NÚCLEO MÁRCIO PETER DE ENSINO - CONEXÃO LACANIANA
CURSO ONLINE 2009/1 - "DEUS É A MULHER - A FEMINILIDADE EM LACAN"

 

Vídeoconferência com STELLA JIMENEZ

DEUS ÉMULHER NO FINAL DE ANÁLISE

Stella Jimenez_Marcio PeterStella Jimenez é médica-psiquiatra e psicanalista; DEA (Diplome des Études Aproffundies) do Campo Freudiano pela Universidade de Paris VIII; AME (Analista Membro de Escola), membro da AMP (Associação Mundial de Psicanálise) e EBP/RJ (Escola Brasileira de Psicanálise). Organizadora de "O desejo e o diabo: As formações do inconsciente em Freud e Lacan", Editora Contra Capa, 1999; "Mulher", Ed. Contra Capa Livraria, 1995; "O Cartel: Conceito e funcionamento na Escola de Lacan", Editora Campus, RJ, 1994, além de vários artigos em jornais, revistas e periódicos.


Conexão Lacaniana: Boa noite a todos, em nome da Conexão Lacaniana e de toda a equipe, em nome do dr. Márcio Peter de Souza Leite, estamos dando início agora à última conferência do curso 5 da Conexão Lacaniana - “Deus é A Mulher - A feminilidade em Lacan”.

Estamos honrados com a presença da dra. Stella Jimenez, que vai nos falar sobre “Deus éMulher no final de análise”. Stella Jimenez é médica psiquiátrica, é psicanalista, é DEA (Diplome des Études Aproffundies) do Campo Freudiano pela Universidade de Paris VIII, é AME (Analista Membro de Escola) e membro da AMP (Associação Mundial de Psicanálise) e da EBP/RJ (Escola Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro). É organizadora do livro O desejo e o diabo: As formações do inconsciente em Freud e Lacan, pela Editora Contra Capa, 1999; de Mulher, Ed. Contra Capa Livraria, 1995, e de O Cartel: Conceito e funcionamento na Escola de Lacan,  pela Editora Campus, RJ, 1994; é autora também de vários artigos em jornais, revistas e periódicos.

Enfim, é um prazer muito grande tê-la conosco esta noite, especialmente pelo tema, que é um arremate, a chave final do nosso curso Deus é A Mulher – a feminilidade em Lacan. É um prazer muito grande e me honra muito estar aqui mediando esta conferência. Eu gostaria de lembrar a todos os alunos que, assim que a nossa convidada terminar a sua fala, nós abriremos espaço para perguntas, e peço que coloquem  por ordem as questões, que Stella Jimenez irá respondendo na medida em que forem chegando.

Dra. Stella, mais uma vez, boas-vindas! É um prazer muito grande tê-la aqui conosco. Eu passo a palavra à Stella Jimenez.

Stella Jimenez: Antes de mais nada, gostaria de agradecer o convite ao Márcio Peter especialmente, a todos os integrantes da Conexão Lacaniana,  ao Suporte Técnico que foi tão amável e tão paciente para me dar as indicações. Então... vou começar dando uma definição do que seria um final de análise. Já que começarei falando de algumas coordenadas do final de análise, para depois as articular com os conceitos de Deus e o conceito da Mulher.

Lacan, no texto “O Espaço de um Lapso”, seu último texto escrito,  que foi publicado como prefácio da edição inglesa do Seminário XI, diz de uma maneira poética: “Quando num espaço de um lapso já não tem nenhum impacto de sentido ou de interpretação, só então temos certeza de estar no inconsciente, o que se sabe por si mesmo, mas é suficiente que se preste atenção a isso”  —diz Lacan— para do inconsciente sair.

A este inconsciente fora do sentido,  Miller o chama de Inconsciente Real, para  o diferenciar do Inconsciente Transferencial, que seria o equivalente  ao inconsciente estruturado como  uma linguagem, ao inconsciente como Grande Outro. Ou seja, o inconsciente que interpreta, que cifra ou que decifra, que trabalha, que trabalha continuamente transformando, como diz Freud; ou gozando, como diz Lacan.

Ou seja, esse seria o inconsciente transferencial, seria o inconsciente simbólico, o inconsciente dos significantes. O inconsciente Real seria aquilo que se toca em algum ou alguns  momentos da análise, o momento em que se percebe o nonsense absoluto, a inconsistência do Grande Outro. É um momento de implicação absoluta em que o sujeito percebe a contingência de sua  vida  e a sua responsabilidade pela sua fantasia e pelos seus objetos. A partir deste momento, ele não pode atribuir mais nada ao Grande Outro,  porque percebe que esse  Grande Outro é só uma invenção dele mesmo. Esse momento em que isso seria tocado é chamado de momento de passe, por Lacan.

Podemos mostrar no Nó Borromeano o que seria tocar esse Inconsciente Real.


Stella_image001

 

 

 

 

 

 

Ou seja, o Inconsciente dito Transferencial seria isto [seta abaixo],  seria o Simbólico. O Inconsciente Real seria quando se toca tudo isto que é  o Real, fora do sentido, —ou seja, vemos que o sentido está aqui— este é o sentido.


Stella_image003

 

 

 

 

 

 

Aqui, isto seria então tudo que está por fora do sentido e por fora do Inconsciente Transferencial —que é isso— [ilustração abaixo], seria  o inconsciente Real, que seria isto.

