PSICANÁLISE LACANIANA - Capítulo III   

O Real
  Márcio Peter de Souza Leite


• A psicose como paradigma
   A Clínica do Real e a interpretação pelo avesso
   Psicose e Real
   As respostas do Real
   A Transmissão e Real

• O Real e as estruturas clinicas
   Saber e verdade
   Clínica psiquiátrica e clínica psicanalítica
   O cérebro, o sonho e o Real
   Psicanálise e DSM-IV
   A psicose no ensino de Lacan
   Alucinação e psicanálise
   A loucura depois de Lacan
   Quatro signos da loucura
   Análise de psicóticos
   Fetichismo e perversão
   Depressão e covardia moral
   Onde o significante marca o corpo

 

A PSICOSE COMO PARADIGMA

A Clínica do Real e a interpretação pelo avesso
Na obra de Lacan produziram-se mudanças na condução do tratamento, que passou a ser orientado em função da possibilidade da finalização de uma análise. A este período do seu ensino convencionou-se chamar de Clínica do Real, nome que teria a utilidade de diferenciar este momento do anterior, que privilegiava uma clínica centrada unicamente nos efeitos do Simbólico.
A reformulação da interpretação no último período do ensino de Lacan evoluiu juntamente com o avanço da clínica e modificou-se radicalmente, a ponto de ser declarado que a interpretação estaria morta. J. A. Miller assim anunciou seu epitáfio: “A idade da interpretação ficou para trás. É o que sabia Lacan, mas não dizia” [1].
Esta interpretação, que estaria morta, já tinha sido sinônimo de tradução do sentido das suas produções. J. A. Miller levantou a tese de que a “interpretação é o inconsciente mesmo” [2], afirmação que pretende articular o inconsciente como linguagem com a interpretação como metalinguagem, pois a interpretação, como era usada, visava comunicar uma palavra esclarecedora e forneceria o sentido oculto do inconsciente, fosse um sonho, um sintoma, um ato falho. Dessa maneira, a interpretação, como inicialmente foi usada, apontaria sempre e unicamente a um deciframento que, devido à estrutura da linguagem, seria sempre infinito.
Opondo-se a isso, a interpretação, tal como está formulada no último período do ensino de Lacan, não seria mais concebida como uma mensagem a ser decifrada, mas como um ato que incidiria no gozo produzido pelo ciframento. Neste novo modelo da interpretação, a era chamada “pós-interpretativa”, o analista não se orienta exclusivamente pelo sentido do sintoma, mas pelo efeito da incidência do Real no significante, através do que Lacan chamou de Sinthome.
A intervenção do analista não seria apenas o estabelecimento de um novo sentido, mas apontaria uma atualização de seu suporte material, chamado por Lacan de Letra. Daí ele ter dito que a prática da psicanálise é uma pratica de leitura, que se refere à escrita que constitui o inconsciente.
Esta nova concepção de interpretação decorre do fato de o significante ser condicionado pela Letra, que seria seu suporte material. A proposta de um suporte material para o significante está presente no ensino de Lacan desde seu texto “Instância da Letra no inconsciente, ou a razão depois de Freud” [3], de 1957. Proposta, atualizada e modificada através dos impasses que a finalização de uma análise impôs aos analistas, visto que os limites do Simbólico deparam-se com a infinitude da interpretação e a insuperabilidade da castração.
Pouco tempo antes de propor uma concepção do fim da análise na “Proposição de 9 de outubro para o analista da escola, de 1967” [4], Lacan já havia elaborado um outro modelo para a interpretação, diferente da utilizada para interpretar o sintoma tomado como metáfora.
No escrito “Posição do inconsciente” [5], de 1960, Lacan formalizou uma interpretação que não aponta mais ao sentido cifrado. Este outro modelo de interpretação não seria portanto a enunciação de um significante a mais que, acrescentado à cadeia, esclareceria os outros, mas seria um ato que incidiria no “intervalo” da cadeia significante, mas estava correlacionado à introdução da proposta da “causação do sujeito”, a partir da alienação e separação. Antes disso a compreensão do dispositivo psicanalítico foi pensada unicamente pela leis do Simbólico, pelas quais o analisando, através da transferência, situava o analista no lugar de mestre do sentido, fazendo-o estar no lugar de dizer a verdade capaz de anunciar seu desejo.
Em outro momento posterior, o analista deixou de ocupar exclusivamente o lugar de Outro – que é o lugar onde as significações adquirem valor de verdade – para situar-se numa posição equivalente à de “objeto causa do desejo” ou “objeto pequeno a”.
O analista, atuando nesta posição, produziu a necessidade de uma nova teorização do Real que, ressignificado, passou a ser visto como determinando o Simbólico. Com isso houve uma reformulação da noção de desejo, que passou a se contrapor ao gozo; da mesma maneira que o conceito de significante foi extendido numa repartição em dois “litorais” que seria o sentido e a Letra.
O gozo, face Letra do significante, responderia a sua fixidez, que é seu modo de existência fora do sentido. Esta fixidez, esta existência fora do Simbólico, torna necessária uma reflexão sobre a “materialidade” que condiciona o significante e também requer o estabelecimento de sua relação com a noção de “substância”, que foi apresentada por Lacan como “substância gozante”.
Dever-se-á relacionar Letra com o conceito freudiano de “inscrição psíquica”, assim como com o de “traço unário”, além de estabelecer as suas articulações com o “significante índice um” (S1) e ainda examinar as relações desses conceitos com a noção de Real.
Uma conseqüência imediata desta reformulação teórica seria em relação ao modelo da interpretação psicanalítica da cultura, estabelecido por Freud, no qual havia tomado a neurose como parâmetro. Para Freud, os produtos culturais (entre eles, a arte e a literatura) foram pensados como equivalentes às formações do inconsciente, e sua interpretação seguiu o mesmo modelo da interpretação dos sonhos, onde o conteúdo manifesto que os compõem foram tomados como semelhantes aos fatos culturais, ou seja, ambos, sonho e cultura, foram explicados como resultado final de processos inconscientes latentes, decorrentes dos mecanismos de deslocamento e condensação, causados pelo recalque.
Se a interpretação do recalcado – apresentada como a revelação de um sentido oculto – encontra-se subvertida dentro da prática de orientação lacaniana, haveria que se pensar em um novo modelo para a interpretação da cultura? Se para Freud, a interpretação apontava unicamente à enunciação do desejo inconsciente; por sua vez, Lacan através da formalização do objeto pequeno a, como objeto causa do desejo, produziu um uso da interpretação que não comunicaria o sentido oculto do sintoma (ou da produção cultural), mas uma interpretação que incidiria sobre a causação material do sujeito.
Desta maneira, a partir de 1968, encontra-se em Lacan a idéia de que o que constituiria os discursos seria o efeito da circulação do objeto causa do desejo que, por ser objeto, é diferente do significante e, portanto, fora do sentido. O vínculo entre os discursos e a cultura poderia ser sugerido pelo fato de que o objeto pequeno a foi também proposto por Lacan no Seminário “De um Outro a um outro” [6] como objeto mais-gozar, relacionando-o com a “mais-valia”, introduzida por Marx.
Da mesma maneira, nas poucas referências que Lacan fez à arte, esta foi pensada diferentemente de Freud, que a relacionou ao desejo e articulou-a à idéia de sublimação.
Para Lacan, a obra de arte foi articulada ao objeto causa do desejo e por isto entendida como sendo organizada em torno de um vazio.
Assim, uma interpretação da cultura que leve em conta estes fatores, não poderia ser feita em função de satisfações substitutivas, como o fez Freud, mas pensada através das trocas objetais condicionadas pelos laços sociais que constituem os discursos.
Seria, então, a proposta dos “quatro discursos”, introduzida por Lacan no Seminário "O avesso da psicanálise" [7], uma nova maneira de pensar a cultura? E seria o quinto discurso – o discurso do capitalista – a leitura psicanalítica da cultura atual?
A formalização de uma interpretação que operaria “fora-do-sentido” deu-se ao longo de todo o ensino de Lacan. Poderia ser localizar o início desta questão no texto “Instância da letra no inconsciente ou a razão depois de Freud” [8], de 1957, onde Lacan propôs a Letra, como o suporte material do significante. No entanto, a precisão desta proposta aconteceria gradativamente, ocorrendo primeiro a articulação do significante com a noção freudiana de “traço unário” e, posteriormente, com o “significante índice um” (S1).
Porém, foi a partir do seminário “Ou Pire” [9], em 1972, ao introduzir a fórmula "Existe D′Um", que Lacan relativizou o uso que antes fazia do modelo saussuriano de linguagem – fundado na estrutura dual da linguagem – como articulador do inconsciente. Com a relativização do referido modelo lingüístico, a partir do Seminário “Mais Ainda” [10], de 1973, este foi substituído pelo que Lacan chamou de Linguisteria, assim como a concepção de “linguagem” também foi substituída pelo conceito de Alíngua.
Na seqüência do ensino de Lacan, a proposta da Letra, como o suporte material que condiciona o sentido, teria encontrado uma exemplificação clínica na obra de James Joyce; autor cuja produção particular permitiria a demonstração da primazia do gozo sobre o sentido e da Letra sobre o significante.


