu fui na minha exposição muito breve, fazer a distinção entre neurose e psicose. Lacan diz que todos estão inscritos, todos os seres falantes tem essa impossibilidade de inscrever o gozo do Outro, o Outro gozo.
Isso ele chamou de o gozo d´ mulher. E fez essa, eu acredito que seja brincadeira, elas são loucas nesse sentido, em que elas, enfim, são nomeadas como os seres falantes que não podem escrever o Outro gozo.
Mas, o que ele não disse: “os homens são loucos”. O que quis inscrever aí, o que quis colocar aí a possibilidade do gozo fálico.
Quem se inscreve no gozo fálico é não louco, pode ser uma mulher, pode ser um homem.
Então, aí as mulheres é definido para caracterizar o Outro gozo, mas eu não levo isso muito a sério, não é bom essa distinção o gozo do homem e o gozo da mulher. Eu, na exposição tentei dizer, é melhor usar gozo fálico e gozo do Outro ou Outro gozo.
Esta é uma teoria generalizada do sintoma.
Por esta definição, eu vou concluir ainda, de que há um gozo que não, ou melhor, uma significação que não se escreve, todos seriam loucos.
Aqueles que podem fazer uma suplência a essa impossibilidade de escrever uma outra significação, isto é, aqueles que podem escrever uma significação fálica, são não loucos, e porque chamou esses de os homens, dizia: as mulheres são loucas.
Mas, é verdade que uma mulher pode se escrever no gozo fálico.
E é por isso que não levo muito a sério essa brincadeira. Na verdade, são loucos todos os seres falantes que não podem escrever a significação fálica, que chamo gozo fálico. Não sei se está claro, mas da minha parte eu respondi.
SP: Dr. Márcio pede se o sr. poderia falar sobre o gozo suplementar.
Jairo Gerbase: Eu posso citar o seminário XX na página 99. Ele diz, a essência da mulher, é ser não toda, mas nem por isso deixa de acontecer, e se ela está excluída justamente pelo fato de ser não toda. Em relação ao gozo, ao que designa de gozo à função fálica, ela tem um gozo suplementar. Eu costumo dizer que é uma vantagem, como se pode ver na fórmula da sexuação, a mulher ser não toda, sua essência ser não toda.
Ela pode se inscrever no gozo fálico e pode ter um gozo a mais, um gozo suplementar, e Lacan faz questão de chamar atenção aí que não é complementar, um gozo a mais, que é esse Outro gozo.
Mas eu me embaraço quando eu tenho que dizer que isso é propriedade do homem ou da mulher, é o gozo fálico e o Outro gozo, o Outro gozo é suplementar ao gozo fálico, um gozo suplementar, um gozo a mais. Ele vai mostrar isso em termos do objeto, desse objeto a mais de gozar; um gozo que é causa do desejo. Esse gozo suplementar, ele não é complementar nesse sentido, porque se fosse complementar ele seria um gozo que satisfaz um desejo.
Isso que se diz, vale para a necessidade, alguma coisa, um objeto que satisfaz o desejo. Ele é suplementar no sentido de que ele é um gozo que causa o desejo, instiga a desejar.
É daí que vem esta instigação a desejar, é daí que vem o desejo, do fato de que um gozo não se escreve, e por isso estamos condenados, o ser falante está condenado a procurar, eu diria isso.
(SC): De acordo com nossas leituras e o significante até há pouco em vigor (o Falo) que chances tem para a mulher que é "não toda", isto é, esta fora dessa inscrição, que chances há para ela na satisfação clitoriana, ou seja, erótica, sexual uma vez que lhe é cobrada este tipo de comportamento? Ela tem um "gozo" a mais mas precisa ser informada pelo "saber".
Jairo Gerbase: Eu disse que esse enunciado A mulher não existe, a relação sexual é impossível, se coloca no nível do dizer, melhor do saber, algo que não pode se escrever no campo do Outro (do inconsciente), mas a satisfação clitoriana ou clitoridiana, erótica ou sexual é algo que se passa no nível do corpo; eu creio que não é bem disso que se trata, não há nenhuma impossibilidade do gozo do corpo, a impossibilidade é essa que na teoria dos conjuntos se chama relação biunívoca, se tenho um conjunto A e um conjunto B, no conjunto A eu tenho uma cadeira e no conjunto B eu tenho um menino, há relação biunívoca. No nosso esquema eu tenho um conjunto A e um conjunto
B. No conjunto A tenho o gozo fálico, no outro não é possível escrever, eu tenho que dizer que é um campo ou um conjunto sem elemento, um conjunto vazio, de Cantor, então não há relação. Assim, a satisfação clitoriana, pode ver em Freud, é fálica, não há nenhuma impossibilidade em relação a ela.