Stella_image005

 

 

 

 

 

 

Agora vou voltar ao Nó Borromeano. Então, podemos dizer que estes momentos de passe correspondem a tocar o Real fora do sentido, e também, e é isto que nos interessa aqui,  já que vou falar de Deus e da A Mulher, é atravessar o ponto do gozo do Outro barrado, que seria, especialmente,  isto daqui [ver ilustração abaixo]. Esse seria o ponto do gozo  do Outro barrado. Esse ponto é chamado de  o verdadeiro buraco por Lacan (em amarelo).

Stella_image006
 

 

 

 

 

 

Porque, segundo Lacan, é o ponto em que se percebe que não há  Grande Outro do  Grande Outro. Se existisse esse Outro fora do Simbólico, o Simbólico seria fechado ou “fechável”, “completável”, consistente, como aparece na fantasia do neurótico. Na fantasia do neurótico, o sujeito se imagina  sendo o objeto que vai vir a complementar o outro. Isso, sabemos, é  a fórmula da fantasia, Stella_image008 Sujeito Barrado “poinçon a”, ou seja, sujeito imaginando que o Outro é “completável” e que ele vai vir complementar esse Outro. E que isso é algo que ele imaginaria que pudesse acontecer, que pode vir a complementar esse outro, mas,  ele teme e deseja vir a complementar esse outro.
Então, o verdadeiro buraco é ai onde deixei a seta:

Stella_image010

 

 

 

 

 

 

Sem atravessar esse buraco, o gozo do Outro, do Grande A, é sentido como aterrorizante. Atravessando esse buraco, o gozo do Outro pode passar a ser desfrutável. Lacan vai dizer que atravessar esse lugar, esse lugar onde deixei a seta, é “sair pelo bom buraco”.

Mas também temos o passe no dispositivo, porque digamos, como eu falei antes, tocar esse Inconsciente Real, e atravessar esse ponto do gozo do Outro, seria no momento do passe da análise, mas também temos o passe no dispositivo, e esse passe no dispositivo, Miller o chama de “passe bis”.

Segundo Miller, aqui se trata de certa regressão em direção ao Inconsciente Transferencial. O sujeito volta para o campo do sentido, volta para o campo transferencial, mesmo que agora sob  a forma de transferência de trabalho. Lacan fala em historização e faz um jogo de palavras com histerização, ou seja, o sujeito volta a uma certa posição histérica, já que o sujeito deve mentir, histerizar-se para passar uma história, uma construção, com os pedaços do real esparsos em que esse sujeito se verificou durante a sua análise.

Lacan fala de uma verdade mentirosa a que se apela para poder-se historizar, ou histerizar no passe.

Para o analisante, essa chegada ao Inconsciente Real, e o atravessamento do ponto em que se verifica que não há grande Outro do Outro, é cheio de conseqüências. O analisante depois de ter tocado o inconsciente real, sabe que no milagre da verdade só é possível atingir a mentira; e testemunha, no momento do passe no dispositivo, essa verdade mentirosa, essa mentira sincera que é uma história de vida. Eu diria que o sujeito, por ter chegado a este ponto mais singular de seu gozo que seria o lugar da última referência no sujeito, não pode deixar de perceber o absoluto nonsense desse lugar.

Tem algo muito absurdo, de nonsense absoluto, em que alguém tenha construído o edifício de sintomatologia de sua vida sobre um edifício de  ficção feita com seu objeto privilegiado, e isso denuncia o nonsense absoluto que rege o ser humano.

A partir deste momento é possível construir outra verdade, sabendo que também é mentirosa. Que saiba o que fazer com a modalidade do gozo implicada na construção fantasmática, e poder fazer uma outra coisa com esse gozo.

Esse lapso em que se percebe que não há mais sentido, Miller o chama de momento de solidão absoluta. Não há amigos, não há parceiros no inconsciente Real, eu acrescentaria que é o momento de máxima liberdade, no qual o sujeito se liberta do peso do outro. Num percurso de análise é possível tocar, geralmente mais de uma vez,  esse ponto do real fora do sentido.

Eu escolhi tomar o passe de Mauricio Tarrab para poder falar desses momentos de passe. Vou dizer algumas coisas do passe de Mauricio Tarrab para pessoas que não o conhecem. A sua queixa, quando começou a análise, era de que vivia angustiado com a sensação de fatalidade, que o levaria a morrer jovem. Ele se chama Mauricio Tarrab, mas ele diz que seu apelido era Mauricio, mas Mauricio afrancesado. Que o pai e sua mãe, então, o chamavam  de Maurice. Mas o  chamavam Maurice  com uma pronúncia espanhola e Morise quer dizer “você morre”.

E que uma de suas lembranças da infância, lembra que depois de um desmaio, escutou sua mãe dizer: “você tem um sopro no coração”. O analista falou: “essas palavras penetraram no seu corpo”. Então ele percebe que estas palavras tinham ficado nele escritas. Depois, a partir de um sonho, um sonho em que alguém estava lendo algo e ele diz que isso não era seu, o analista falou lentamente: “não é seu”, ou seja, apelando para a denegação da frase. Então, ele, Mauricio Tarrab, chega à conclusão de que as palavras Morise e sopro estavam nele escritas, a leitura delas era de sua exclusiva responsabilidade. Só que ele abstraia um gozo delas. Então ele considerou que isto era um momento de passe clinico de Mauricio, apesar de que ainda falta muito.

Ele disse assim (estas são as palavras dele):  “Se produz a partir daí um giro decisivo no sintoma, a interpretação mostra a leitura que o sujeito continuava fazendo, atribuindo ao grande Outro  um desejo  mortificante”.