Psicose e Real
Em 1976, no Seminário “Le Sinthome” [11], Lacan examinou a relação da obra com a biografia de Joyce, exemplificando por esse estudo a hipótese da Letra como a face material do significante e também do inconsciente entendido como uma “escrita”, justificando a proposta da psicanálise como uma prática de leitura. Lacan pretendeu demonstrar que as característica da produção deste autor estariam determinadas por sua estrutura psíquica que, ao seu modo de ver, seria psicótica.
Este diagnóstico se justificaria porque na biografia de Joyce apareceriam evidências de “fenômenos elementares” - uma categoria da psiquiatria mantida por Lacan como fundamento do diagnóstico das psicoses.
Haveria ainda, do ponto de vista clínico, a particularidade de que Joyce, mesmo apresentando uma estrutura psicótica, nunca desencadeou um surto psicótico. Fato que foi explicado com a hipótese da obra deste escritor ter funcionado como uma “suplência” do Nome-do-Pai ausente, o que, na teoria de Lacan, seria a causa da psicose. Assim, essa suplência teria possibilitado uma “estabilização”, mantendo, Joyce fora do delírio.
Em relação à obra de Joyce, a característica principal recortada por Lacan foi a ausência de sentido como critério evolutivo da sua arte, fato que foi entendido como a consequência de um “erro” na relação entre o Simbólico e Imaginário. Essa teorização seria uma explicação para uma referência autobiográfica em Retrato do artista quando jovem, em que Joyce conta os efeitos subjetivos de uma surra que levou, por causa de uma discussão literária.
Como vimos, o tema da psicose é uma constante no ensino de Lacan, estando presente já na sua tese de doutorado: a psicose paranóica e suas relações com a personalidade [12]. Foi por meio do estudo de um caso de paranóia - Caso Aimée - que Lacan aproximou-se da psicanálise; além de isolar os fundamentos do diagnóstico da psicose que, na sua visão, seriam os “fenômenos elementares”.
Mais de vinte anos depois, ao retomar o tema das psicoses no Seminário III, Lacan elevou os “fenômenos elementares” - fato clínico fundamental no diagnóstico da psicose - a fatos de linguagem específicos das psicoses. Naquele momento, para explicar as características deste fato particular de linguagem, propôs a teoria da “forclusão do Nome-do-Pai”.
Outros vinte anos depois, mais uma vez retomou o tema da psicose, desta vez pela biografia de Joyce, sugerindo que a particularidade da ausência de sentido na referida produção literária poderia estar relacionada a uma suposta estrutura psicótica deste autor; estrutura que teria sido estabilizada pela sua produção literária.
A principal característica da produção discursiva dos psicóticos foi teorizada com o que se chamou de “holófrase da cadeia significante”; termo pelo qual Lacan diz que na psicose os significantes não formam cadeia. Este termo se referia á evidência de que as manifestações descritas, pela psiquiatria clássica, como fenômenos elementares não produzem vinculação, ou seja, não estabelecem laços sociais pela linguagem. Por exemplo, a característica de uma alucinação é a sua ausência de justificação e de dúvida, assim como a característica de um delírio é a sua certeza; fatos esses que não demandam um saber no outro, excluindo com isso o sujeito psicótico do vínculo estabelecido pela linguagem, o que para Lacan evidenciaria que a produção do psicótico estaria fora do discurso, mas não fora da linguagem.
Nessa visão, a psicose apresentar-se-ia como uma exceção em relação à neurose. A causa da psicose dever-se-ia a um acidente ocorrido na estruturação do Complexo de Édipo, o qual, na opinião de Lacan, seria a ausência do Nome-do-Pai. Esta ausência na psicose faz com que o sujeito não possa ascender à falta e, portanto, não possa entrar no eixo metonímico da linguagem. Já na neurose, o Nome-do-Pai produziria a falta (causa da metonímia), barrando o desejo da Mãe e permitindo, ao sujeito neurótico, o acesso ao discurso.
Assim, a psicose, ao produzir efeitos fora da significação, seria uma situação clínica exemplar para demonstrar a face material do significante e o predomínio do gozo sobre o sentido - concebida por um modelo de linguagem sustentado no eixo metáfora/metonímia - não ser operativa, seria demonstrada a existência de um ato analítico que abriria a possibilidade de um outro tipo de interpretação.
Da mesma maneira, a nova interpretação iria se sustentar em uma concepção de inconsciente - chamada no Seminário XI de “inconsciente lacaniano” - que justificaria uma interpretação que apontasse a face de gozo do significante.
Esse novo modelo de interpretação faria da psicose o paradigma do ensino de Lacan?


