Conferência com Margareth Ferraz

"O objeto a na experiência analítica"

Margareth Ferraz é membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP)
e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP)


Conexão Lacaniana: Gostaria de abrir a conferência, agradecer a presença da Margareth Ferraz, agradecer a oportunidade que ela nos dá. Ela vai falar do “Objeto a na experiência analítica” por  meia hora e depois vai abrir para vocês a oportunidade de fazer pergunta. Boa noite Margareth, passo a palavra.

Margareth Ferraz: Boa noite. É com prazer que me encontro aqui hoje para falar sobre “O objeto a na experiência analítica”. Gostaria de agradecer à Conexão Lacaniana pela apresentação e ao Márcio Peter de Souza Leite por esse convite, essa oportunidade de estar com vocês. Gostaria de agradecer à equipe técnica, esse apoio incondicional do Luis pra fazer essas máquinas funcionarem. Gostaria de cumprimentar essa equipe por esse trabalho maravilhoso, um trabalho pioneiro da transmissão da psicanálise, esse curso on-line. Eu acho que realmente é um encontro pioneiro, bacana e gostaria de cumprimentá-los por essa iniciativa. De alguma forma, com alguns de vocês eu acho que se trata de um reencontro a distância, porque muitos de vocês que estão me assistindo agora me conhecem.

Bem, o título dessa conferência é o tema do sexto congresso da AMP que acabou de acontecer em Buenos Aires, agora no mês de abril. Pelo frescor do tema, esse foi o motivo pelo qual eu escolhi - “O objeto a na experiência analítica”, principalmente pela minha experiência nesse congresso em Buenos Aires, e há dois anos trabalhamos esse tema porque normalmente na Associação Mundial de Psicanálise um tema é escolhido e durante dois anos se trabalha esse tema internamente nas escolas.

Em todas as jornadas, os seminários, as publicações têm toda uma interlocução via Internet de preparação para esse tema. Então esse tema foi lançado em 2006 em Roma no quinto congresso e foi um apelo de Jacques-Alain Miller que tratássemos do “objeto a na experiência analítica”. Me pergunto, por que esse tema diz tudo numa escola? Imagino que seja pela dificuldade que existe em podermos tratar desse objeto na clínica.

Bem, então é um trabalho de pesquisa de algum tempo e isso normalmente acontece quando trabalhamos para esses congressos. Normalmente, ao chegar no congresso,  eu me senti um pouco cansada com os temas que tínhamos que trabalhar pelo fato de ter ficado dois anos lendo, pesquisando, com toda uma série de atividades  tentando discernir o tema. Eu acho que pela primeira vez fui para um congresso e voltei com inúmeras questões sobre o objeto a. Uma das atividades que tivemos na escola aqui em são Paulo foi um seminário do Conselho que trabalhamos durante esses 2 anos e o encerramento desse seminário aconteceu há duas semanas, e eu tive o prazer de fazer o encerramento através de uma conferência sobre A clínica da perversão. Então é um tema que eu estudei e que eu estou pronta  a começar a estudar de novo, espero poder ajudá-los com algumas contribuições.

Bem, esse é um tema caro ao Lacan, como definir o objeto a da psicanálise, como definir o objeto da psicanálise, e Lacan o definiu como objeto a. Se acompanharmos o percurso dele ao longo de vários seminários, verificaremos que ele vai mudando a forma de trabalhar o objeto, e não é fácil essas articulações, eu vou dar apenas algumas pinceladas para gente ter uma idéia da complexidade do tema. No Seminário 2, por exemplo, Lacan parte da introdução ao narcisismo de Freud, que é onde Freud trabalha essa questão, e ele faz uma distinção entre o “sujeito” e o “eu”. Quer dizer, ele coloca a questão do “eu” e do “objeto”. Nesse seminário Lacan chama de objeto os vários aspectos da relação do sujeito com o Outro. Isso no Seminário 2.

No Seminário 3, que é o Seminário sobre As Psicoses, ele vai falar de uma divisão entre o “eu”  e o “sujeito do inconsciente”, e ele vai dizer que o “objeto de interesse humano”, é o “objeto do desejo do Outro”.

Eu pontuei essa questão do objeto como “objeto de desejo do Outro” porque é uma questão que ele vai retomar no Seminário 10 sobre A Angústia. No Seminário 4 são as relações do objeto. Lacan faz uma teoria da falta de objeto, lembrando que a idéia freudiana de objeto é sempre a de um objeto perdido, ligado à primeira experiência de satisfação.

Nós sabemos, quer dizer, eu imagino que sim, que Freud fala desse objeto perdido nos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, e quando ele fala desse objeto perdido ligado à “primeira experiência de satisfação”, quer dizer, tanto na Introdução ao Narcisismo como nos Três ensaios, ele vai dar a diferença, ele vai explicar pra gente o que é essa “primeira experiência de satisfação”.

Uma criança quando nasce, uma experiência de satisfação que é paradigmática dessa relação do sujeito com o objeto é a sua relação oral, então quando a criança tem a primeira mamada, quando ela vai mamar pela primeira vez, esse peito que é colocado para alimentá-la, poderíamos pensar simplesmente na satisfação de um instinto. Tem fome, vai comer.

Só que a criança ao colocar o seio na boca, ela tem uma experiência de satisfação que ao longo da vida ela procura reproduzir. Então o que Freud coloca, porque ele faz a diferença entre instinto e pulsão, porque o instinto seria esse: eu tenho fome, eu como. Seria um objeto ali chapado que satisfaz uma necessidade.

No caso do ser humano, não se trata apenas de uma necessidade. Há uma subversão desse instinto pela pulsão. Quer dizer, ao mesmo tempo que a criança vai comer porque tem fome, há uma subversão desse instinto e nisso se instala uma pulsão. Toda mãe tem essa experiência de ver a criança que está chorando porque quer mamar, porque tem fome e na hora que coloca o seio na boca da criança, ela começa a balbuciar, ela começa a brincar, a passar a mão no rosto da mãe, quer dizer, tem uma outra coisa que vai junto.

Eu fiz questão de destacar essa “primeira experiência de satisfação” para que pudéssemos entender essa questão do objeto, de alguma coisa que está para sempre perdida e que a gente não tem, não ficamos com os moldes. Então e ainda no Seminário 4, Lacan vai desenvolver a questão da castração, frustração e da privação, qual é a relação com o objeto em cada uma dessas três possibilidades.

Bem, na transferência  ele retoma cinco formas do objeto: oral, anal, fálico, voz e olhar. Então é uma questão que vem em todos os seminários. Quem também pegar o 7, vai encontrar algumas diferenças, como é que ele está trabalhando essa questão do objeto.

Agora eu vou me centrar mais no Seminário 10 e vou dizer porque o Seminário 10. Estamos acostumados a escutar que dos primeiros seminários de Lacan até o Seminário 11, trata da primeira clínica; que no Seminário 11, é quando o Lacan faz uma virada no ensino dele, e no Seminário 10, quer dizer, o 10 está antes do 11 [risos], é quando o Lacan já apresenta algo de novo aí.