A conclusão foi que “se o que está escrito não é meu, a leitura sim é minha, e terei que me fazer responsável por esta leitura e pelo gozo que eu tirava desta leitura”.

Ou seja, neste momento, se percebe a falácia de atribuir ao Grande Outro um desejo mortificante. Podemos dizer que o sujeito toca o nonsense desta construção e começa a perceber este lugar de incógnita  absoluta, que é o desejo do Grande Outro.

Volto às palavras de Mauricio, “a interpretação separa a fatalidade tanto do nome como do escrito no  Grande Outro e que era supostamente destinada ao sujeito.  E indica o lugar do gozo incluído nesta mesma leitura. Inteiramente de meu lado ficaria nas conseqüências desta leitura que fixou tanto o pathos de uma identificação como o gozo sintomático. O alívio é impactante. Algo essencial do peso da mortificação tem caído e o final desta época de análise, foi acompanhado da evidência de que já não se tratava da identificação a um órfão —que ele falava sempre que se identificava com um órfão—, mas do que se gozava sendo esse órfão”.

Mas o momento mais decisivo do passe se produz quando o sujeito enuncia o que seria seu último lugar referencial. O lugar último referente ao objeto que ele se tinha construído para complementar o Grande Outro. Esse lugar era ser o sopro que faltava ao pai.

Ele consegue construir esse lugar referencial último a partir de um acontecimento imprevisto que acorda nele a lembrança de um episódio que sempre contavam da vida do pai, quem, na sua infância,  estivera em perigo de morte por uma doença pulmonar e que tinha que encher com seu sopro uma bola de futebol para estimular a capacidade pulmonar. Então, essa fórmula final  do lugar referencial do sujeito —ser o sopro que falta ao pai—, isso identifica o ser do sujeito e define qual era o seu objeto privilegiado.

Este segundo sopro retoma aquele primeiro sopro que era o traço escrito no corpo. Então,  ele se propunha a alentar o outro, soprar no buraco do  Grande Outro. Isso era a matriz da fantasia que então se podia construir.

Ele tem outra lembrança que diz que mostra claramente esse lugar em que ele se colocava. Quando o pai dele dormia durante a tarde, a criança se deitava ao seu lado atenta à sua respiração, e num jogo onde tentava igualar a sua respiração à respiração do pai, vigiando para que a respiração do pai não se interrompesse.

Ser o sopro do pai, é a vertente Nome-do-Pai daquilo que penetrou no corpo pela langue materna.  Então, a partir daí, a forma com que o sujeito se relacionava com seus parceiros ficou evidenciada. Ele necessitava que o outro tivesse buracos explícitos, que sofresse, que mostrasse falta, para ele poder alentá-lo.

Ora, ser o sopro que falta ao pai é um nonsense, é uma besteira, é uma bobagem. Essa bobagem denuncia a inconsistência do Outro construído, que permite ao sujeito sair, e isso permite ao sujeito sair, como diz Lacan, “pelo bom buraco”.

Então,  voltando ao Nó Borromeano, se esse lugar fora do Simbólico existisse, esse lugar onde está marcada a seta,  o Simbólico seria consistente, seria aquilo que o sujeito deseja que fosse. Tocar que  esse lugar não existe, é  tocar que o  Grande Outro é uma invenção do próprio sujeito, é começar a aceitar a idéia da alteridade absoluta. No caso de Tarrab, esse Outro, o Outro que ele se tinha construído, era um Outro doente, necessitado de alento. Em outros casos se trata de um  Outro ameaçador, um Outro gozador, ou seja, é o Outro sempre que o sujeito deseja que seja, para poder se imaginarizar sendo seu objeto.

Em Tarrab, como em todo sujeito, podemos ver as duas caras da fantasia. As  duas caras, o arcabouço significante da fantasia. Uma cara seria “o outro me necessita como a seu sopro, como seu alento”, é como dizer “o outro não vive sem mim, eu sou o ar que o Grande Outro respira”. E a outra cara: “o Grande Outro necessita que eu esteja morrendo, que tenha um sopro no coração, que esteja doente de morte e se este é meu destino, esta é a fatalidade que me espera”.

Então, voltemos ao verdadeiro buraco. Porque agora vou passar a falar de “Deus” e  de “Deus é Mulher”.

Acontece que esse verdadeiro buraco é o ponto do gozo do Grande Outro, do gozo da mulher e do gozo dos místicos.

Conhecemos  a frase de Lacan: “Por que não interpretar uma face do outro,  a face Deus como suportada pelo gozo feminino?”. Nesse momento Lacan nos indica que o enigmático, o incognoscível, o indecidível, o indizível do gozo feminino dá ao parletre a dimensão do além do significante, da existência daquilo que é  universalmente conhecido como Deus. Ex-sistência  não como existente, senão como Ex-sistência de fora, algo, ex-sistência  colocada e cortada, não como existente, senão como Ex-sistência de fora, algo radicalmente fora,  algo que seria da ordem da alteridade absoluta. Então, digamos, por que o parletre necessita de tantos anos de análise para atravessar esse ponto de inconsistência do Outro,  se poderia admiti-lo ao se confrontar com o gozo feminino ou com o gozo místico? Mas, o que acontece é que, mesmo essa abertura evidente para o incognoscível, mesmo essa abertura evidente,  o parletre tende a fechá-la.

Qual foi a resposta histórica, que também podemos chamar de histérica, mas agora histérica no sentido de neurótica: na relação de encontro com esse gozo a mais da Mulher.