As respostas do Real
O que seria a nova interpretação analítica?
Segundo Lacan, seria aquela que alcança a resposta do Real. Por isso, a interpretação não seria formulada em termos da significação que ela produziria, mas em função dos significantes pelos quais a significação foi formulada. Isso porque uma mensagem mesmo decifrada permanece um enigma, na medida em que a relação do Sujeito e sua representação significante só pode ser relacionada, em última instância, à sua causação material.
Daí a sugestão de Lacan de que o que deve ser interpretado não são os ditos de um paciente, mas sim o seu dizer. Esta proposta foi equacionada em termos de que a interpretação seria o que faz passar um dito do “modal” para o “apofântico”. O modal seria o que inscreve a posição ou a atitude do sujeito em relação ao enunciado, pelo verbo. O apofântico seria o dizer particular, que oscila entre a revelação e a asserção. Os efeitos desta passagem (do modal ao apofântico) seriam produzidos pela pontuação, pelo corte, pela alusão, pelo equívoco, pela citação, pelo enigma.
Para Lacan, a interpretação então seria um dizer essencialmente silencioso e apontaria que um significante esconde outro significante ou que uma significação esconde outra significação. Este dizer silencioso procuraria o que de Real condiciona um efeito de significação (dado pelo analisando), dessa maneira revelando a consistência lógica do objeto que, em última análise, seria o impossível de dizer.
Seria possível sugerir que o inconsciente lacaniano seria uma ampliação do conceito de inconsciente freudiano, mas incluiria as funções de inconsciente diferente do recalcado.
Para esclarecer a maneira como opera a interpretação psicanalítica, Lacan referiu-se à lógica, através de Frege que estabeleceu uma diferença entre sentido (Sinn) e significação (Bedeutung). Frege, oito anos antes de Freud publicar "A interpretação dos sonhos", publicou um artigo com o título “Uber Sinn und Bedeutung” – traduzido como “Sobre o sentido e a significação” – com o propósito de separar a conotação (Sinn) da denotação (Bedeutung).
Em 1976, Lacan referiu-se a este artigo na "Conferência em Genebra sobre o sintoma” [13], onde assinalou que o Sinn seria o efeito de sentido determinado a partir do efeito de significado; já a Bedeutung seria o efeito que concerne a relação do significante com o Real.
Esta distinção entre Sinn e Bedeutung serviu para demonstrar o caminho que vai do sentido a algo além do sentido, com isto, conotando um parentesco entre a verdade e o gozo. O sentido (Sinn) seria o gozo que se situa entre o Imaginário e o Simbólico, já a significação (Bedeutung) apontaria a um gozo no Real, que condicionaria os efeitos do Simbólico.
Deve-se a isto a afirmação de Lacan, feita no texto “L′Etourdit” [14], de 1972, de que a interpretação é sentido e vai contra a significação. J.A. Miller [15], comentando este dito de Lacan, sugere: “Acredito (...) que devemos situar o que neste texto Lacan chama de sentido, como sendo a intersecção entre Simbólico e Real. Este é um ponto dos mais delicados da teoria de Lacan: o cúmulo de sentido, o momento em que o sentido tem mais sentido, é o momento em que é o sem-sentido, e assim adquire valor de significante primeiro que, no fundo, esta ali como um elemento do Real ”.
Seria, então, a proposta formulada por Lacan sobre os “quatro discursos” uma tentativa de abordar a cultura pela sua significação (Bedeutung) em detrimento de um sentido (Sinn)?