Se pegarmos o Seminário 10, ele primeiro faz uma revisão do objeto a, tem toda uma parte que ele vai fazer uma revisão do estatuto do objeto. O Seminário 10 está dividido em quatro partes, uma é a revisão desse estatuto e a última parte são as cinco formas do “objeto pequeno a”. Então ele vai falar da boca, da dor, do olhar, da fase fálica, da voz. Enfim, ele vai fazer isso exaustivamente nesse seminário. É também quando, já na última parte do seu ensino, ele retoma o objeto tal qual ele desenvolveu no Seminário 10.

Porque como que Lacan trabalha o objeto no Seminário 10, quer dizer não é a última articulação dele, estamos ainda estudando esse Último Ensino do Lacan e que nós temos agora publicações dos últimos textos, nós temos a publicação do 18, e eu acho que esse ano conseguiremos os últimos seminários de Lacan que já estão na gráfica. Então o objeto no Último Ensino provavelmente tem uma diferença, mas nós estamos tratando do objeto da forma que ele trabalha no Seminário 10, da Angústia, que é onde ele concentra,  é onde ele elabora esse conceito.

Então como é que ele trabalha o objeto no Seminário 10? Ele vai trabalhar esses objetos como uma extração corporal, vai retomar os objetos em Freud e no primeiro momento ele até fala que vai acrescentar alguns objetos, o objeto olhar e objeto voz.

Freud trabalhou o objeto oral, anal e objeto fálico. Mas tem um próprio texto de Lacan no Seminário 18 onde ele retoma Freud quando trabalhou o objeto oral e anal, mas quando ele foi trabalhar a questão do perverso, da perversão, ele foi falar da pulsão escopofílica e da voz pra trabalhar a clínica da perversão. Então, de alguma forma, o Freud já introduziu também esse objeto olhar e esse objeto voz.

Bem, como Lacan vai definir o objeto da psicanálise? Vimos que esse objeto é um objeto perdido para sempre, e um outro dado importante é que o Lacan vai definir, vai falar, vai fazer uma diferenciação entre o objeto da psicanálise e o objeto das outras ciências. Então o que ele vai dizer é que o objeto da psicanálise não é como da física, da biologia, que de certa forma é apreensível. O objeto da psicanálise, ele não é apreensível, e eu diria o mesmo que em relação à psicologia, pelo menos da forma como quando eu comecei a trabalhar, já tem alguns anos, a questão da psicologia como algo, de uma certa preocupação com o sujeito, de uma certa orientação talvez em termo de conduta.

É um certo desarvoramento, quando surgiu desarvoramento de um cliente, então tinha uma certa incidência  sobre o comportamento do sujeito, quer dizer, como se objeto de gozo de um sujeito pudesse ser um objeto apreensível, como que a demanda que o sujeito fizesse de uma análise não precisasse de uma subversão daquela demanda, como se aquilo que ele pedisse, fosse aquilo que ele realmente estava procurando.

Há uma mudança aí, uma diferença do objeto da ciência e do objeto da psicanálise, e eu diria mesmo da psicologia. Então o que acontece na psicanálise? A psicanálise desenvolve um discurso, e é um discurso sobre uma realidade irreal, e que nós chamamos de psiquê, é uma práxis que Lacan vai dar o nome no Seminário 10, que é a referência que eu estou utilizando de erotologia, porque se trata de uma experiência que tem a ver com erotismo, tem a ver com a sexualidade, quer dizer, trata-se de uma experiência que tem a ver com o desejo do sujeito.

E por que trabalharmos o Seminário 10? Por que trabalharmos a questão do objeto a na experiência analítica? É para percebermos como que o sujeito (eu estou colocando aqui o sujeito de uma forma geral), como que uma pessoa que nos procura, como que nós damos conta do corpo de um analisando em análise, como dar conta daqueles menores detalhes que um analisando traz na análise, que ele demonstra na sua fala.

Lacan faz uma diferença quando perguntamos como definir o objeto na psicanálise. Lacan faz uma diferença entre "objetividade" e "objetalidade". Ele vai dizer que a objetividade, quer dizer, ele coloca a ciência do lado dessa objetividade, ele vai falar que é um termo do pensamento científico ocidental, é correlativo de uma razão pura. A gente vê que tem um diálogo dele com Kant, e se traduz por um certo formalismo lógico, quer dizer, tem uma certa objetividade desse objeto, nessa apreensão desse objeto. Quando ele fala da psicanálise, ele vai se referir ao objeto como da ordem da objetalidade, e ele está falando de uma outra coisa, ele vai dizer que a objetalidade  é correlativo de uma "pathos do corte", então podemos entender essa "pathos do corte" como algo da patologia e também da paixão.

E quando ele fala do corte, é importante esse termo, que na psicanálise lacaniana ele tem uma função de um conceito, porque quando falamos dos objetos, nós estamos falando de um corte, um corte no corpo. Então, se pensamos o objeto oral, o objeto anal, o objeto fálico, olhar e voz, nós estamos falando de corte.

Tem alguma coisa desse objeto oral que possui essa fenda, a própria boca. Esse objeto tem essa característica: para que ele funcione como objeto, que funciona a partir de um corte. E quando ele fala desses objetos no Seminário 10, ele vai dizer que é um pedaço carnal arrancado de nós mesmos.

Essa eu acho uma expressão bonita do Lacan: é o pedaço cortado de nós, e esse pedaço que fica fora do discurso. Por isso é importante que possamos apreender esse objeto que seria um resto e que espero deixar isso mais claro. Quer dizer, quando ele fala dessa "objetalidade" e dessa "pathos do corte", ele está nos dando algumas coordenadas de como se forma esse objeto a. Quer dizer, de como que nós somos capturados por esse objeto.

Bem, vamos ao Freud. Freud cria a psicanálise a partir da sua relação com pacientes neuróticos. E sempre que ele atendia esses pacientes ele chegava a um ponto de perceber que sempre essa experiência levava a uma experiência traumática, levava sempre a um trauma, isso nos primórdios da psicanálise. Então, sempre tinha uma estória das histéricas que tinha um sedutor. E o Freud começa a ficar com a pulga atrás da orelha com aquela questão, porque todo paciente dele desembocava no mesmo ponto; de uma sedução por um adulto, de uma sedução pelo pai, principalmente. Não estamos entrando aqui na questão objetiva da sedução, quer dizer uma questão que é constante hoje na nossa mídia. Mas estamos falando daquela sedução que surge na experiência analítica.

Então, qual que é a conclusão de Freud? Que todas as histéricas, os obsessivos que ele escutava, chegavam a essa experiência traumática, de sedução por um adulto e que sempre tinham o pai que seduzia nessa estória. Ele falou: “Se eu for acreditar nessa estória eu vou chegar à conclusão de que todos os pais são perversos”.