A resposta histórica foi sempre o temor das mulheres. Esse enigmático, inquietante, esse ultrapassamento que implica o gozo feminino, causou e continua causando temor, tanto aos homens como às mulheres.

Toda a misoginia se fundamenta nisto: as mulheres devem ser trancadas, vigiadas, controladas. Nas primeiras páginas das Mil e uma noites,  está a história de uma mulher que, presa por um gigante numa garrafa com vários cadeados, consegue fugir quando o gigante dorme, e consegue transar com muitos homens.

Como poder controlar então esse incontrolável?

O próprio Freud interpretou esse incontrolável dizendo que as mulheres não têm Supereu. Falando desta tendência histórica a fechar esse encontro com esse gozo a mais das mulheres, Lacan insinua que a homossexualidade grega e depois a árabe, segundo Lacan, são tentativas masculinas de se defender do encontro com mulher. E também as próprias mulheres temem este Grande Outro. Esse Grande Outro que são elas mesmas e que as ultrapassa no seu gozo.

Uma analisanda minha dizia que quando achava que o marido olhava para outra mulher durante o dia, ela de noite enquanto transava, se imaginava sendo esta mulher, para poder gozar. Podemos pensar que, com esta fantasia, por um lado, ela se furtava da angústia de não saber que objeto era ela para o parceiro. Mas também assim racionalizava a sensação de poder ser uma Outra para ela mesma. Essa Outra, ela a transformava em uma  outra mulher específica.

Ou seja, ela retrocedia frente à sensação de ser arrebatada pelo seu próprio gozo, frente a essa presentificação da alteridade absoluta, fingindo para ela mesma que essa alteridade era a da mulher desconhecida, dando forma à imagem daquilo que, no gozo da mulher, é sem contorno. De fato,  esse além inquietante e indefinível que tanto é chamado de Deus, se presentifica para o parletre com muita freqüência, mas o parletre tende constantemente  a fechá-lo.

As religiões funcionam não só por prometerem a vida eterna, nem por dar um sentido a  nossas vidas, mas sobretudo funcionam as religiões porque colocam um dito no lugar do Real. Ou seja, neste lugar que está apontando a seta...


Stella_image012

 

 

 

 

 

 

... o lugar de Deus, as religiões colocam um dito. Esse dito necessariamente é enigmático e por isso  suficiente, já que o enigma permite que o Real transpareça por detrás do dito e que lhe dê força.

As religiões cristãs são particularmente eficazes. Parte do que elas próprias chamam “a verdade revelada”, ou seja, as religiões cristãs, vocês sabem que falam da verdade revelada. Ou seja, a verdade se vela, se revela e se re-vela de novo. A revelação,  ou no sentido que estou usando,  o re-velamento se enuncia da seguinte maneira nas religiões cristãs: “o verbo se faz carne”, “o verbo se fez carne”. É uma verdade  indiscutível, já que o significante se corporifica no Outro,  e além do mais,  tendo todo o peso do Real da carne.

A religião católica insiste particularmente nas manifestações da carne. É a religião que mais canaliza o gozo nas suas formas diretas. Essas formas diretas são: fetichismo, necrofilia, masoquismo;  ao mesmo tempo, é uma religião que protege do encontro com o outro sexo, já que a mulher é considerada impura. E,  num momento de quase colapso da religião católica, inventou o barroco, apelando diretamente a mostrar um gozo na carne mediante  a arte.

Lacan nos mostra como os próprios evangelhos são orgias do gozo do corpo de Cristo. Todo católico pode participar diretamente da orgia, devorando o corpo de Cristo na Santa Missa. Lacan faz uma previsão de futuro. Lacan diz que nada prevalecerá contra a Igreja Católica, que ela sempre triunfará, porque tem com ela a força dessas verdades.

Atualmente vemos que a Igreja Católica está sucumbindo. Não parece que está acertando com novas respostas brilhantes. Mas se Lacan está certo nessa previsão de futuro, podemos contar com  que a Igreja católica algo inventará. Outro dia vi que já, nesse momento, é possível mastigar a óstia sagrada. Ou seja, se vê como o Real movimenta a religião.

Então, voltando ao que estava dizendo, vemos que tanto o parletre individual como as instituições, têm muitos mecanismos para não se confrontar com esse verdadeiro buraco. Voltando à, especificamente, ao gozo a mais. Afortunadamente, muitas mulheres e muitos homens conseguem sentir a alteridade absoluta  desse gozo a mais, mesmo não conseguindo tirar conseqüências disso.

Esse gozo a mais pode ser sentido como gozo místico, como gozo  mais da mulher —porque muitas mulheres podem chegar— e também podem chegar alguns homens dotados, como diz Lacan. Lacan diz isso, homens dotados, de uma maneira um pouco irônica porque geralmente se usa a expressão “homem dotado”, ou “bem-dotado para se referir ao falo. Aqui ele está se referindo à possibilidade que têm alguns homens de perceber neles mesmos e/ou na parceira aquilo que pertence ao lado direito da fórmula da sexuação, ou seja, aquilo que está para além do significante. Vamos à fórmula da sexuação. Esses homens dotados, muitas mulheres e alguns místicos podem, percebem este lado (círculo vermelho na ilustração).