(SC): Sim, não há impossibilidade no gozo do corpo, mas o discurso estimula quem detém a vitalidade do Falo.
Jairo Gerbase: Na hipótese de Lacan, mesmo na hipótese de Freud, foi muito ruim essa coisa de traduzir um gozo e Outro gozo como masculino e feminino. Eu tenho abandonado isso, gozo é significação fálica e a outra significação é a que não se pode escrever, porque evita esses problemas de falocentrismo. Por exemplo, “discurso estimula quem detém a vitalidade do Falo”, fala-se em mulher fálica, nesse sentido, é uma forma de dizer o que é a significação fálica e o gozo fálico. Fala-se do poder, mas creio que Lacan tem insistido em que o gozo fálico é o que é metafórico e pode ser substituído, é algo inteiramente no nível do significante, desde que o significante possa ser substituído, como na poesia, por um outro significante, trata-se de gozo fálico.
Desde que um significante não possa ser substituido porque sua significação é impossível, se trata do outro gozo. Então, eu não acredito nessa “vitalidade do falo”, não é isso, não é disso que se trata. Na própria prática psicanalítica um gozo que se pode escrever e funciona como na poesia, você pode trocar mulher por rosa, ou Booz por feixe, isso significa que está no gozo fálico ou metafórico, ou gozo que se pode substituir, como se pode ver no sintoma fóbico. É sempre mais fácil achar o significante que está substituído no sintoma fóbico, isso é um sintoma bastante, não diria totalmente, mas bastante fálico e metafórico, e a questão está em que o sintoma tem um osso, uma parte que não é possível escrever, que chamamos de outra significação, ou outro gozo.
(MG): Gostaria de saber como podemos direcionar um tratamento de um gozo que não se pode escrever? Gostaria que o senhor desse um exemplo.
Jairo Gerbase: Essa é a dificuldade de lidar com o trabalho analítico; se tomo uma definição de Lacan do sintoma: o sintoma é real, é mesmo a única coisa verdadeiramente real, que conserva um sentido no Real, tocar o sentido real do sintoma que corresponde à sua pergunta como tocar no gozo que não se pode escrever, só é possível no método de Freud, que é a associação livre, que é, dito de outro modo, a tagarelice. Não é muito correta a fórmula “tornar consciente o inconsciente”, não é bem isso. É possível tocar o indizível tagarelando, sem pesquisa, sem saber, e é por isso que os analisandos dizem “bom, o sintoma desapareceu, eu não sei dizer porquê”. Nem ele e nem seu analista.
Quanto ao exemplo solicitado, eu gostaria de lhe enviar um texto, Pedro, onde tentei dizer isso, que chamei de “Sargento Pimenta”, porque é um sujeito que, para esclarecer sua procrastinação, diz que entrou para o clube dos corações solitários, porque o seu encontro do Real, como eu chamo, o seu encontro com o significante do Real, não veio de papai e mamãe, mas do encontro dele com as músicas dos Beatles, e é algo que não tem o sentido comum. Tocar o sentido do sintoma que está conservado no real é algo que se faz da mesma maneira que se ri do chiste, é assim que Lacan termina Televisão.
Tocar o sentido como você perguntou, o sentido Real do sintoma, só é possível como no chiste, mas vou mandar meu artigo para você ver os detalhes sobre isso que é de fato difícil, e é também como disse na exposição, Freud se queixa que o sintoma permanece porque não se tocou uma outra corrente (fantasias histéricas e sua relação com a sexualidade, precisamente o último parágrafo), a do real.
(SP): O senhor poderia explicar melhor o que seria "zerificação do gozo fálico"? Achei interessante esta colocação.
Jairo Gerbase: Está no Escrito de Lacan sobre a psicose, Schreber, Questão preliminar a todo tratamento possível da Psicose , essa coisa do Nome do pai zero, significação fálica zero. Eu trato gozo fálico como significação fálica. Talvez me alongue muito, vou dizer muito resumidamente. É possível fazer isso porque tanto Frege faz essa distinção entre Sinn e Bedeutung, sentidosignificação, como Lacan no Seminário “A Lógica da Fantasia” diz que a significação que está em jogo numa análise é a do objeto a. Quando os tradutores vão traduzir Frege eles fazem questão de dizer “não traduzam Bedeutung por significação, não é muito preciso, traduzam por referência. Trata-se de procurar a coisa que aquele significante significa, que está também na pergunta de Pedro.