Então é quando ele faz vacilar, ele muda a direção da sua orientação e a gente vê uma carta do Freud ao Fliess, uma belíssima carta e que faz uma mudança radical na sua teoria e isso em setembro de 1897. Se não me engano, é a carta 69, que chama “A teoria transformada”. Então, o que muda nisso? Muda que Freud começa a introduzir a questão do fantasma, quer dizer tem uma fantasia desse sujeito. À medida que o sujeito fala, ele toca numa questão do desejo dele, dessa demanda dele, dessa experiência que ele procura reencontrar.

E à medida que ele fala, ele tem uma fantasia que se realiza aí; tem uma fantasia que está por trás dessa fala e que tem a ver com toda uma economia do desejo e que leva Freud a criar o termo libido, que Lacan trabalha como gozo, com algumas diferenças, mas que de alguma forma, seria, com as devidas diferenças, equivalente. Quer dizer, o que aconteceu com Freud? Ele percebeu a função nodal do que é propriamente sexual na formação do desejo. Quer dizer, quando o sujeito fala, de alguma forma o corpo dele já está implicado nessa fala.

Então, vamos à experiência que a gente conhece: a experiência analítica. Alguém nos procura para fazer uma análise e recebemos esse sujeito, a pessoa começa a falar. Começa a falar do que o levou a procurar uma análise, porque que nesse exato momento ele procurou um analista. E à medida que ele fala, o analista se orienta na escuta desse paciente. Mas ao escutar o paciente que vem, que procura pela primeira vez, ou segunda vez um analista, ou terceira, ou quarta, ele começa a perceber que nessa escuta tem um ponto duro e que o sujeito está sempre contornando.

Tem um texto lindo do Miller que chama “O osso de uma análise”, e o Miller chama esse ponto duro de "osso de uma análise". Ele faz um seminário belíssimo em Salvador e a partir daquela poesia do Carlos Drummond de Andrade, “No meio do caminho tem uma pedra, tem uma pedra no meio do caminho”. É pena que eu não tenha lembrado de trazer essa poesia. Então ele desdobra essa poesia; fica horas falando dessa pedra no meio do caminho e como que o Drummond fala dessa pedra, quantas vezes ele repete essa pedra.

Angelino Bozzini (SP): Carlos Drummond de Andrade, “No Meio do Caminho”:
"No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.”

Margareth Ferraz: E o Miller vai articular essa pedra, esse osso de uma análise com esse objeto. Quer dizer, na fala de um analisando ele gira, ele conta caso, ele conta evidência, mas sempre existe esse osso. E que essa fala dele, ele vai circunscrever esse ponto, e vai circunscrevendo cada vez mais próximo desse ponto duro.

Freud dá uma metáfora que eu acho bonita, não sei se vocês se lembram. Eu não vou me lembrar qual é a referência, mas ele fala de uma cebola. Que à medida que o sujeito fala, ele vai chegando perto desse núcleo. E cada vez que ele se aproxima mais desse núcleo, desse ponto duro, dessa pedra ou desse osso, as dificuldades de uma análise são visíveis; começam a aparecer as dificuldades.

Numa análise, esse sujeito que vem e fala; que se explica e que se desdobra em explicação... Por um lado, nós temos essa fala que se dirige a um Outro. Quer dizer, essa fala que se dirige a um Outro, que tem interpretações, que o sujeito relaciona com fatos passados, situações que não eram conscientes quando ele fala. Então, quando ele fala, ele se explica e ele tem uma referência ao Outro, ao Grande Outro, que é um conceito que a gente tem em psicanálise, que todos vocês conhecem. Então, ele se desdobra nessas explicações, relaciona com fatos passados, muitas vezes fica maravilhado com as expressões que ele descobre, com fatos que ele não tinha idéia. Ele dá sentido para vários atos que ele vive. Por esse aspecto, nós temos esse endereçamento ao Outro. Quer dizer, esse sujeito falador que se desdobra num sentido. Mas, por outro lado, nessa mesma fala desse cliente nós recebemos  ele tem esse ponto sobre o qual ele gira.

Então, numa análise, nós temos essa vertente do Outro, desse Outro que fala e se explica, e a vertente do objeto a. Isso eu acho da maior importância, pelo menos na clínica que eu exerço, que é o que me dá a direção de um tratamento. Quer dizer, esse objeto a funciona como resto da dialética do sujeito com o Outro, um resto que não é significável.

Quer dizer, à medida que o sujeito fala, ele tem uma referência de um Outro, ele está reverenciado num Grande Outro. Mas, enquanto ele fala nessa sua dialética, sobra sempre um resto que não é significantizável. Esse resto é da ordem do objeto a, é o que nós chamamos de objeto; é alguma coisa que não entra no discurso, que não entra nessa significação, que não tem sentido. É alguma coisa que é dura; que não dá para ter significado. Esse objeto a poderíamos dizer que, se nós temos uma análise, essa vertente que colocamos do Outro e do objeto, nós temos uma força de tensão aí.

Como que funciona? Quer dizer, o sujeito está falando, falando, e está falando do mesmo. Mas ele está falado do mesmo, de algo que não entra no discurso, de algo que sobra.

Eu poderia dizer, e depois que esse nosso bate-papo for transcrito eu posso fazer o desenho. Quer dizer, é um sujeito $, um significante 1 (S1). Quer dizer, quando o sujeito fala, ele está falando em termos de significante, ele vai contando essa história que se dirige a um significante 2 (S2). Mas quando ele faz essa transposição de um significante para um outro significante, esse sujeito se divide. Quer dizer, ele começa a falar e ele se divide. Então ele se divide... Por quê? Porque sobra sempre um resto aí que cai; sobra um resto.

Então, a gente poderia colocar S1 uma setinha na horizontal, lá na frente S2, em cima desse S1 e S2 a gente pode colocar o sujeito dividido e na parte de baixo um objeto a, esse a que cai. Por quê? Porque esse azinho que cai aí vai remeter ainda à cadeia, a um outro significante que o sujeito dirige um significante ao outro significante.
                                     
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Então, por que a gente diz que é êxtimo, que este objeto é êxtimo? Porque ele conjuga o que tem de mais íntimo com a radical exterioridade. E quando ele conjuga, porque se tem esse objeto, ele tem uma estrutura de voz. Quer dizer, é algo que está no campo do Outro, mas que não entra nessa dialética. Então, a gente pode dizer que esse objeto está fora do campo do Outro.

Na hora que o sujeito fala, ele sobra, ele cai, porque ele não é significável, é um osso duro, que ele está sempre realinhando, que ele está sempre provocando. É um resto que está sempre provocando uma outra fala. E ele pensa essa estrutura de borda porque ao mesmo tempo em que ele está nesse campo do Outro, ele relaciona com ele mesmo, com esse furo. E o mais importante é que esse objeto funciona como lugar de captura de gozo. Quer dizer, isso que é importante de observar, o que é que esse cliente diz na sua expressão, no seu mimetismo, na sua posição corporal, porque tem alguma coisa falando aí. Quer dizer, uma análise deve visar esse objeto, esse núcleo que traz dificuldades, aquilo que é preciso resolver.