Stella_image014
Dentro da literatura, como sempre, encontramos testemunhos da percepção, da coincidência do gozo da mulher, do lugar de Deus e do verdadeiro buraco. Em Madame Edwarda, de George Bataille, aparece a definição de Deus como sendo mulher, aparece a definição de Deus sustentado pelo gozo feminino, e também a comparação do gozo feminino com o gozo místico. Neste livro, Madame Edwarda, assinado por George Bataille, com seu pseudônimo de Pierre Angélique, aparece a seguinte frase: “Deus é uma mulher pública, em tudo similar às outras”. Outra frase que aparece interessante nesse livro é: “Deus não é nada, senão este ultrapassamento de Deus em todos os sentidos: no sentido vulgar do ser, no sentido do horror e da impureza, e em último termo, no sentido do nada.”

Mas, o que não é possível sem análise, é perceber que todo outro é sempre radicalmente alteridade, que é sempre desconhecido, é sempre esse A barrado, . E quando falo do outro como radicalmente alteridade, esse outro não deve ser pensado só como o parceiro sexual, mas como qualquer outro.

Ou seja, aceitar e amar o Deus, ou seja, o desconhecido indizível, que existe em todo outro parletre. Mas claro, isso fica mais evidente com o parceiro sexual, destinado a ser o sinthoma, com th, do sujeito.

Então vou voltar ao passe de Tarrab. No momento em que ele percebe que seu Grande Outro, até esse momento, devia ser um grande Outro doente, sua relação com a parceira feminina também se coloca em causa.

Ele diz assim: “Separar ela disso ao que me agarro faz aparecer a heterogeneidade do feminino que está além daquilo ao que a torpeza do homem reduz ao seu  parceiro segundo sua conveniência patética. Reter o Grande Outro, reter o parceiro, reter mulher, era a minha maneira de rejeitar a heterogeneidade radical do outro sexo. Desta maneira, eu obedecia a lógica de minha fantasia, lógica que sempre reduz o parceiro ao objeto que lhe convém. Era a maneira em que se formulava, para mim, a rejeição do feminino.”

Sua comoção deixa aparecer essa diferença incomparável  que faz A mulher Outra. Isso que acontece com Maurício Tarrab, ele narra que se manifesta num pequeno sintoma. Passa um período em que sente que não entende o que os outros falam, sobretudo o que fala a sua mulher. Esse pequeno sintoma mostra, como diz Lacan, no capítulo VII do Seminário  do  Sinthoma, este pequeno sintoma denuncia que ele aprendeu,  que ele apreendeu,  que a mulher é Não-toda justamente por não ser apreensível, por permanecer estranha. E depois Lacan termina dizendo: “Será que alguma mulher faz algum sentido para um homem?”

E então o que Lacan se propõe a fazer com seu objeto e seu gozo é transformar esse empuxo a ser o sopro do grande Outro em fôlego para trabalhar para a causa analítica.
Bom, obrigada, espero agora as questões.

Pergunta (Minas Gerais): O inconsciente real é um momento epifânico, referência joyceana de Lacan. Sabemos que este é o lugar do desejo do desejo do Outro. Até que ponto isso é uma fantasia masoquista ou feminina?
Stella Jimenez: Bom, de fato, tocar o inconsciente real, ou tocar esse gozo a mais da mulher, tocar essa alteridade absoluta é um momento epifânico, evidentemente, completamente diferente da epifania de Joyce, que são epifanias ligadas ao simbólico. São momentos epifânicos no sentido diretamente religioso, diretamente sagrados, ou seja, são momentos, o que se chama aparição de Deus nas pequenas coisas. Eu acho que isso não é uma fantasia nem masoquista nem feminina, que é poder tocar esse além do significante. Não sei se respondi à questão de Pedro Teixeira Castilho.

Pergunta (São Paulo): Gozo de Deus —gozo do real— a senhora poderia conceituar melhor esse Deus do gozo do real?
Stella Jimenez: Ou seja, enfim, acho que não posso conceitualizar melhor do que já falei. Seria como que esse gozo enigmático, esse gozo que mostram-nos os místicos. Esse gozo não-todo e esse gozo do não-todo dos místicos e que se vê na mulher, seria uma das formas em que se presentifica aquilo que o ser humano de todas as épocas chamou de Deus.

Pergunta (Minas Gerais): Tocar o real seria o fim de análise?
Stella Jimenez: De fato, agora, a gente pode tocar o Real constantemente, só tem que aceitar que o Real está aí.

Pergunta (Minas Gerais): o sopro que falta ao Pai, será essa a falta do Pai? Ou seja a père-version que faz um laço entre o RSI? O quarto nó seria o Sinthome?
Stella Jimenez: Sim, segundo eu penso seria essa a perversão do pai. A perversão seria essa falha do pai,  que faltaria ar a esse pai. Esse quarto nó que seria o Nome-do-Pai para Tarrab nesse momento seria a perversão desse pai que seria essa falta de ar.

Pergunta (Minas Gerais): A falta da falta, daí o Outro do Outro não existe.
Stella Jimenez: Tarrab quando pensava que podia ser o sopro do pai, era uma situação angustiante. Ou seja, se pode pensar que ele, na sua relação com a mulher, a quem tinha colocado no lugar do sinthoma neurótico, ele vivia angustiado. Ou seja, ele por um lado vivia tentando reter esse Outro, vivia angustiado porque esse Outro, ele o transformava num Outro doente, para que esse Outro o necessitasse. Isso seria o temor de que a falta falte, seria a falta da falta, que é um temor neurótico, já que o Outro do Outro, não existindo, não se pode temer falta de falta.

Pergunta (São Paulo): Dra. Stella, você considera que destituição subjetiva e final de análise seriam a mesma coisa?
Stella Jimenez: Bom, acho que a destituição subjetiva pode ser um dos índices de final de análise, não é o único.