A Transmissão e Real
Para abordar o conjunto dos textos que formam a obra de Lacan, usa-se o critério de dividi-lo em períodos. O primeiro, referindo-se ao Imaginário, estende-se do “Estádio do Espelho” [16] (1936) até “Função e campo da palavra e da linguagem na psicanálise” [17] (1953), onde Lacan introduz a proposta do inconsciente ser estruturado como linguagem, o que implicou a nomeação deste segundo período como Simbólico.
Um terceiro período, mais difícil de ser situado temporalmente, é o do Real. Ele se deve ao deslocamento que a prática analítica – antes sustentada nas leis da linguagem – sofreu pelo reconhecimento da sobredeterminação do Simbólico pelo Real. Este fato é o que na clínica se instrumentalizou com a noção de objeto pequeno a , conceito cuja introdução marcaria o início do período do Real.
A partir dessa divisão, uma relação entre os registros pode ser estabelecida, apontando que, para o primeiro momento, haveria um predomínio do Imaginário sobre o Real (I>R), sendo que o Real, neste período, corresponderia à realidade.
Com a passagem para o segundo período, impôs-se um predomínio do Simbólico sobre o Imaginário (S>I) e em um terceiro período, do Real sobre o Simbólico (R>S); sendo, porém, que neste momento a noção de Real seria definida internamente à teoria de Lacan.
Outro autor, J.-C. Milner, no livro “A Obra Clara” [18], divide a obra de Lacan em dois períodos: o “primeiro” e “segundo classicismo”. Esta divisão é uma referência à posição de Lacan frente ao doutrinal da ciência, e que se sustentaria na idéia de cortes epistemológicos.
Segundo Milner, na leitura da ciência feita por Lacan, esta deveria incluir uma teoria do sujeito moderno (hipótese do sujeito da ciência), pois deveria ser distinguida uma subjetividade antiga e uma moderna, da qual a psicanálise seria ao mesmo tempo prova e efeito.
Para demonstrar este efeito de sujeito, Lacan, neste primeiro momento, recorreu ao estruturalismo, que viria a reclamar para si o ideal da ciência, porém dedicando-se a objetivos humanos e utilizando a materialização.
Ainda segundo Milner, o primeiro classicismo de Lacan não teria se sustentado porque a teoria do corte e a teoria do sujeito não se corresponderam. Outro motivo seria que a noção de matematização não validaria a utilização desta de uma forma literal e não quantitativa.
A passagem para o segundo classicismo, segundo Milner, teria se dado, principalmente, devido às imprecisões que marcavam a noção de Letra; questão que impôs uma contradição entre a ciência ideal do estruturalismo e a ciência do doutrinal da ciência. Fato este que teria sido precipitado pelo limite da transmissibilidade da experiência analítica que, ao colocar a oposição da significação (Deutung) e do sentido (Sinn), impõe uma interpretação fora-do-sentido.
Esta questão fez da noção de matema o pivô do segundo classicismo e o único meio de transmissibilidade da psicanálise. A noção de matema, desenvolvida por Lacan a partir de 1972 em “L′Etourdit” [19] e no seminário “Mais ainda” [20], seria o que asseguraria a transmissibilidade integral de um saber conformado pelo paradigma matemático.
Para Milner, a psicanálise estabeleceu que ela é o discurso do sujeito e, portanto, não precisaria mais da filosofia para fazer com que se entenda o que é um sujeito, produzindo o que Lacan chamou de antifilosofia.
Esta posição particular da transmissão da psicanálise desloca a questão do método da teorização da experiência analítica, deixando, aos que pretendam fazê-lo, o recurso do literal veiculado pelos matemas.
Usados desta maneira, os registros do Imaginário, do Simbólico e do Real tornaram-se Letras, permitindo com o recurso da sua inter-relação – pensada a partir das propriedades de uma figura topológica, que é o nó borromeano – calcular questões da clínica.


O REAL E AS ESTRUTURAS CLÍNICAS

Saber e verdade
A partir do exemplo dos três prisioneiros que deviam apresentar uma justificativa lógica ao problema proposto pelo diretor da prisão para serem libertados, Lacan deduziu a divisão do tempo em instante de ver, tempo de compreender e momento de concluir. Nessa demonstração, o mais importante para a psicanálise são as “moções em suspenso”. Se por algum motivo um sujeito não chegar ao momento de concluir, ele ficará no tempo de compreender; e foi a esta interrupção que Lacan chamou de “moções em suspenso”. Nela poderia ser lido o lugar da pulsão, pois ela é atemporal e tende perpetuamente para a satisfação.
O tempo de concluir não marca o fim do processo mental. Não é porque se passou do instante de ver para o momento de compreender, e daí para o tempo de concluir, que o processo se interrompe, pois o tempo de concluir pode ser o início de outro instante de ver. Lacan marcou as escansões temporais que leva um sujeito a concluir, mas não afirmou que o momento de concluir fosse a finalização do processo, pois o fato de concluir um processo lógico não implica que a conclusão possa ser identificada à verdade do Sujeito.
Pode-se ainda pensar a escansão do tempo do Sujeito como análoga à que Hegel propôs com o método dialético. Para Hegel, a aquisição do conhecimento também tem três momentos: tese, antítese e síntese. Não há uma articulação entre a dialética hegeliana e o tempo lógico, pois para Hegel, a partir das teses, antíteses e sínteses, haveria um momento em que se chegaria a uma verdade última.
Daí que, se a verdade foi pensada na filosofia como possível de ser atingida, na psicanálise Lacan apontou a dicotomia entre saber e verdade, pois, se a verdade pudesse ser pensada como Toda, ela estaria do lado do Outro sem falta.
Como o Outro é o lugar da linguagem, para a psicanálise a verdade não existe, pois a sua enunciação também se refere à linguagem, portanto ao Outro. Ou melhor, a verdade só existiria na psicose, pois nela há um uso da linguagem que supõe um Outro sem falta, cujo exemplo é o delírio, o qual se caracteriza pela irredutibilidade.
Lacan disse que a verdade tem estrutura de ficção. Isso porque só podemos nos aproximar dela por intermédio de saberes constituídos.