Constatamos numa análise que há repetição do mesmo. Cada fato é diferente. Mas em todos eles verificamos a mesma marca, porque obedecem a mesma estrutura. Por exemplo, um paciente que chega e fala do seu sofrimento na infância. Quer dizer, uma mãe que tinha umas feridas muito grandes na perna e que esse filho vê sempre essa mãe com esse sofrimento. E a cada vez que ele saía, que ele brincava, a mãe puxava e falava: “Mas você vem ajudar sua mãe”.

E ele passa a vida sem poder usufruir das coisas de criança porque tinha aquela mãe que solicitava sempre a sua presença. E esse sujeito me procura para análise. E era assim uma coisa patente a relação dele com o sofrimento. Mas assim, a ponto de entrar numa situação como se fosse um psicótico e perder todas as referências da vida, de parar o trabalho. Tinha um emprego estável, precisar entrar num processo administrativo porque abandona o trabalho, de deixar de cuidar da higiene, enfim.

Quando ele volta a me procurar e que torno a pontuar essa questão dele com o sofrimento, porque ele quer pagar um valor que não teria necessidade porque eu já conhecia a história dele. E nesse segundo tempo da análise eu pergunto para ele: “De novo o sofrimento?”. E ele sai.

Quer dizer, de alguma forma esse sofrimento vem acompanhando esse sujeito. Seja por essa demanda da mãe, seja pela forma como o pai trabalha. E isso, a interpretação que ele dá. Então numa das últimas sessões ele fala: “Eu estou indo ver o jogo do Corinthians”. E eu brinquei com ele e disse: “Só poderia, né?!" Todos nós sabemos a questão do Corinthians com a questão do sofrimento.

E depois ele me traz essa questão dele com esse sofrimento, dizendo que quando ele era criança, ele ia ver o jogo com o pai e que o pai ia ver o Santos porque gostava de ver o Pelé jogar. Mas o que chamava a atenção dele era o sofrimento da torcida do Corinthians, isso era na fala dele, que era uma coisa que o deixava fascinado. Quer dizer... E nesse período, ele diz, e sabe quantos anos que o Corinthians ficou sem ganhar um jogo.

São vários pontos. Esse ponto duro, essa questão fantasmática desse objeto que funciona no fantasma, isso marca um sujeito. Quer dizer, hoje esse sujeito, a análise dele gira sempre em torno desse sofrimento, de cuidar de um filho, de cuidar de um irmão, de um filho que já está adulto, de cuidar do irmão, de resolver o problema da ex-mulher, enfim. Mas sempre marcado por esse posicionamento dele frente ao Outro.

Então, o que a gente está vendo é que existem certos lugares, certos pontos fixos no inconsciente. E cabe ao analista saber operar sobre esses pontos.

No Seminário 10, Lacan define o objeto a como uma extração corporal, o objeto a como parte desprendida do corpo, produto de um corpo fragmentado, cuja estrutura comum é de borda. Isso é uma questão crucial.

Lacan no Seminário 10, partiu da angústia porque esse caminho verifica toda a dialética do desejo, permite uma nova clareza quanto à função do objeto em relação ao desejo. Então nós sabemos que enquanto Abraham trabalha a questão do objeto pelas mutações e fases, Lacan propõe uma constituição circular.

Ele fala: objeto oral, anal, fálico, mas a partir de uma fase de desenvolvimento; tal época é oral, depois anal. Lacan muda esse conceito e coloca uma constituição circular da relação do sujeito com o Outro. Então a gente pensa na Curva de Gauss,  numa base nós temos o objeto oral; subindo um pouco, anal; lá no topo, a fase fálica; descendo, na outra vertente da curva, o olhar e a voz. E o que ele faz?

Ele coloca no centro dessa curva o objeto a. Coloca as várias manifestações, todas: olhar, voz, anal, fálico. Todas são manifestações do objeto a. Em todos os níveis dessa constituição circular, dessa constituição do sujeito com o Outro, o objeto a adere a si mesmo como objeto a. Independente da forma como ele se manifesta, trata-se de uma mesma função, a de saber como esse objeto se liga à constituição do sujeito no lugar do Outro.

Então, rapidamente, o que a gente vê com relação ao objeto oral? É uma necessidade no Outro. Por quê? Porque trata-se de uma necessidade da criança, a fome, mas não exatamente de uma necessidade.

E por que Lacan coloca no Outro? No Grande Outro? Por que esse seio é da mãe ou é da criança? Para a criança esse seio é dela. Se a gente pensar na garrafa de Klein, talvez seja essa a melhor forma, porque é algo que está na mãe, mas que a criança percebe como se fosse dela, é algo que ela pega e que ela solta ao bel prazer.

Mas há certa relação da demanda do desejo da mãe velado. Então, o que acontece com a separação da criança? Com essa separação da criança desse seio tem um corte. É o corte que nós falamos ali da questão do objeto a. A criança perde alguma coisa nessa separação, mas perde alguma coisa para a qual ela fica para sempre alienada, ela fica presa a esse objeto.

E Lacan tem um dado importante: ele fala que a criança não perde o seio, que ela não tem a angústia de desmame. Porque quando ela é desmamada ela também já não está muito aí para esse seio, ela já está querendo mais é ficar sem esse seio.

Isso aí é importante para a gente entender a questão da angústia. Porque ele coloca a angústia não pela perda do objeto, mas pela presença de um objeto. Então, no Seminário da Angústia Lacan vai trabalhar a falta de uma outra forma. Quer dizer, não é porque tem um furo, mas é a possibilidade daquele furo se preencher. Se a gente observar uma criança que a mãe está ali perto sufocando, abraçando, beijando, dando mamadeira, a gente vê o desespero que essa criança entra.

Então, anal tem uma demanda do Outro. Por que demanda do Outro? Uma demanda educativa: que essa criança se limpe, que ela faça cocô. A mãe fica fissurada no cocô do nenê, se está mole, se está duro, se está cheirando, se não está. Então, tem essa demanda do Outro. Ela pede a essa criança essas fezes, essa marca. E o sujeito, ele não tem como se apresentar. A criança não tem ainda. O que ele se apresenta é com o que ele tem. Então, o que ele dá é a marca do corpo dele, é o primeiro objeto que se desprende do corpo da criança. Então a gente vê, é como Lacan trabalha no Seminário 10, é como é essa extração. Quer dizer, é no desejo da criança que entra em jogo essa demanda da mãe. A criança retém, a criança solta, quando ela está bem limpinha, que ela se solta legal.