Pergunta (São Paulo): Se a religião para Freud era análoga a uma neurose obsessiva da  qual devemos nos libertar através de uma análise, podemos dizer que uma análise lacaniana, após seu término, nos traria próximos de um Deus que se apresenta como "A Mulher"?
Stella Jimenez: Sim, eu acho que sim. Ou seja, eu até tinha pensado em tocar hoje nessa conferência o tema dos dois deuses de que fala Lacan, que existe uma diplopia em relação a figura de Deus. Ou seja, existe um Deus e que pode ser pensado como este Outro todo, ou como existindo uma exceção ao Outro todo, ou seja, que seria que esse lugar daqui,  isso existiria,  mas não existência no sentido de fora, que Deus seria essa exceção, e aí teríamos um Deus onipotente, o Deus da neurose obsessiva, por exemplo. E temos o Deus de final de análise, que seria esse Deus que ex-siste, de fora. Então, esse Deus, digamos ao final de análise, seria perceber, como falei antes, a alteridade absoluta que se simboliza Mulher barrada.

Pergunta (Minas Gerais): Saímos do real  do desamparo primordial para o real simbólico de tocar o real e sabê-lo?
Stella Jimenez: Bom, esse Real do desamparo primordial,  eu entendo que seria o Real mítico do início da vida. Esse Real, digamos, que está aqui colocado por Márcia Oliveira, Real simbólico, de tocar o Real, é tocar esse ponto de Real, mas com todas as coordenadas do restante do nó borromeano. Não  que o sujeito  desencadeie uma psicose aí, ou seja, o nó borromeano continua com todas as suas amarrações, mas o sujeito toca,  que aqui tem um buraco. Um buraco que faz toda a construção inconsistente.

Pergunta (São Paulo): Como seria um Deus Mulher não barrada?
Stella Jimenez: Bom, seria um Deus-Todo. Ou seja, digamos na fórmula da sexuação, esse ponto de existência concreta, existe alguém que não responde à função fálica. Esse lugar de exceção seria o Deus como grande Outro completo, seria um Deus como uma figura excepcional, que simultaneamente sempre deixa passar, sempre transparece esse Outro lugar. Por isso Lacan nos fala de uma certa diplopia da figura de Deus.

Pergunta (São Paulo): Seria a vivência oceânica equivalente do gozo do Outro?
Stella Jimenez: Não, na minha maneira de ver, seria ao contrário, ou seja, a vivência oceânica seria algo assim como uma sensação de uma certa complementaridade absoluta com o mundo, pacificação absoluta e o gozo do grande Outro como uma função —aqui diz Márcia Oliveira, uma fusão— seria  uma boa palavra; e o gozo do Outro  seria,  o que mostra que toda a  fusão é absolutamente impossível, porque esse gozo do Outro é um buraco, não tem nada aí.

Pergunta (São Paulo): Gostaria de saber se o gozo do Outro depois da década de 70 seria chamado como? Há alguma modificação conceitual?
Stella Jimenez: Bom, eu acho que Lacan conserva a definição “gozo do grande Outro”, mas o que se modifica basicamente é o que seria esse gozo do grande Outro, porque o gozo  do grande Outro até os anos 70 é algo muito atemorizante, era sempre, digamos,  o  grande Outro da fantasia querendo gozar do sujeito. Agora, como aparece claramente, esse lugar de buraco por fora do Outro, esse gozo do Outro em lugar de ser ameaçador é um lugar aberto, um lugar de saída. Ou seja, digamos que esse gozo do Outro até os anos 70 equivaleria dizer que, aqui na fórmula de sexuação, que existe como uma exceção, algo que faz com que o conjunto seja fechado. Ou seja, o conjunto do Outro é fechado porque existe aquele que é exceção e o fecha. E a partir dos anos 70, a partir de começar a pensar a fórmula da sexuação, Lacan percebe que esse lugar não existe, esse lugar é aberto. Então que esse gozo do Outro nunca fecha a esse Outro.

Pergunta (São Paulo): Eu poderia substituir esse gozo do Outro pelo outro sexo, depois dos anos 70? ou não?
Stella Jimenez: Eu acho que sim, mas do outro sexo, eu diria com uma forma mais aberta de pensar o outro sexo. No sentido que Lacan fala, não existe homossexualidade. Não existe homossexualidade nem feminina, que é o mais claro, nem existe homossexualidade masculina. Ou seja, tudo o que se refere à sexualidade sempre é ser hétero, sempre é diferente. Até a sexualidade do sujeito consigo mesmo, é  sempre hétero, nunca é igual.

Pergunta (Minas Gerais): O estranho seria uma sensação de quando se toca este real?
Stella Jimenez: Sim, eu acho que sim, que o estranho seria uma sensação de tocar esse Real, digamos,  de tocá-lo de alguma maneira efêmera, e de tocá-lo quando ainda se pode pensar que hoje, prefiro falta de falta.

Pergunta (Minas Gerais): Na psicose a verdade do real surge muito freqüentemente?
Stella Jimenez: Sim, digamos, de fato, que na psicose existe uma articulação direta entre Simbólico e Real. Então, verdade  e Real, verdade como sendo basicamente da ordem do simbólico e Real aparecem muito freqüentemente. Sem o colchão do Imaginário, que de alguma maneira protege.

Pergunta (Minas Gerais): Por que na análise isto é produzido?
Stella Jimenez: Ou seja, análise seria então, segundo eu entendo, não tende à psicotização do sujeito, tende a que o sujeito possa ver a falácia dessa verdade que ele tinha colocado no Real.