Como a leitura de Lacan sobre a psicanálise não pode ser tomada como a verdade sobre ela, houveram críticas à esse ensino, e Lacan, sensível a elas, reformulou suas posições o que foi feito com a introdução do objeto a.
A escrita do “outro” minúsculo, feita inicialmente como “a”, e que aponta ao outro como semelhante, sofreu depois uma modicação para i(a), “imagem do outro”, o que se justifica na medida em que Lacan recuperou o “a” (autre) como objeto.



Se o inconsciente é estruturado como linguagem, isso implica afirmar que o Sujeito decorre do significante. Porém, o objeto não é significante; logo, nem tudo que é inconsciente é significante, nem tudo no inconsciente está submetido à lei da linguagem. O objeto pequeno a escapa às leis da linguagem. Esta evidência clínica foi desenvolvido por Lacan, através da abordagem da fantasia, cujo matema refere-se à complementação do sujeito por um objeto, criando uma ilusão de completude.
O pensamento de Lacan de que o inconsciente está estruturado como uma linguagem implica o entendimento de que a linguagem é a condição do inconsciente, porém houve quem se opusesse a essa idéia, propondo o inconsciente como condição da linguagem.
Essa crítica à posição de Lacan confrontou duas visões radicalmente diferentes do inconsciente, e nesse sentido os opositores de Lacan reivindicavam a idéia de que a linguagem seria inata. Para Lacan, o Sujeito decorre do Outro, e é a partir do Outro, ou seja, da linguagem, que se expressa a realidade do inconsciente.
Em “Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise [21], Lacan usou como epígrafe um trecho retirado da proposta de formação de analistas do Instituto da Sociedade Francesa de Psicanálise. Essa citação mostrou a discordância de Lacan com os analistas da época em relação à aceitação da linguagem como decorrente do funcionamento cerebral, e talvez tenha sido esse o motivo para ele ter dado tanta ênfase à sua concepção de linguagem na sua leitura da psicanálise.
Absolutamente contrária à posição de Lacan, a citação retirada dos estatutos desse Instituto (fundado com o fim de formar analistas), dizia: “Em particular, não se deverá esquecer que a separação em embriologia, anatomia, psicologia, fisiologia, sociologia, clínica, não existe na natureza e que existe uma só disciplina, a neurobiologia, cuja observação nos obriga a acrescentar o epíteto de humana no que nos concerne”.
Lacan sempre opôs-se à uma continuidade entre neurobiologia e inconsciente, proposta que colocaria o inconsciente como anterior à linguagem e logo como condição dela. Todo o ensino de Lacan foi uma demonstração de que o inconsciente decorre da linguagem e não é sua causa, pelo contrário, a linguagem é a causa do inconsciente. Daí Lacan relacionar a clínica analítica com a verdade e não com o cérebro.


Clínica psiquiátrica e clínica psicanalítica
A palavra clínica tem origem em clinê , que significa “leito”. “Clinicar” quer dizer “ficar ao lado do leito”. A clínica médica surgiu com Hipócrates para diferenciar sua prática dos médicos, que na antiga Grécia a identificavam com a religião.
Foram os médicos influenciados por Hipócrates que fundaram a medicina científica, baseando-a na observação e na correlação de evidências em detrimento de explicações religiosas ou filosóficas. Em primeiro lugar, diferenciou-se sintoma de sinal. Sinal seria um dado sensível à observação, e um sintoma, a correlação entre sinais. Há várias etimologias da palavra sintoma, a mais adequada me parece referir-se à sua significação pensada a partir do prefixo grego sin, que quer dizer “ao mesmo tempo”, e do sufixo ptoma, que viria de “cair”. Sintoma significaria então “o que cai ao mesmo tempo”.
Assim, um indivíduo que apresente pés inchados e olhos amarelados, deduz-se que a causa de tais manifestações pode ser um fígado infectado pois a evidenciação destes sinais possibilita a extrapolação simbólica que consiste o diagnóstico.
Essa forma de pensar organizou o saber médico. A clínica médica, desde então, foi identificada com um método empírico fundamentado na observação. A clínica psiquiátrica é herdeira da clínica médica. O psiquiatra também observa sinais, identifica sintomas e ordena síndromes.
A nosografia psiquiátrica se constituiu basicamente em relação às categorias de neurose e psicose. Neurose foi um termo que apareceu com Cullen em 1777, na Inglaterra, e significa: “degeneração dos nervos”. Tal conceituação decorreu do avanço da anatomopatologia, no fim do século XVIII, que com a descoberta do microscópio, trouxe a possibilidade de estabelecer-se as relações entre as causas (etiologia) e os efeitos (sintomas) das doenças.
Outros autores situam a anatomia patológica como o momento de constituição da ciência atual, pois ela impôs o fenômeno “constatável empiricamente” como condição do saber. O termo neurose apareceu quando se chegou ao limite da investigação das causas das doenças, e foi então que surgiu a teoria da “degeneração dos nervos” ou “nevrose”, para explicar a origem das doenças sem uma causa demonstrável para o conhecimento da época.
Freud criticou a “degeneração nervosa” como causa possivel das histerias e impôs um sentido ao sintoma, e, ao afirmar que o sintoma não seria causado por uma alteração anatomofisiológica mas estaria relacionado às experiências de vida do paciente, incluiu o Sujeito na sua produção.
O sentido do sintoma, ao estar relacionado às experiências de vida do Sujeito, faria referência à “ordem simbólica” constituinte do sujeito, excluindo a causação neurobiológica do sintoma psíquico, descoberta que produziu uma subversão nos fundamentos do conhecimento médico da época.
Em relação às psicoses, muito antes de Freud se referir ao assunto, o termo já havia sido introduzido por Feuthslerben (1849) na Alemanha. O termo “psicose” etimológicamente significa “degeneração da mente e apareceu como um conceito forjado em oposição ao de neuroses (etimológicamente “degeneração dos nervos”).
Outra categoria utilizada na nosografia psiquiátrica é a das perversões. Do ponto de vista psiquiátrico seriam transgressões frente a uma norma (sexual), e foram classificadas por Krafft-Ebing e Havelok Ellis.
Ainda dentro da psiquiatria usa-se também a categoria diagnóstica psicopatia, introduzida por Krestchmer, que abarcaria todas as patologias da mente, como o próprio nome diz. Porém, há no diagnóstico de psicopatia uma conotação social, onde o psicopata seria definido como aquele que faz sofrer e não sofre.
Isso tudo para dizer que a clínica psicanalítica é herdeira da clínica psiquiátrica. É necessário que o analista defina o uso que faz desses diagnósticos, que por si só nada significam, mas apenas têm sentido em relação à convenção na qual estão inseridos.
Embora a psicanálise seja herdeira da clínica psiquiátrica, existem diferenças fundamentais na elaboração das respectivas clínicas. O sintoma para a psiquiatria é observável e pode ser descrito. O psiquiatra se coloca fora do campo de observação e enuncia o diagnóstico, que em última análise, é o que ele considera como alterações do sujeito examinado.
Na psicanálise, o sintoma não é observável nem pode ser descrito, pois é reduzido à fala, e o que se diz numa sessão analítica é o que se transforma em sintoma. O método da psiquiatria é o método da observação, o método da psicanálise é a associação livre. Com o seu método, o analista se inclui no campo da observação, pois a fala do paciente é dirigida a ele.
A rigor, a nosografia psiquiátrica se transforma dentro psicanálise, pois os termos psicopatológicos são modificados quando utilizados por ela. Por exemplo, em sua proposta de ordenação das psicoses, Melanie Klein privilegiou o eixo esquizofrenia – ­melancolia, que também era kraepeliniano. Já Lacan usou o eixo esquizofrenia – paranóia, e, ao preferir este eixo da psicose, a significou de modo totalmente diverso.
Quanto às perversões, ao afirmar que toda criança seria perversa polimorfa, Freud produziu uma subversão de como ela era pensada na psiquiatria. Manteve-se a terminologia, mas houve uma subversão conceitual profunda.
As classificações da psiquiatria e da psicanálise não são estáticas e foram construídas dentro de sistemas que possuem uma lógica própria. Na psicanálise, Freud organizou a relação entre as diversas patologias por meio do desenvolvimento psicossexual da libido afirmando que a libido regrediria até um ponto onde ela estaria fixada. Este “ponto de fixação” determinaria a especificidade de uma patologia. Se houver uma fixação na fase oral de sucção, será uma esquizofrenia; se a fixação for na fase anal expulsiva, será uma melancolia etc.
 