Depois, nós temos a fase fálica, quando há a falta de um objeto. O que ocorre num estágio fálico? A entrada de uma negatividade no desejo sexual. Quer dizer, tem uma questão aí, se a gente for pensar na fase fálica dessa negatividade na própria detumescência. Quer dizer, algo que é fálico, algo para qual você aponta o olhar, mas que não tem como você apreender.

Então, se a gente for pensar no objeto oral, no objeto anal, e agora no objeto fálico, é algo que não dá para você apreender. O objeto fálico por mais potente que seja tem uma negatividade aí.

No olhar a pulsão é escópica. Não é fácil definir o que é olhar. Nós sabemos a importância de um olhar e o quanto que um olhar pode sustentar um sujeito, quanto que um olhar... O sujeito fala: “Olha, procurei você para fazer análise pelo seu olhar naquela circunstância.” Ou como um olhar pode devastar o Outro. A gente vê isso no exibicionismo. Como que um olhar pode trazer uma devastação, inclusive física. Lacan cita o caso de uma paciente dele que teve uma hemorragia no olho em função de uma situação dessas. Mas o que acontece? O que a gente chama a questão do olhar? Ele vai destacar a miragem da potência. Tem um lugar que onde Lacan fala que a gente é tão capturado pelo olhar que talvez fosse preferível que fossemos cegos, que não iríamos perceber a imagem com o poder que ela tem, porque essa imagem também vela alguma coisa, tem algo nesse olhar que não é apreensível; a imagem vela alguma coisa. E o desejo ligado à imagem é também em função de algum corte, um corte que surge no canto do olho. Eu vou passar rápido, eu tenho um exemplo, mas não dá mais para a gente ver isso.

Chegamos a um outro objeto que é a voz e que aí a gente está no desejo do Outro. Por quê? Porque a voz é do Outro. Você quando escuta alguma coisa não dá tempo de você tapar o ouvido. A voz, ela não é assimilada, Lacan esclarece. Ela é incorporada. E pelo fato de ser incorporada é onde o desejo do Outro pode assumir a função de uma ordem. Então se a gente olhar naquela curva onde nós colocamos a voz, a gente pode colocar também o Super-Eu. Então, hoje tudo é permitido, digamos. É o que a gente observa na clínica do sujeito pós-moderno.  A questão da sexualidade, por exemplo.
Estou passando rápido. Fico até preocupada de dar esse exemplo.

Mas o sujeito que tem certa liberdade sexual, é importante que faça com que esse sujeito se estruture sexualmente de uma forma melhor. Mas chega um determinado momento que essa liberdade começa a funcionar de uma forma superegóica: Goze! Então esse sujeito que tem certa liberdade começa a usar esse desejo, mas como imperativo. Então eu posso fazer tudo. Então, aí são inúmeras atitudes ou comportamentos que a gente vê, não em função de uma escolha, mas em função de uma demanda super egóica, dessa voz do Outro que é incorporada.

Bem... Vou procurar concluir. Esse objeto é perdido nos diferentes níveis da experiência corporal em que se produz seu corte. É ela que constitui o suporte dessa experiência. É ela que constitui um suporte, um substrato autêntico de toda e qualquer função da causa. Porque quando somos causados por uma coisa, nisso fica um pedacinho de nós.

Quando se atende, por exemplo, o convite de uma amiga você tem algo que não dá para falar não. Por quê? Porque tem algo que te causa nessa relação. Eu acho que quando nos reunimos, domingo, 18 horas, com todos os computadores dando pane (tem mais gente com o computador dando pane por aí) tem algo que nos causa. Poderíamos fazer outra coisa, qualquer outra coisa?  Mas tem algo que nos leva a estarmos reunidos para falar da Psicanálise. Então, tem algo que nos causa. E é uma característica que Lacan destaca na questão do objeto. Quer dizer, é um objeto parcial, a função desse objeto é parcial, nós não temos uma totalidade do objeto que vá nos satisfazer. E somos objetos do desejo, como corpo. Por que Lacan fala isso?

Eu acho muito bonito, no Seminário 10: “É seu coração que eu desejo e nada mais”. A gente pode escutar isso metaforicamente, mas se a gente pensar bem nessa relação tem algo mais que se quer desse sujeito.

O coração não é tão metafórico assim. A gente vê a relação que se estabelece e que não se trata de ciúme. Tem algo no corpo do outro que atrai. Tem gente que procura e fala: “Eu procurei você, porque tem algo triste no seu olhar.” Eu nunca tinha percebido isso. {risos] Como fazer esse sujeito perder, porque se interessa por mulheres porque tem alguma coisa do olhar.

Quer dizer, tem alguma coisa do corpo nesse desejo. Quer dizer, somos objetos do desejo como corpo. E se você observa uma metonímia do sujeito que casa uma, duas, três vezes, e se for explicar o que tem em comum com esse parceiro a gente pode se surpreender, porque tem um objeto comum... às vezes é a ruga que faz entre o lábio e o nariz, por exemplo.

Bem, mas o que é objeto a?  Objeto a é um semblante e sua função é velar o nada. O objeto a é um semblante que toca o real. É um semblante que pode tocar o real. Mas a sua função é velar o nada. Porque ele é um semblante. Se a gente pensar no analista, na posição de objeto, é um semblante. E nessa posição ele pode tocar o real desse sujeito. Então o objeto a... eu acabei de apresentar para vocês, o objeto a como furo, assim como o que vem tamponado.

Muito obrigada! Boa noite! Bem, agora vamos abrir para as questões. Estou à disposição. Espero ter contribuído de alguma forma.

Conexão Lacaniana: Em primeiro lugar gostaríamos de agradecer Margareth. Agora vamos começar as perguntas. Obrigada. Vamos lá Margareth?

Pergunta (PR): O corpo é então a "materialidade" do objeto a? E essa materialidade é o Real?

Margareth Ferraz: ...Eu teria ter que entender melhor o que você está chamando de materialidade. O  que a gente vê: esse corpo... o objeto a como extração do corpo é algo que sai do corpo. Eu acho que nesse sentido, sim, nós podemos falar de uma materialidade. Quando o Lacan coloca o objeto com essa estrutura de borda, qualquer um desses objetos, de algo que ele apreende do Outro. Ao mesmo tempo é algo que faz uma marca para esse sujeito, quer dizer, é algo que ele apreende, é algo que faz uma marca para ele, mas ao mesmo tempo esse objeto é inapreensível. Então eu não saberia te dizer se é a materialidade do objeto a. Eu acho que no sentido do objeto como algo que resta da relação do sujeito com o corpo, sim. Embora seja algo da ordem de um furo, da ordem de um vazio, de que seja inapreensível, mas que ele tem essa função. Ele tem uma função de capturar inclusive o gozo.

