Conferência com Mauro Mendes Dias

"Sobre as homossexualidades"

Mauro Mendes Dias - Psicanalista, Membro fundador da Escola de Psicanálise
de Campinas, responsável pelo grupo de trabalho sobre "As psicoses em Lacan"
e apresentação de pacientes no Hospital São João de Deus, em São Paulo.
Acaba de concluir o seminário "Sobre as homossexualidades".


Conexão Lacaniana: Primeiro gostariamos de apresentar o Dr. Mauro Mendes Dias, é um prazer tê-lo aqui conosco. Bem-vindo ao chat! Gostaríamos de sugerir que dr. Mauro nos falasse sobre seu último trabalho, seu Seminário "Sobre as homossexualidades".

Mauro Mendes Dias: Em primeiro lugar tenho o prazer de estar com vocês, já que aquilo que nos reúne é o trabalho, a obra, de meu amigo Márcio, com quem aprendi muito desde os primeiros passos na psicanálise.

Conexão Lacaniana: Dr. Mauro, esse seu novo seminário trata das homossexualidades, certo?

Mauro Mendes Dias: Sobre as homossexualidades o que posso dizer é que apresentei o tema no plural já para fazer valer desde o início a problemática da diferença sexual, ou seja, a homossexualidade masculina se estrutura de forma diferenciada da feminina. Mais além me importava também que hoje, é preciso discernir uma abordagem das homossexualidades com sujeito de uma outra, a qual boa parte do movimento gay participa, numa ligação estreita com o discurso do capitalista e da ciência.

Conexão Lacaniana: Qual a diferença?

Mauro Mendes Dias: A diferença é que, por exemplo, quando foi anunciada a descoberta do gene gay , boa parte da comunidade homossexual deu boas-vindas à notícia, tendo em vista que assim ficava comprovado que não havia qualquer tipo de escolha, de implicação do sujeito junto ao sexo. Não somente a interrogação subjetiva se estreita, mas também dessa forma sentem-se à vontade para subsumir toda a problemática sexual ao discurso do mestre, qual seja, o discurso jurídico, aonde os homossexuais encerram notoriamente suas questões.

Conexão Lacaniana: Qual a posição da psicanálise diante disso? O discurso científico de uma forma exclui sujeito e decisão.

Pergunta (RJ): Bem interessantes, a idéia da identificação ao sinthome como suplência, ligada ao final da análise me interessou muito.

Pergunta (SP): Qual seria a interrogação subjetiva dos homossexuais?

Conexão Lacaniana: Penso que a questâo homossexual ligada à histeria seria sou homem ou sou mulher? Enquanto que na psicose passaria pelo empuxo-à mulher. Concorda Mauro?

Mauro Mendes Dias: Há uma dificuldade bastante acentuada de abordar essa questão pois tendo em vista a dominância dos homossexuais na cultura, ninguém quer se incompatibilizar com eles, então tudo se passa como se a homossexualidade e a heterossexualidade fossem a mesma coisa. Me deu bastante trabalho mostrar as diferenças de posição sem cair no erro histórico de apontar a homossexualidade de saída como uma perversão, o que não é, já que existem homossexualidades na neurose na psicose e na perversão.

Conexão Lacaniana: Juliana, lembrando do seu interesse, dr. Mauro tem um livro publicado sobre moda e psicanálise. O que diz da bissexualidade?

Mauro Mendes Dias: É certo que o empuxo-à-mulher participa de uma modalidade de homossexualidade na psicose, desde que consideremos que esse empuxo é menos a homossexualidade no sentido da neurose, e mais evocação da questão transexual. É toda a diferença entre Freud e Lacan em Schreber, como vocês bem sabem.

Conexão Lacaniana: Essa diferença é muito importante.

Mauro Mendes Dias: Penso que a bissexualidade entendida freudianamente foi um recurso bastante válido na época, ainda mais se considerarmos que ele não foi pioneiro nisso. Hoje em dia, desde Lacan, me parece que a posição feminina e a masculina, com suas diferentes referências à função fálica, assim como a abordagem de um universal desde o falo, promove questões bem mais férteis.

Pergunta (RJ): Seria possível diferenciar então o transsexual no registro da psicose, o travesti na perversão e o homossexual na neurose?

Mauro Mendes Dias: A tentativa de situar as diferenciações segundo suas sugestões são bastante louváveis, desde que não as consideremos de uma maneira muito fixa, já que se encontram homossexuais na psicose e que não têm qualquer tipo de delírio transexual. De outra parte é certo também que existem experiências de homossexualidade na adolescência de sujeitos neuróticos que mais adiante os lançam na psicose com delírio de perseguição tipicamente paranóico.

Pergunta (SP): Gostaria de complementar essa pergunta. Tenho um paciente histérico que se dirige muito em relação ao homossexualismo mas isso de deve a uma forma de fobia em relação ao orgão feminino visto como castrador. Como seria uma postura, pois o paciente é virgem aos 30 anos e não sabe mais o que fazer.

Mauro Mendes Dias: O paciente é homem ou mulher?

(SP): Homem. A pergunta é: na histeria, a homossexualidade ainda deve ser encarada como um sintoma?

Mauro Mendes Dias: Bem, Juliana, você mostra bastante clareza ao aproximar a histeria da homossexualidace, já que é esse o tipo clínico, por excelência que participa de dúvidas e experiências nesse campo. No entanto, é fundamental que em se tratando de histeria masculina, que a homossexualidade seja encarada como um sintoma desde o qual o sujeito responde, por evitação, a um comprometimento com o significante fálico. Uma dica: jamais aborde a homossexualidade como sendo a questão que o define. Você poderá ter êxito, desde aí.

