O que é psicanálise – 2ª visão
  Márcio Peter de Souza Leite • Oscar Cesarotto



ÍNDICE
• INSTANTE DE VER
• A coisa freudiana • A geografia do inconsciente •  Enquanto isso

• TEMPO PARA COMPREENDER
· A peste pasteurizada •  A ortodoxia em questão •  Roma 53: Lacan freudiano •  Lacan lacaniano

• MOMENTO DE CONCLUIR
• O ato analítico • O campo freudiano •  A política do grão de areia • Mais, ainda


Resumo
Governar e educar são dois impossíveis, aos que Freud acrescenta a psicanálise. Escrever sobre ela, então, como diz nossa gente, é como carregar água em cesto.

O que não invalida novas tentativas, ao menos para os habituados a pescar em águas turvas, ou mesmo secas, já que, nestes tempos modernos, esta velha senhora se instalou definitivamente entre nós.

Dizem uns que ela se transformou em ideologia, outros, em seita, alguns querem que ela ocupe o lugar da religião; uns e outros a vêem apenas como técnica, outros e alguns, como método e tantas coisas mais quantas queira o freguês, mas todos falam muito nela. Coitada, pois uma quantidade de práticas completamente diferentes é chamada pelo mesmo nome de psicanálise.

Desnecessário dizer que há muita confusão no assunto, desde que Freud apelidou a sua psicanálise de peste, brigou com Jung, separou-se de Adler, criticou Reich, entre outras picuinhas, tudo para manter a virulência da sua descoberta. Porém, para quem nem todos os gatos são pardos, pareceria que, em alguns casos, a cobra perdeu o veneno...

Após a morte de Freud, a velha senhora, sem a força de sua proteção, adocicou-se, e foi facilmente convencida a servir a outros senhores, que não ao amo que escreveu a palavra mágica na sua testa, dando-lhe vida. Mordia sem dano. Domesticou-se, como se diz.

Este livro conta a história do exorcismo feito por um bruxo que quis trazer o espírito de Freud de volta a esta velha senhora sem dentes, que, por este ato, rejuvenesceu.

Só que o elixir mefistofélico que esse feiticeiro produziu dá tal barato que não conseguimos – nem foi nossa intenção – nos livrar de seus efeitos, e então estamos aqui, formulando nossos abracadabras, para ver se, por sua vez, esse bruxo, ainda que morto, não morra, e tenha sempre o mesmo poder de manter Freud vivo.

A psicanálise ficou podre de escolas, tendências, grupos, associações, instituições, sem se confundir com eles, mas é um risco que corre, por ser enunciada, quase sempre, a partir de um desses lugares. O que não nos permite ingenuidades. Se a velha senhora se desdentou, foi principalmente por mascar muito chiclete americano, e talvez por sofrer de amnésia de conveniência; então começaremos por nos situar, não como simples comentadores anônimos e alheios à nossa cultura, mas comprometidos com a idéia de que, se bem que o inconsciente seja universal, a psicanálise não o é, ou seja, que ela é refeita em cada língua.

Pretendemos nos comprometer – e ao leitor – na polêmica do questionamento da peste trazida por Freud, com nossos próprios meios.

Para tanto, a condição prévia é a recuperação do bacilo perdido, que deve ser feita pela especificação da psicanálise freudiana dentro da confusão que se seguiu à morte do seu descobridor, ou seja, o que se chama de RETORNO A FREUD.

Ao elaborar este trabalho, pensamos em vários títulos que falam do espírito de nossa intenção: “Retorno a Freud”, “Em busca do bacilo perdido”, etc., mas optamos pelo de “Psicanálise Lacaniana”, em justa homenagem a um batalhador da verdade, ainda que o título seja incorreto, pois a psicanálise não pode ser adjetivada: ela não tem dono.

A divisão do texto em três seções decorre da aplicação de um recurso teórico da própria psicanálise; aqui a referência é uma intervenção de Lacan no campo da Lógica, sobre a modulação temporal de todo processo lógico em três tempos: instante de ver, tempo para compreender e momento de concluir. Modulação necessária e inerente a todo movimento psíquico, do qual nem o leitor escapa, e que sugere um processo aberto, onde o tempo de concluir pode ser o instante de ver de outro movimento lógico, ad infinitum, como a psicanálise e sua constante revisão.

Por outro lado, dentro de cada seção, os títulos dos capítulos falam por si mesmos. E por nós. Boa viagem.

Editora Brasiliense • São Paulo • 1987 (3ª edição) • 1984 (1ª edição)

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