Esta forma de organizar a nosologia encontra suas raízes no pensamento psiquiátrico. A idéia de um desenvolvimento gradual e da inter-relação entre as patologias foi proposta por Griesinger, que influenciou Freud com seu modelo psicopatológico.
Porém, existem outras formas de organização da psicopatologia mesmo em Freud. Um ponto comum da organização dela em Freud, Melanie Klein e Lacan é a angústia como ordenador do campo psicopatológico. Para demonstrá-lo, vou propor uma divisão do desenvolvimento da prática freudiana e indicar como Lacan seguiu a sua lógica.
Um primeiro momento iria dos “Estudos sobre a histeria” [22] até "Fragmento da análise de um caso de histeria” [23], quando Freud, ao refletir sobre as causas do fracasso desse tratamento, introduziu o conceito de transferência, o que marcou uma evolução decisiva em sua teoria. Nessa época a ação de Freud era tornar consciente o inconsciente. A teoria que sustentava essa ação apoiava-se na formalização da angústia pensada como o efeito do recalque. O analista levantaria o recalque, e isso eliminaria a angústia, o que Freud fazia comunicando pela interpretação um saber sobre o desejo recalcado. Ou seja, nesse primeiro momento, por não existir a noção de transferência, Freud acreditava que a comunicação ao paciente do seu desejo inconsciente seria suficiente para produzir a cura.
Mas quando não conseguiu resultados com Dora, iniciou-se um segundo momento com a introdução da transferência. A ação de Freud, neste segundo período, seria a de produzir o máximo de recordação com um mínimo de repetição. No texto “Recordar, repetir e elaborar” [24], Freud evidenciava que quanto mais o paciente recordasse, menos repetiria, e que o paciente repetiria o que não recordou na transferência ao analista.
A terceira escansão na ordenação da doutrina do tratamento em Freud seria o que se seguiu à formulação da pulsão de morte. Foi desse ponto que Lacan partiu, propondo a direção do tratamento em Freud. A ação do analista, ao incluir a castração materna, apontava para a vacilação do sujeito, e já que ele não poderia recordar tudo, não haveria um último saber sobre seu sintoma. Assim, toda análise se chocaria com a “rocha da castração” e, por isso, toda análise seria infinita. Não haveria um fim para a análise porque não haveria “tudo” a ser recordado, não haveria nenhum “saber absoluto” a ser atingido.
Sustentando essa modificação estava a reformulação da concepção de Freud sobre a angústia, que inverteu completamente a primeira teoria. De início, ele acreditou que a angústia decorreria do recalque. O recalque, agindo somente na representação, libe­raria a quantidade de energia ligada a essa representação, que se transforma­ria em angústia. Já na segunda teoria, ao contrário, o recalque decorreria da angústia, que nesse momento seria a angústia sinal. Assim, o que está sempre presente, anterior a qualquer coisa, é a angústia. A angústia então podia ser tomada como eixo e seria explicada por Freud como efeito da castração.
A angústia que produz o recalque será sempre angústia de castração, e foi aqui que se situou a viragem da clínica freudiana – a partir da concei­tuação da sexualidade feminina e, especificamente, da castração materna.
Na primeira teoria sobre a neurose, por exemplo, quando Freud introduziu as neuroses atuais (neurose de angústia, neurastenia, neurose traumática), propôs que toda neurose começaria como angústia, para depois se transformar, segundo a estrutura da defesa do sujeito, em neurose histérica, obsessiva etc. Segundo Freud, nenhuma neurose começaria já como psiconeurose, elas começariam sempre com a angústia, que mobilizaria os mecanismos do sujeito para se defender dela.
Para Lacan, a angústia de castração produz o recalque, por isso ela pode ser equiparada à falta no Outro, o que Lacan escreveu com o matema: . Matema que corresponderia tanto à castração materna quanto à angústia de castração.
A clínica freudiana, entendida como os estilos do Sujeito defender-se da angústia, pode ser formalizada – com os conceitos lacanianos – como os estilos do Sujeito negar a falta no Outro.