Pergunta (SP): Você fala da dominância dos homossexuais na cultura. Porque, a partir de quando e como Você considera que isso ocorre?

Mauro Mendes Dias: A dominância dos homossexuais na cultura em termos de movimento social começa aos finais dos anos 60, em São Francisco. Travou-se uma batalha entre eles, com a adesão dos travestis e a polícia americana.

(SP): Eu trabalho muito a questão da identidade com ele, já que seu Outro fala de um homem que ele não consegue ser... o maior problema é o Outro... ele fala de um tipo de homem viril que ele não alcança, ele se sente feminino, mas ao mesmo tempo seu ideal é casar e ter um filho (masculino) e ele teme as mulheres, a mulher é vista como castradora, literalmente isso pra mim tem sido dificil, pois nunca consegui entender como um homem se torna histérico.

Mauro Mendes Dias: É preciso ter um pouco de cuidado posto que a melhor maneira de um sujeto se problematizar pelo desejo, que é o que nos importa, é encontrar a escuta de um psicanalista sem o compromisso de querer situá-lo numa posição classicamente definida na cultura como gênero.

No meu entender, essa foi uma das elaborações que levei adiante no seminário, nosso momento histórico se qualififica por uma aliança inédita, qual seja, do homossexualismo com o discurso do mestre, ou seja o discurso jurídico. Isso porque, não há questão homossexual hoje que não passe por um apelo à lei. O que dificulta enormemente o problema, já que ser homossexual, no meu entender desde a psicanálise, não se confunde com uma escolha de objeto do mesmo sexo. As heterossexualidades aparentes, como Lacan se refere em relação ao caso Hans, estão aí para comprovar.

Pergunta (SP): Gostaria de fazer uma pergunta relacionada com o ramo acadêmico. Venho prestando mestrados há dois anos e em vários casos percebo uma discriminação contra Lacan. Com outros autores isso parece ser mais ameno. Você acha que com Lacan é um caso de amor ou ódio?

Conexão Lacaniana: de hainemamoration (ódiamor).

Pergunta (SP): Ah! isso é uma angústia minha mesmo.

Mauro Mendes Dias: Sabe Juliana, essa sua pergunta mereceria um outro encontro, no entanto, é certo que Lacan desperta amódio não só entre os universitários, mas também entre os próprios lacanianos, daí as diferentes fraturas em nome da defesa incondicional de sua obra. Recurso ideal para encobrir o ódio. No entanto, penso que há uma herança (sim podemos nos estender).

Pergunta (SP): Dr. Mauro, você poderia explicar um pouco melhor esta diferenciação entre homossexulidade e escolha de objeto do mesmo sexo a que você se refere?

Mauro Mendes Dias: Sintomática, que vem do próprio Lacan, e que se refere à responsabilidade pela divulgação e transmissão de seu ensino através de seu genro, notadamente marcado pelo discurso universitário. Esse sintoma tem estado à altura das questões que seu ensinamento promove? Eis a questão que interessa considerar, no meu entender.

Pergunta (SP): Já havia percebido essa cisão. Bem obrigada pela sinceridade, uma que parece ninguém nomear.

Conexão Lacaniana: Será que era só sintoma do Lacan e não do Miller?

Pergunta (RJ): Juliana, aqui no Rio é diferente, os mestrados e doutorados que abordam a psicanálise estão tomados pelo estudo de Lacan. Agora com relação às divergências entre os próprios lacanianos isto se encontra muito também.

Pergunta (SP): Eu encaro as dificuldades do Lacan no interior, e como boa histérica acho isso injusto. Mas você Adelina já havia me falado sobre o Rio. Tenho que ver minhas perspectivas.

Mauro Mendes Dias: Certamente que não por acaso ele acolhe esse posto, o que não o diminue no meu entender, ao contrário, multiplica suas responsabilidades.

Pergunta (SP): Realmente. Fico pensando em Lacan como uma forma de revolução, assim como Freud foi nadar contra a maré, pois muitos pacientes querem respostas prontas, e se não a tem, vão embora.

Mauro Mendes Dias: Sim, desde que você considere, tal como ele mesmo afirmou no Seminário XVII, que a revolução é não ter nada o que propor como solução.

Conexão Lacaniana: Juliana, Lacan foi um pensador além de seu tempo e, nesta medida, evidentemente, provoca os mais diversos sentimentos, muitas vezes, ambíguos, em todos os historiadores da psicanálise. Depois de Freud, entre tantos, ele é o mais importante. Então, ele provocou mesmo amor e ódio em todo mundo. Normal.

Conexão Lacaniana: Pessoal, está na hora de terminarmos nosso chat. Gostaria de agradecer em nome da Conexão Lacaniana pela presença do Dr. Mauro e de todos.

Mauro Mendes Dias: Agradeço pela acolhida de vocês, peço desculpas pelo embaraço com computador, e sempre que quiserem estarei à disposição, pois como disse antes, para mim o trabalho do Márcio é único. Abraços a ele e a vocês.

Conexão Lacaniana: Mauro, nós é quem agradecemos sua disponibilidade. Foi um prazer enorme para todos nós podermos contar com sua presença e colocações instigantes, convidam-nos a pensar mais sobre o tema. Esperamos poder contar com você novamente.

(SP): Bem , boa noite a todos, foi um curso muito enriquecedor, apesar de dificil, e espero encontra-los no futuro....

(RJ): Boa noite a todos e foi um prazer estar com o Mauro e colegas nesta interlocução.

Conexão Lacaniana: Boa noite a todos!

 

Núcleo Márcio Peter de Ensino - Conexão Lacaniana
Curso OnLine "Além do Édipo: O último ensino de Lacan"
Conferência 02/12/07 | Moderação: Carla Audi | Assistência: Ana Maria Ferraz

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