Então, acho que podemos sim falar dessa materialidade. E certa materialidade é o real. O real eu entendo como o que ocorre nesse sujeito, o que não tem explicação para ele. Eu não colocaria aí na mesma ordem a materialidade do objeto a e essa materialidade é o real. Eu colocaria o real, mas como aquilo que o sujeito não tem como explicar, aquilo que é da ordem do inexplicável. Eu volto a ver essa questão. Eu estou raciocinando enquanto eu respondo.

Se pensarmos: o que o real faz com o sujeito? Sim, é da ordem da materialidade. Se eu pensar, por exemplo... Quando eu dei o exemplo do exibicionista, da devastação de um olhar. Quer dizer, é um olhar, é uma síncope desse olhar, é um corte nesse olhar, mas o que ele marca esse sujeito... E eu estou pensando no caso de um cliente que a mãe era costureira e as clientes da mãe trocavam de roupa no quarto desse paciente. Então, ele tinha que ficar de cabeça coberta para não ver as clientes se despir. E até que um dia ele chega da aula, acho que por volta de uns oito anos, ele chega da escola e quando ele vai entrar no quarto ele percebe que a mãe está lá com suas clientes. Ele volta, mas a tempo de ver uma mulher, uma moça jovem, nua, em frente ao espelho. E ele a descreve ao longo da vida. Uma pessoa que tem uma dificuldade muito grande de contato, muito grande. E o tema de toda a sua análise, quer dizer, o eixo dessa análise dele é como ele se esconde, como ele se esconde do olhar do outro. De andar de cabeça baixa, de não conversar na família, não conversar com o pai. Tem uma inibição sexual tremenda. Quer dizer, esse olhar, esse encontro com esse real é algo de material para esse sujeito, tem uma materialidade, sim. Não sei se te respondi. Esta questão é complicada, muito difícil.

Pergunta (SP): Por normalmente "se esconder" da cadeia significante, como encontrar o objeto 'a' em meio à fala do paciente?

Margareth Ferraz: Quando o paciente fala, ele normalmente circunscreve este objeto. No caso desse paciente com a questão do sofrimento, ele conta essas histórias da mãe, ele conta sobre todas as oportunidades que ele teve na vida. Por exemplo, ele faz Física e passa no vestibular na USP, ele faz Psicologia e ele passa no vestibular ele faz Medicina, ele passa. Só que quando ele começa a cursar essas faculdades, ele acha que aquilo é desnecessário, que ele pode aprender sem precisar de um diploma no curso superior. Ele vai contar a estória do jogo, por exemplo, ele diz que ele ia no pescoço do pai assistir ao jogo e o pai estava ali por conta do Pelé, mas ele estava ali por conta do sofrimento daquela torcida (corinthiana), uma, duas três, acho que durante cinco anos que não ganhava. Então, o que acontece, na medida em que o sujeito fala, e que um significante o remete a outro significante, a alguma coisa que ele não dá conta, quer dizer, alguma coisa escapa desse discurso.

Tem o caso de uma paciente que ela chega com um olhar diferente na sessão e fala de algumas coisas que eu não consigo entender porque alguma coisa naquele olhar que me intrigou. Então, ela fala de algumas questões, eu dou um tempo maior, e não sabia onde ia chegar, até que eu pontuo alguma coisa, um significante na fala dessa paciente que eu não me lembro no momento qual foi esse significante, afronta, por exemplo, eu marco esse significante e ela se assusta e começa a falar de uma cena de suicídio que ela tinha visto alguns dias atrás, então, ela fala daquela cena, de como ela presenciou aquela cena e de que aquela cena tinha a ver com o modo de gozo na relação com a sua família, por exemplo.

 Então, quando o sujeito fala, quer dizer, tem um significante, ele fala desse significante ele pode dar sentido, ele conta uma história, mas quando você marca, tem um objeto que cai naquele momento. É um olhar, foi uma voz que da forma que aquele corpo estava estendido no chão que captura esse sujeito e que remete a uma situação de gozo dela na infância. Então, quando o Lacan fala de um discurso, ele fala no seminário XVI, De um Outro ao outro, na primeira lição tem um quadrinho que ele fala assim: “A essência da teoria psicanalítica é um discurso sem fala”. Eu entendo essa frase como algo, quer dizer, não é que o sujeito não vá falar numa análise, ele fala, mas que o analista tem que perceber esse ponto de gozo do sujeito onde ele está amarrado. No caso dessa paciente, desse suicídio, tinha uma questão do olhar que se prendia numa situação de infância.

Não sei se eu te respondi, não é? Quer dizer, quando encontrar o objeto em meio à fala do paciente tem alguma coisa que repete na história desse sujeito. Então é alguma coisa que ele vai circunscrevendo esse objeto e que ele uma hora se dá conta disso. É claro que o analista dá uma direção, orienta, mas não é o analista quem vai nomear isso para o paciente. Às vezes até nomeia com um gesto, mas você não vai lá falar: olha, seu objeto é esse. E também esse objeto a gente não tem como apreender nas entrevistas preliminares. Mas na medida em que o sujeito vai falando em uma análise, a gente vai percebendo que ele volta sempre a um mesmo ponto, e geralmente é um ponto de gozo.

Pergunta (SP): Lacan relata que um analista talvez seja um catador de lixo, sobretudo não reciclável...

Margareth Ferraz: Bem, o que me remete essa questão sua, não sei, eu não conheço essa referência do Lacan. Ele fala da Publicación, ele faz um jogo de palavras entre poubelle que é lixeira em francês, com a publicação, que um sujeito para escrever tem que encher latas e latas de lixo ou o que é publicável serve muito bem para o lixo. Mas quando você me faz essa pergunta, “Lacan relata que o analista talvez seja um catador de lixo, sobretudo não-reciclável”, isso me remete à questão do analista como objeto. Quando a gente fala do analista como objeto, o objeto anal é merda, então a gente fala do analista como merda mesmo, ele ocupa esse lugar de dejeto. Agora, essa referência eu não tenho, eu não sei como ele... a gente pode colocar esse “... sobretudo não reciclável” na vertente do objeto, mas aí eu já estaria elucubrando, eu não realmente não conheço essa referência do Lacan.

Pergunta (SP): Como o sujeito rotulado pedófilo se relaciona com o objeto a? Como o objeto perdido?

Margareth Ferraz: Sônia, a gente tem que ver a questão do perverso, a gente teria que ter todo um desenvolvimento sobre a clínica da perversão. Eu não colocaria a questão como objeto perdido, mas como que é o objeto para o perverso? Essa questão é uma questão séria porque ela envolve a questão do gozo, e envolve a questão do gozo com o ser que não tem... quer dizer, não se trata de uma questão moral, mas de um ser, de uma criança, por exemplo, eu acho que eu teria que aprofundar essa questão. eu acabei de trabalhar a questão da perversão, mas eu não me arriscaria a responder como que ele lida com esse objeto. Como objeto perdido? Seria elucubração, eu prefiro passar. Fica essa questão para outra oportunidade.