A clínica freudiana foi relida por Lacan tanto como clínica da angústia, como clínica da falta no Outro, ou ainda, como a clínica da transferência. Observa-se que a razão do sujeito procurar um analista está no fato de ele supor que o analista saiba sobre sua falta, saiba sobre a causa de seu sofrimento. Devido ao sujeito supor que o outro tenha o que lhe falta, a clínica freudiana pode ser nomeada como clínica da transferência, na medida em que o analista ocupará o lugar de saber sobre a falta. Como a clínica freudiana é a clínica da transferência, também pode-se dizer que a clínica freudiana é a clínica do Outro. Também é a clínica de falo, porque o falo é o representante da falta no Outro.
Essas possibilidades de se renomear a clínica freudiana encontram-se nas reflexões feitas por Lacan, e todas implicam um mesmo eixo, que é o de uma leitura de Freud a partir dos efeitos que a concepção da castração materna.
Segundo Lacan, de acordo com a leitura que ele faz de Freud, haveria três possibilidades de o sujeito negar a falta no Outro, o que seria uma leitura diferente em relação à nosografia psiquiátrica, pois Lacan não tomou as neuroses, as psicoses e as perversões definidas somente com os critérios herdados da psiquiatria. Lacan organizou a psicopatologia sustentado na observação da clínica psicanalítica, referindo-se aos mecanismos de defesa elaborados por Freud.
O que possibilita o sujeito negar a falta no Outro são operações psíquicas, descritas por Freud como mecanismos de defesa. O recalque, por exemplo, é uma operação psíquica que visa afastar uma representação do campo da consciência Em alemão, recalque é Verdrãngung. A importância da referência ao alemão provém da confusão que ocorre entre recalque e repressão – que é Unterdrückt –, por problemas de tradução.
Na obra de Freud é possível encontrar, além do recalque, duas outras descrições do estilo do sujeito negar a falta no Outro: a Verleugnung (traduzido como "recusa", ou na proposta de Lacan: "desmentido") que corresponderia ao mecanismo de defesa da perversão, e a Verwerfung, traduzido por “foraclusão” e que corresponde ao mecanismo de defesa da psicose.
Os três estilos de negar a falta no Outro seriam:



Nessa ordenação que Lacan fez da clínica freudiana, não é possível portanto usar-se as categorias de psicopatia, caracteriopatia, epilepsia, ou outras entidades nosológicas que às vezes se encontram na teoria psicanalítica.
Nesta lógica a depressão não seria uma estrutura, mas um sintoma que poderia ser de uma neurose, ou de uma psicose. Isso porque a depressão não seria um mecanismo de defesa, pois o que ocorre na depressão é uma perda de objeto, diferentemente da neurose, onde o mecanismo de defesa é o recalque; ou da psicose, cujo mecanismo de defesa é a foraclusão. Não haveria nenhum mecanismo de defesa próprio à depressão, e sua única característica clínica pode ser formalizada em referência à perda de objeto.
Da mesma forma, a perversão não seria um sintoma exclusivamente sexual. Seria possível existir perversões que, vistas com essa categorização psicanalítica, não tivessem envolvimento sexual nenhum. Também a homossexualidade não se caracterizaria unicamente como perversão, e poderia ser um sintoma tanto de uma estrutura neurótica como de uma psicótica ou perversa.
Dito com a terminologia lacaniana, o que determina no Complexo de Édipo uma neurose é que o Desejo da Mãe seja “barrado” pelo Nome-do-Pai. A barra seria o recalque, efeito da castração. Quando algo impede que a mãe seja fálica, que a mãe seja Toda, impõe-se um limite, teorizado como castração, e que é constitutivo do recalque. O efeito do recalque implica a constituição da falta. A falta é o que funda a estrutura da neurose, produzindo o deslocamento e condensação que, por sua vez, produzem o sintoma.
A falta não pode se tornar consciente porque produz angústia. A partir de deslocamentos e condensações das representação recalcadas, ela poderá reaparecer na consciência do Sujeito, sem que o mesmo a identifique. É o mecanismo dos sonhos, do chiste, dos sintomas neuróticos. Porém, no momento em que o sujeito identificar sua demanda com a falta, a angústia se imporá.
O Nome-do-Pai é o que organiza a coerência do mundo de cada um. O mundo organizado pelo efeito da função paterna foi o que Lacan chamou de père-version, versão paterna. A operação de o Nome-do-Pai barrar o Desejo da Mãe pode não ser suficiente, pode fracassar. Não foi por acaso que Freud descobriu a psicanálise na histeria, pois foi ela que descobriu a psicanálise para Freud ao dizer que alguém sabia do que lhe faltava. O que o neurótico ensinou ao analista foi que ele não sabe o que lhe falta, mas um Outro sabe, alguém sabe o que ele não sabe.
O estilo da histeria é o de buscar um lugar no Outro, pois é a sua forma de negar a falta no Outro, oferecendo-se em substituição à falta, causa da angústia. A histérica coloca-se como corpo, vindo assim buscar esse lugar no Outro, produzindo o sintoma que os psiquiatras descreveram como sedução. A histérica é aquela que está sempre se oferecendo como objeto do desejo do Outro, pois quer ser aquilo que o Outro quer (esse Outro pode ser o analista, porque ele estaria nesse lugar). E ela agirá assim com cada pessoa que ocupe o lugar de ter o que lhe falte, pois essa é a característica da histeria, é seu estilo de negar a falta no Outro.
A histérica demanda um Outro insatisfeito, porque quer manter esse Outro castrado e, assim, manter a falta no Outro. Para isso ela inventa um Outro onde isso falte, o que constitui a outra característica da histeria: a insatisfação. Por mais que se responda à demanda da histérica, ela impõe sempre uma outra, é impossível satisfazer uma histérica porque ela não quer uma resposta ao seu desejo, o que ela quer é manter sua demanda insatisfeita.
A histérica, sendo o que falta ao Outro, é um corpo que preencherá a falta. Daí ela supor que sabe o que falta ao Outro e, por isso, oferecer-se como objeto do desejo desse Outro.
Há também o estilo do obsessivo de negar a falta no Outro. O obsessivo se propõe como garantia do Outro. Ele garante que o Outro seja castrado, daí a expressão de rigidez no obsessivo: as coisas não são como ele quer, as coisas são como o Outro quer. É uma forma de manter o Outro estático, de não ser ameaçado por ele.
O obsessivo demanda um desejo impossível, de modo que, para ele, tudo o que faz pode ser feito melhor. Nunca o Outro estará satisfeito. É a forma dele se colocar ante o desejo do Outro, pois, na medida em que mantém o Outro castrado, para ele o Outro conserva um desejo impossível. Ele constrói um Outro que pensa, pois com as dúvidas estará sempre mantendo o Outro intacto, preservado pela sua ação, sendo essa a forma de se livrar da angústia de castração.
Dentro das neuroses, teríamos ainda as fobias. A fobia é uma categoria um pouco mais sofisticada dentro dessas estruturas; segundo Lacan a fobia seria o eixo principal das neuroses. Toda neurose, no início, seria fóbica. Só depois, histérica ou obsessiva.
Lacan retomou a observação das fobias infantis, pois toda criança passaria por um momento em que essas fobias seriam constitutivas. A fobia seria apenas o eixo (Lacan fala de “placa giratória”), quer dizer, o momento constitutivo das outras formas de neurose. Por uma razão ou por outra o indivíduo pode retornar à situação fóbica. O que acontece na fobia é que há um significante para todo uso; o objeto fobígeno será sempre o Nome-do-Pai, que em vez de funcionar para barrar o desejo da mãe aparecer simbolizado, presentificado no Real. Será o cavalo, por exemplo, na medida em que produz medo.
No caso descrito por Freud do pequeno Hans [25], por exemplo, houve um deslocamento entre a representação do Nome-do-Pai e o cavalo. Mas, ao mesmo tempo em que se elidiu a angústia, ele a manteve, por isso Freud chamava as fobias de “histeria de angústia”, pois, na fobia, a angústia não está totalmente elaborada.