Pergunta (São Paulo): A sra. poderia falar um pouco mais sobre o "lapso sem sentido"?
Stella Jimenez: Ou seja, isso que Lacan fala do espaço de um lapso onde se toca o ponto sem sentido. Vou para o nó de três. Segundo entendo, é um ponto em que se percebe isso de várias maneiras, se percebe que a relação sexual não existe, que o Outro é basicamente inconsistente, que.. mas como Lacan aponta, é um espaço de lapso, é um momento em que se percebe isto, porque quando se quer, diz Lacan, quando se quer pensar nisto, ou seja, por exemplo, digamos que Maurício Tarrab tenha chegado a tocar,  a partir do momento que ele percebe que seu objeto que seria o a, que seria o sopro, tinha passado a partir daí para todo este lugar e se deu conta do sem-sentido absoluto de tudo. Agora, quando ele tenta pensar nisso, quando começou a tentar pensar até para falar no passe, já saiu deste inconsciente real. 

Pergunta (Minas Gerais): Eu custo muito a guardar as questões psicanalíticas, isto pode ser uma defesa com relação ao real? Aprendo e depois apaga.
Stella Jimenez: Bom, é uma tendência de todo mundo se defender em relação ao Real, é muito duro perceber que Deus não existe no sentido de existência concreta, e é muito duro perceber que o sentido que dava Deus à nossas vidas também é uma falácia.

Pergunta (Minas Gerais): Aprendo e depois apaga.
Stella Jimenez: A Márcia Oliveira diz que ela aprende e depois apaga. Sim. No fim é isto que acontece sempre na vida, mesmo possivelmente o próprio Tarrab quando tocou este ponto, este ponto do real fora do sentido, tudo isto, depois bastante se apagou, porque ninguém pode viver em algo absolutamente sem sentido, algum sentido você tem que encontrar para a coisa, por exemplo, ela encontrou sentido em transformar tudo isso em fôlego para a causa analítica.

Pergunta (Minas Gerais): Obrigada. Gostaria de entender como a mulher pode ser alteridade para ela mesma?
Stella Jimenez: No gozo, uma mulher muitas vezes se sente ultrapassada por si mesma, ou seja,  neste momento se transforma em outra para si mesma.

Pergunta (São Paulo): A senhora pode falar mais sobre esse momento em que o analisante pode começar a fazer uma outra coisa com esse gozo?
Stella Jimenez: Eu acho que isso é uma conseqüência direta de ter chegado a perceber esse lugar de a e perceber o sem sentido que este lugar de objeto estava encobrindo, a partir disso pode, de alguma maneira, se virar para transformar isso em outra coisa que não seja sofrimento para ele e para as pessoas que estão perto dele.

Pergunta (São Paulo): As novas formas de sexualidade, como os Cross Dresser, por exemplo, seria uma tentativa de chegar a esse "Deus A Mulher"?
Stella Jimenez: Bom, eu na verdade não sei o que é cross dresser, pode me explicar?

(São Paulo): Uma espécie de transexuais. Na verdade cross dressers "montam-se" como mulheres... sem praticar homossexualismo.
Stella Jimenez: Ou seja, como diz Freud várias vezes, a sexualidade humana transcende, ou seja, a sexualidade humana mostra que, por mais que se tenha uma relação sexual completamente satisfatória, sempre existe algo de insatisfação e o homem tende a procurar este gozo,  digamos, que  está perdido para sempre. Agora,  acho que não é essa exatamente a pergunta que me está sendo feita, ou seja, como os transexuais masculinos se transformariam em tentar ir para o lado da mulher, é possível tentar chegar a  este gozo a mais, ou seja, enfim, isso deve depender de cada transexual,  como o que procura na sua transexualidade, ou seja, bom, enfim, uma das coisas que atualmente mais se diz que os transexuais geralmente são em última instância, psicóticos, que estão para  além da norma fálica. Angelino diz que esses cross dressers montam-se como mulheres sem praticar homossexualismo. Bem, não sei, não sei muito bem como se chamam... Queen...?

(São Paulo): Drag Queen
Stella Jimenez: Sim, é isso um cross dresser? É neste sentido, uma drag queen por exemplo?  

(São Paulo):  Não, é um pouco diferente.
Stella Jimenez: Ou seja, drag queen se pode dizer que é uma tentativa de justamente fazer ao contrário, de fazer existir a mulher, ou seja, não de perceber que a mulher é basicamente não-toda, que basicamente é inapreensível, mas que uma drag queen ou um transexual geralmente comum, não sei se seria um cross dresser, estão tentando fazer existir a mulher, ou seja, uma tendência que vemos na psicose, o empuxo para fazer existir a mulher, existir como existência completa, que a mulher apareça como toda; agora, não sei muito bem esta diferença com cross dressers porque não conheço nada disso.

Pergunta (Minas Gerais): Como está o narcisismo em relação à esta solidão do momento do passe? Há alguma relação?
Stella Jimenez: Tem uma definição de Lacan, que é uma definição de que eu gosto muito, é uma definição dos primeiros escritos dele, e as pessoas se esqueceram um pouco desta definição, mas se refere ao narcisismo. Ele diz que, ao final de análise, as armadilhas do narcisismo se tenham transformado em transparentes, ou seja, não é que o sujeito vai ficar sem narcisismo, mas que as formas de narcisismo sejam transparentes.