O que a gente vê do perverso é que ele dá uma consistência a esse objeto, o objeto como vindo a satisfazer sua necessidade e esse objeto de alguma forma, quando a gente pega a fórmula da fantasia, que é o sujeito, punção, a, desse desencontro do sujeito com o objeto, quer dizer, sujeito, punção – aquele losango, a ( $ ‹› a ). O sujeito dividido ele lida com a impossibilidade de apreender esse objeto. O perverso é como se ele conseguisse apreender esse objeto.

Pergunta (CE): Por que não há outros objetos a, além dos 4 (seio, fezes, olhar e a voz)? Assim sendo, por que o objeto de cada fantasia singular tem que, necessariamente, se inscrever num desses 4 objetos especificados acima?

Margareth Ferraz: Olha, eu acho que entra aí a questão de corte e a questão da borda. É uma questão que é tratada na Escola, por exemplo, quando se fala da respiração.

Nós temos um caso de um colega de Buenos Aires, que apresentou o passe, e o interessante é que ele tinha uma questão que ele sentia falta de ar. Ele tinha toda uma história do pai, dele com as crianças, e tinha momentos cruciais que ele tinha crise de falta de ar. Ele fez análise até o final, fez o passe e ele conta como é a queda desse objeto. Eu sei que foi levantada uma questão dessa respiração porque não se tratava de um objeto, mas a relação que esse objeto tinha, essa falta de ar teria, com a questão do olhar do sujeito. Eu sei que tem a questão das bordas, que é por onde apreendemos o mundo, por exemplo, a questão da borda da boca, da borda do ânus, a borda fálica, desse corte que separa, essa parte do corpo.

Agora, se teriam outros objetos, eu acho que poderia ter sim, pela experiência que eu tenho, acho que poderia ter. Agora, no momento, não tenho nenhum estudo que a gente pudesse amplificar. Eu sei que tem um estudo do Miller, por exemplo, onde ele fala, “nós vamos falar dos objetos em Lacan, e nesse contexto eu não vou colocar o que eu penso a respeito de mais objetos, não vou colocar minha colher de pau”, um negócio assim.

Então eu acho que é possível, mas a ser estudado, é um tema que, principalmente por se tratar dessa globalização do sujeito que a gente tem na atualidade, quer dizer, a clínica dos objetos é a que melhor dá uma sustentação para tratar desse sujeito perdido, sem muita referência que a gente costuma receber na clínica, principalmente o jovem. Na análise com jovem dificilmente a gente consegue seguir os padrões. Eu acho que é um tema a ser pesquisado, aprofundado, mas por enquanto eu estou me debatendo com esses.

Pergunta (SP): A partir do seu exemplo do - "Goze!" - imperativo, super-egóico... é uma questão recorrente que objetos se alojem no nível 'equivocado'? Como lidar com isso na clínica?

Margareth Ferraz: Sim, porque como eu terminei minha fala, porque o que acontece, o objeto, é como se ele velasse alguma coisa.

 Por que é que o Lacan trabalha a questão da angústia? Numa análise, quando surge a angústia é sinal de que essa angústia aponta para um objeto, alguma coisa essa angústia sinaliza.
A possibilidade de tocar esse objeto angustia o sujeito. A gente vê que um sujeito, por exemplo, quando ele quer conseguir muito alguma coisa, quando isso ocorre para ele, quando ele começa a perceber os seus desejos realizados, ele entra em extrema angústia, ele se divide, porque a possibilidade dessa realização o remete a outras tantas questões.

Então, se está num lugar equivocado, é por conta de como esse objeto funciona no fantasma. E ele funciona porque ele serve de defesa ao sujeito. Ele serve de defesa inclusive contra a angústia. “Num nível equivocado”, eu acho interessante, porque você coloca inclusive entre aspas, porque tem uma função esse objeto.

Agora, ele é equivocado porque quando Lacan fala da potência, do olhar, da potência da miragem, tem alguma coisa aí que vela. Quer dizer, é equivocado, mas ele está sempre neste lugar. Agora, eu não consegui entender a relação desse “goze” com o “nível equivocado”. Porque ele é equivocado eu entendo por essa questão de funcionar no fantasma e de servir dessa defesa para o sujeito. Ele funciona como semblante, vela o nada, mas tem uma função nesse lugar.

Pergunta (SC): O objeto a tem a ver com o semblante (necessita da presença), por exemplo e remete a uma situação de corpo; então, ele diz respeito a situações já vivenciadas mas que não pertencem ao discurso (escaparam ao significante); e se entendi bem, o objeto a é guardião do real (do que não existe) porque não tem com que se associar. Isto está correto? Mas para tratar disso que escapa à linguagem, no caso do exemplo da mãe costureira que viu a cliente nua, este fato não está ligado ao significante em Nome do Pai?

Margareth Ferraz: Eu falei desse fragmento rapidamente, tem uma questão sim, da questão do significante do Nome-do-Pai em termos da orientação desse sujeito. É um pai que não escutava, é um pai que não tinha qualquer fala com esse paciente, ele não falava com o pai. Ele era de uma família muito calada, até por questões culturais.

Esse fato sim tinha a ver com o pai, essa falta de referência, essa falta de circular a palavra, não tinha alguma coisa que pudesse fixar esse sujeito tanto que o motivo dele era muito grande.

Quando eu falo dessa questão do olhar, tem alguma coisa que capta o sujeito, que captura o sujeito nessa imagem que ele vê dessa mulher pelada, é o rapaz que chega no quarto e se depara com essa jovem na frente do espelho. Porque quando ele fala das mulheres pelas quais ele se interessa, fala em um primeiro momento em que ele não entende o porquê ele não sustenta aquele interesse dele pela mulher. Ele vê as mulheres, olha, gosta, e quando ela se mostra interessada ele sai fora. E ele que chega a essa conclusão de que aquela primeira olhada dele para a mulher ele sustenta, e relaciona com o fato dele ter visto, e isso é ele quem fala, está no discurso dele, de ter visto essa mulher em uma situação na qual pôde olhar e, para ele, o mais importante, é que ela não o viu. Porque, quando a mulher percebe o olhar dele, aí ele sai fora.

Agora, nós vimos a articulação do Lacan do a aos nomes do pai. Ele tanto tem esses objetos, que são vários objetos, no Seminário 10, são múltiplos, assim como os nomes-do-pai também, ele pluraliza os nomes-do-pai. Mas nesse caso eu acho que teria a ver com esse objeto. Não sei se eu fui clara.

Pergunta (SC): Foi claríssima, ótimo.

Margareth Ferraz: Maria Luiza Renaux disse que eu fui clara, está bom, obrigada, bom ter retorno. Sem olhar para as pessoas eu acho que é difícil, sem esse olhar...