E o que é a coisa que aquele significante significa?
Lacan põe que, a coisa que o significante significa, enquanto sentido real, é o “a” minúsculo. Então veja que ele é a coisa ela própria inefável, ela própria intangível. Então, quando ele vai falar, no Schreber, da significação, do gozo fálico, da significação fálica zero, ele faz essa tradução de significação para gozo e põe J maiúsculo, phi maiúsculo zero, JΦ0, para zerificar o gozo fálico.
Na psicose esse gozo está zerificado, você pode ver também na Introdução à edição alemã das memórias de Schreber, Lacan utilizava uma expressão aproximada disso falando de Sujeito suposto Saber e depois falando de um gozo no lugar do Outro. Então é possível passar de gozo fálico à significação fálica, creio que você sabe o que é significação fálica zero, eu uso como sinônimo de zerificação do gozo fálico.
(CE): Quando o senhor sugere que não devemos diferenciar o gozo do homem e o gozo da mulher, e sim diferenciar o gozo fálico do Gozo do Outro, me ocorreu lhe perguntar, baseada em seu resumo dos paradigmas em que afirma que no laço que liga o simbólico, o imaginário, o real, acrescenta-se o sintoma, por que se diz que a mulher é o sintoma do homem? Seria a feminilidade esse quarto elo?
Jairo Gerbase: Nunca pensei isso, que a feminilidade seria quarto elo, mas qualquer sintoma. Aí também tenho sido criticado porque ponho qualquer sintoma como quarto elo, porque a idéia de Lacan é que o nó com 3 elos – real, simbólico e imaginário –é frouxo, não é muito solidário, e é preciso um quarto elo que é o sintoma neurótico pra dar mais solidariedade ao sistema e aí ele se torna sintoma neurótico; então qualquer sintoma neurótico, não necessariamente a feminilidade.
A mulher é o sintoma para o homem? Eu trataria de outra maneira, faço essa brincadeira, a causa, a causa de seu desejo, causa no sentido de que temos causa, para o comunista o partido é a causa, para o sujeito do inconsciente o mais-de-gozar é causa, então para o homem a mulher é a causa, então nesse sentido ela é o sintoma para o homem. Por outro lado não há equivalência, o homem para a mulher é como uma mãe, uma devastação. É uma pergunta mais complexa, mas eu diria que não entendo assim que a feminilidade seja o quarto elo. Qualquer sintoma neurótico, uma fobia como a do Hans é um quarto elo, uma enxaqueca, uma dor de cabeça. No caso de uma senhora, não sei se está no livro, seu pai lhe disse “você não é a minha filha legítima”, e ela desenvolveu uma cefaléia, uma dor de cabeça, tipo enxaqueca, como todas as mulheres dessa família tem enxaqueca, ela se filiou assim através do sintoma, ela legitimou sua inscrição na família através do sintoma. Nesse sentido, o sintoma é um quarto elo.
Há controvérsia, todo mundo acha que esse sinthoma, que Lacan escreveu com “th” é o sintoma analisado, o sintoma do final de análise. Eu não achei aqui nenhum indicativo disso, ao contrário achei, quando ele comenta seu trabalho psicose paranóica, ele diz que o nó a 3, atende à propriedade borromeana, se rompe com facilidade e quando se põe outro nó, dá mais consistência; continua a propriedade, mas dá mais consistência ao sistema e esse sintoma é um sintoma neurótico. Então não vi em Lacan indicação de que o sinthoma, o quarto elo é o sintoma analisado,
o sintoma do final de análise.
Embora não dê conta de uma parte de sua pergunta (em que sentido a mulher é o sintoma para o homem), dou conta da outra de que não tomo a feminilidade como o quarto elo. A feminilidade está escrita em outro lugar, no J, não no quarto elo, não no nó de 4. Talvez valesse a pena introduzir aqui a imagem do sintoma, de 4 elos.
(SC): De acordo com a "castração, o sujeito masculino via sublimação seria "criador de cultura"; e a mulher, teria este papel via criação de recursos para a MASCARADA? Pois, sem criação de cultura não se é sujeito da História, não? É nesse sentido que falei antes da "vitalidade do Falo".