(Minas Gerais): Não entendi.
Stella Jimenez: Ou seja, por exemplo, o narcisismo tende ao amor idealizado, por exemplo. Não é que uma pessoa não vai se apaixonar depois de haver acabado uma análise e ter tocado este ponto de solidão absoluta.  É claro que se vai apaixonar, mas logo mais quando começam as desilusões do amor em todos os sentidos, ou seja, as desilusões de achar que a pessoa não é mais tão perfeita quanto se achava no primeiro momento, de ver que o próprio sujeito não é  tão querido ou único para o ser amado como se achava no primeiro momento, de poder perceber e pensar que esta perfeição primeira era uma armadilha narcisista, que era um véu narcisista e saber que isto, enfim, é só um véu, e  poder continuar amando apesar da imperfeição. 

Pergunta (Minas Gerais): Apesar do real?
Stella Jimenez: Sim, e justamente graças ao real se poderia dizer, ou seja, Lacan fala de um Real e de um amor infinito, ou seja, um amor infinito no sentido de que se pode amar todas as surpresas e todas as imperfeições do outro, todas as surpresas, todo o inesperado,  todo o diferente do outro.

(Minas Gerais): A pérola barroca...  
Stella Jimenez: Não sei o que esta querendo dizer sobre a pérola barroca, ou seja, o barroco, não sei.

Pergunta (Minas Gerais): A imperfeição da pérola barroca e sua beleza também, sensação de beleza e de estranheza.
Stella Jimenez: Sim, estou de acordo... Exatamente, acho que você encontrou uma excelente definição, ou seja, ela diz:  a imperfeição da pérola barroca e sua beleza também. Ou seja, a beleza que surge justamente da imperfeição, ou seja, o barroco, de alguma maneira, estampa a imperfeição humana e produz uma sensação importante de beleza. Sensação de beleza e estranheza, eu não diria de estranheza porque estranheza seria, em princípio, uma relação que teria a ver com o estranho no sentido de algo angustiante. Em todo caso sensação de beleza e de poder transcender ou poder atravessar esse estranho que poderia produzir, e a presença do real, poder transcender isto e ser fascinado por isso, se deixar fascinar por isso, por isso diferente, por isso diferente e imperfeito.

Pergunta (Minas Gerais): A beleza seria o belo recobrindo?
Stella Jimenez: Não sei, e imagino ser impossível deixar de lado a sensação de beleza a partir, como último véu, frente ao real. Além do mais, seria um empobrecimento muito grande para o sujeito se, a partir de uma análise, não puder mais perceber o belo porque só percebe o Real.

Pergunta (São Paulo): A sra. poderia falar um pouco de como é a relação com o sintoma nesse fim de análise?
Stella Jimenez: Digamos, o sujeito teria percebido que seu sintoma, até este momento era, tinha a ver com ser o sopro que faltava ao pai, que era a perversão paterna. A partir deste momento, ele pode se inventar um novo sintoma, que é isso que Mauricio Tarrab fala como se inventar como aquele que tem fôlego para levar adiante a causa analítica.

Pergunta (São Paulo): O que seria essa "causa analítica"?
Stella Jimenez: Eu acho que seria trabalhar para aquilo que conseguiu o sujeito para liberação, para felicidade, enfim, mediante a análise, ou seja, mediante um processo que, a princípio, nem promete a liberdade e nem promete a felicidade, porque se tem que sofrer muito para se chegar a isso, mas trabalhar para que esta possibilidade possa ser estendida a outras pessoas. Agora, com isto já estamos tocando no que seria o desfecho do analista, que é um tema muito complexo.

(São Paulo): Obrigado
(Minas Gerais): Obrigada, gostei muito!

Stella Jimenez: Obrigada a vocês, as perguntas foram muito boas.

Conexão Lacaniana: Gostaríamos de agradecer, creio que poderemos começar a encerrar nossa conferência, eu acredito que todos estão gostando muito e se tivéssemos a liberdade, ficaríamos aqui até a noite, continuando com as perguntas porque é um tema apaixonante este tema do último módulo no nosso curso, e estava maravilhosa a conferência.

Gostaria imensamente de agradecer em nome do dr. Márcio Peter e de toda a equipe da Conexão Lacaniana pela sua presença, foi muito ilustrativa. Nós procederemos agora à transcrição desta conferência, que depois será encaminhada à senhora para uma aprovação, e posteriormente disponibilizada para os alunos, para que a tenham e possam acompanhar todo o desenvolvimento da conferência.

Então, gostaria de agradecer imensamente sua presença e desejar que, no próximo curso, a senhora possa estar conosco para a gente dar continuidade a estes temas que são desta última clínica e ainda exigem um bocado de escrita, um bocado de pensar sobre isto.

Agradeço, também, a presença de todos nesta conferência e gostaria só de lembrar a todos os alunos que vocês terão até o dia 12 para apresentar o trabalho de conclusão de curso. Qualquer dúvida, entrar no fórum técnico, e creio que depois da avaliação, faremos retorno com a avaliação completa do curso.

Boa noite a todos. Dra. Stella, mais uma vez, muito obrigada pela sua participação, pela conferência brilhante e interessante e que já provocou muitas outras questões, abriu aí um buraco na gente... Então gostaria, mais uma vez, de agradecer e desejar uma boa noite e um bom final de domingo.

Stella Jimenez: Boa noite e muito obrigada a todos, gostei muito também de participar.

(Muitos agradecimentos)



Núcleo Márcio Peter de Ensino - Conexão Lacaniana
Curso OnLine "Deus é A Mulher - A feminilidade em Lacan"
Conferência 05/07/09 | Moderação: Ana Maria Ferraz

pdf
voltar ao topo