Pergunta (CE): Pode haver fantasias organizadas em torno de outros objetos? Por exemplo, na menstruação, perde-se algo do corpo, algo cai. E não falo só do sangue menstrual; perde-se, antes de tudo, um óvulo e a possibilidade de fecundação. Perde-se um estado fálico de possibilidade de fecundação e perde-se um possível pai que esse óvulo poderia ter. Atrás dos sintomas pré-menstruais e menstruais existem fantasias organizadas, perde-se algo do corpo, há um "se fazer" pulsional (fazer sugar - seio, defecar - fezes, ver - olhar, ouvir - voz), o fazer sangrar, então por que a menstruação não seria um objeto a?

Margareth Ferraz: Interessante, interessante essa articulação, Juçara.
Eu acho interessante essa articulação que ela faz com a menstruação, eu acho que existe essa possibilidade, da mesma forma como eu disse que eu acho que a gente teria que pesquisar mais, estudar, pesquisar essa questão do objeto. A partir, inclusive, do exemplo que eu dei do faltar o ar que não estaria diretamente ligado a um objeto. Indiretamente nós vimos alguns trabalhos que tentam fazer essa explicação. Acho interessante essa questão que a Juçara levanta, que não é uma pergunta, eu acho que ela faz uma articulação em torno da questão da menstruação.

Pergunta (SP): Entendi que o gozar deveria estar no nível do 'Je' e não do super ego. Sendo o objeto 'a' "um semblante que vela o nada" e nós nos constituímos em torno desse objeto, seremos condenados a sermos seres ocos ou há uma esperança de encontrarmos algum significado possível de preenchê-los?

Margareth Ferraz: Sim, porque se trata de um objeto causa de desejo. No seminário 23, O Sintoma, ai, eu já não sei mais se é no Sintoma, mas tem algum lugar que Lacan trabalha a questão do objeto como peças avulsas. E ele fala do objeto como algo que emperra o sujeito, que muitas vezes o fato de você emperrar, é como se você fosse polir aquela peça que está emperrando o sujeito.

 E o fato de trabalhar essa questão, de extrair esse gozo, digamos assim, isso vai fazer com que o sujeito possa funcionar. Quando há essa extração do objeto, o sujeito pode ficar, pode se apaziguar com esse sintoma que ele estabelece.

 No caso desse paciente, com essa questão de sofrimento, ele olha que esse sujeito teve uma situação caótica de um gozo infernal, eu acho que, como ele mesmo disse, “eu fui ao fundo do poço”. Então, esse sujeito quando começa a perceber a relação dele com o sofrimento, quando ele fala do sofrimento e desse desinteresse dele pelo que não leva ao sofrimento, ele começa a falar disso de uma outra forma, ele pode mudar a relação dele com o gozo.

 Quando Freud faz Análise terminável e interminável, ele termina no rochedo da castração, termina em um impasse, e o que Lacan propõe, quando ele fala que essa clínica do objeto vivifica o sujeito é exatamente porque ele propõe um ir além. Quando se tem um objeto de desejo, o sujeito fica fixado nesse objeto.

 Quando nós falamos do objeto como causa de um desejo, isso vai além, quer dizer, o desejo é uma ilusão, mas esse desejo tem uma função.

Não sei se vocês percebem que é algo paradoxal. Sua questão tem tudo a ver. Não se trata em se relacionar com o real duro, tem a pergunta de uma pessoa que me falou agora ali, a da materialidade do real, não se trata de se colocar o sujeito frente a esse real. O significante, o simbólico tem uma função.

Se a gente pensa no caso da psicose. Quando o semblante vacila, o sujeito entra em uma angústia tal que ele perde as referências. Ele entra em crise, ele tem um surto. Então, o semblante é importante. Agora, é um semblante, esse semblante que vela o nada, ou esse semblante que pode emperrá-lo, ele pode fazer alguma outra coisa com isso, ele não precisa ficar emperrado nas suas neuroses, na sua forma de gozar. Um sujeito quando, quer dizer, porque é um imperativo categórico, é do supereu, porque é uma voz que vem do outro, não vem dele. Quando eu falo, eu não tenho que dar conta do que eu estou falando, em análise, é claro. Você não confronta o sujeito que fala um dia uma coisa e no outro dia ele fala outra. E às vezes ele fala assim: “Eu nunca falei isso na minha vida”, porque o que ele falou em determinado momento, esse “Jê” que ele fala em determinado momento, tem a ver com aquela situação. Agora, por que é superegóica? Porque essa voz vem do Outro.

Deixe-me ver se tenho um exemplo aqui, que é a segunda vez que eu pego para ler e eu me perco aqui, porque eu acho que é um exemplo de uma relação com a voz, Angelino. É um texto pequeniho, de um livro que chama Scilicet, o livro desse congresso que eu acabei de falar para vocês, O objeto a na experiência analítica.

Então, tem um exemplo, é um texto que se chama  “A voz – com que objeto se fala”, da Ana Ruth Najles. Ela dá um exemplo, termina o texto dela com a afirmação do Miller: “se nós conversamos tanto, cantamos, fazemos música, é para fazer calar a voz como objeto a. Tal é o caso de uma mulher jovem que para calar o vozeirão materno, que a leva sempre ao pior, e para desviar o olhar imperativo do parceiro que a mantém despertada durante noites inteiras com um falatório infernal, algo que lhe gera ódio, tristeza e angústia contínua”. Quer dizer, essa mulher que para se livrar do vozeirão da mãe, do olhar imperativo e desse falatório do marido a noite inteira, “dedica-se a tocar piano e tomar aulas de harmonia musical como modo de se orientar na vida”.

Então, o que vemos, essa voz vem do Outro, e quando Lacan fala que você incorpora é que se torna imperativo. A gente vê no discurso dos jovens: “por que você não pode usar essa droga? É só uma cheiradinha”, quer dizer, tem algo que começa com o imperativo e o sujeito se liga àquele objeto não por conta de uma decisão dele, mas desse imperativo que vem do Outro. De uma situação que ele pode namorar e ter um relacionamento sexual, ele passa a namorar cinqüenta parceiras por dia, com os exageros à parte, por quê? Porque se pode, pode. Então eu acho que é superegóico e não no nível do “Je”, porque é a partir do Outro. 

Conexão Lacaniana: Bom, agora peço que encerremos as perguntas...

Margareth Ferraz: Conexão Lacaniana, muito obrigada, eu que agradeço vocês, espero ter contribuído para começar um estudo e retomar essas questões. Eu acho que a questão da pedofilia da Sônia, tudo bom Sônia? É importante a gente retomar essa questão, é uma questão calcanhar de Aquiles da Psicanálise e eu acho que é uma, quer dizer, o que eu quis apresentar para vocês foram alguns dados para poder reavivar essa questão. Eu agradeço muito a vocês, foi uma experiência fantástica. Eu agradeço ao Suporte Técnico, Conexão Lacaniana, ao dr. Márcio Peter, a todos alunos, para todos vocês, muito obrigada.

Eu estou lendo aqui o agradecimento de cada um, eu realmente fico tocada e espero ter contribuído. Muito obrigada a vocês.


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