Jairo Gerbase: Primeiro, sujeito masculino vale para o homem e para a mulher, para qualquer gênero, então é essa diferença que acho ruim em Lacan por homem e mulher, porque se trata de fálico e não todo fálico, o qual pode se escrever, comporta gênero masculino e feminino, criador da cultura. Somos sujeitos da história, eu diria, homem ou mulher, gênero, masculino e feminino, somos sujeitos da história, seres falantes, na medida que usamos via sublimação, significação fálica, significação metafórica. A outra, que vale para homem e mulher, para Santa Tereza ou São João da Cruz, aí põe 2 gêneros diferentes, creio que aí há recursos de outro gozo. A mascarada não sei, creio que a escreveria ainda no gozo fálico.
Conexão Lacaniana: Dr. Jairo, estamos caminhando para o final da vídeo-conferência, e abrimos espaço para a última pergunta.
(SP): Onde e quando Lacan considera a importância da mãe, em seu ensino, já que o senhor fala que a mãe é importante na formação do sintoma?
Jairo Gerbase: Eu disse, perdão, o contrário. Não é de modo nenhum, tanto em Freud quanto em Lacan o que está valorizado é o pai, ou melhor, o Nome do Pai. Foi Klein e os pós-freudianos que deram essa importância à mãe, mas Lacan foi mais radical ainda, eu diria, na medida em que diz que a condição da formação do sintoma é o encontro do sujeito com o significante. Nesse caso ele escreveu S1, não se trata nem de mamãe e nem de papai. Eu diria até, eu insisto em alguns trabalhos no “Comédias familiares”, que a mãe não joga nenhum papel na formação do sintoma, porque a formação do sintoma não depende de ser não desejado, ser não amado, mas da equivocação, da interpretação equivocada que o ser falante, o sujeito do inconsciente faz de um significante. Então, creio que disse que a mãe não joga, não é importante na formação do sintoma.
Você pode ver em todos os relatos de Freud a mãe não entra, a mãe de Dora não entra, a mãe de Hans, tudo que ela faz é dizer “Tá bom até aqui dr. Freud, professor, vamos parar com isso, esse menino vai longe demais, a sua fobia já acabou”. A questão de Schereber é com o pai, a questão do Homem dos Ratos é com o pai, o complexo paterno. Depois Lacan sai disso para falar de desejo da mãe, do Nome-do-pai, e depois vai mais adiante dizendo que a condição da formação do sintoma é encontro com o significante.
No caso que prometi a Pedro, mostro alguma coisa da música dos Beatles, em Stephen, o herói de Joyce são as epifanias, também examinei Demian de Hess, o encontro com um amigo, o encontro de Sinclair com Kromer, buscando esses exemplos para justamente sair da comédia familiar, do ambiente, da insistência que temos em dizer que Freud disse que o Supereu é herdeiro do pai, herdeiro do Complexo de Édipo, quando na verdade é uma instância imperativa do gozo.
Bom, são muitas coisas, vai ficando denso se eu não me limito também na resposta.
De todo modo, Noemia, não disse que a mãe é importante na formação do sintoma. Pelo contrário, não é.
Conexão Lacaniana: Dr. Márcio agradece sua presença e espera poder contar com sua valiosa contribuição novamente e manda-lhe um forte abraço e pergunta onde ele pode encontrar seu livro Paradigmas da Psicanálise.
Jairo Gerbase: Muito obrigado também, conte comigo em outras oportunidades. Aí em São Paulo, está na Livraria da Vila, na Pulsional, e também na Cultura Paulista e da Villa Lobos.
(Muitos agradecimentos)
(CE): Agradeço a oportunidade de ouvi-lo Dr. Jairo e parabenizo ao senhor e a Conexão pela conferência. Muito bacana este momento. Um exercício bem rápido, conciso e denso que faz associar e pensar. Valeu!
Jairo Gerbase: Tá bom, muito obrigado, eu também agradeço, muito agradável, boa noite, muito obrigado.
Conexão Lacaniana: Boa noite a todos e obrigada pela presença.
Núcleo Márcio Peter de Ensino - Conexão Lacaniana
Curso OnLine "Deus é A Mulher - A feminilidade em Lacan"
Conferência 26/04/09 | Moderação: Ana Maria Ferraz