O cérebro, o sonho e o Real
Nos dias de hoje, a polêmica que envolve os sonhos está permeada pela influência das neurociências e da filosofia da mente, com sua decorrência que é o cognitivismo.
Dentro deste novo momento do conhecimento o cérebro passou a ser entendido unicamente como um sistema físico, funcionando como se fosse um computador, produzindo-se, como conseqüência desta posição, a ausência de um sujeito desejante, de um sujeito que possa ser implicado na responsabilidade de seus atos e de suas escolhas.
Nas investigações neurobiológicas, o sonho foi reduzido meramente a uma conseqüência do funcionamento cerebral. Demonstrou-se que o sonho ocorre regularmente durante o sono e entendeu-se que o sonho seria apenas o resultado do processamento da informação sensorial pelo cérebro.
Há, a partir dessa hipótese, um duplo aspecto a se considerar: um primeiro relacionado ao processamento de informações do mundo exterior e do corpo, e uma outra forma de processamento que decorreria da informação não dependente da entrada sensitivo-sensorial naquele momento e que faria referência ao material interno guardado previamente na memória.
Para sustentar tal posição, os defensores da teoria do sonho entendido como efeito processamento de informação sensorial se valem de experiências que pretendem ter demonstrado uma localização cerebral que daria conta do seu desencadeamento, o que ocorreria nos núcleos celulares bulbo-pontinos. Daí se desativaria o sistema reticular ascendente no mesencéfalo gerando com isso a produção de um neurotransmissor, a serotonina.
Decorreria daí o fenômeno a que se chamou de período REM do sono, sigla que se refere a rapid eyes movement , e que é concomitante à aparição de alterações elétricas localizadas na córtex visual, as quais por sua vez podem ser registradas através do eletroencelograma.
O sono, portanto, desde o ponto de vista do registro biológico, tem dois componentes, um que se chama NREM (no REM) e outro que se chama REM (rapid eyes movement) . A primeira fase do sono se caracteriza por não apresentar estes movimentos oculares rápidos, e a segunda fase do sono apresenta movimentos oculares rápidos.
É no momento do sono REM que ocorre o sonho, concomitantemente a uma série de fenômenos neurovegetativos, além de uma grande atividade cortical e uma acentuada atonia muscular.
Porém existem outros pontos de vista possíveis sobre os sonhos. O próprio lugar que eles ocuparam no pensamento dos homens em todas as épocas sugere que sua importância transcende sua explicação neurobiológica.
Os sonhos desde sempre fizeram parte dos sistemas de crença das diversas culturas, foram sempre o senhor absoluto do mundo interno de cada homem, sendo mesmo considerando a manifestação viva da expressão de uma realidade que transcende os limites da sua consciência e do seu livre-arbítrio.
Daí os sonhos sempre haverem cumprido um papel formador da cultura ao introduzir um além da lógica estabelecida, fato este que confronta o sujeito com um desconhecimento que termina por modificar sua percepção da realidade. O sonho ao impor a experiência do invisível, aponta a uma possibilidade de percepção que vai além dos sentidos, ampliando assim a percepção humana. Por isso o sonho ter sido sempre associado à percepção do futuro. No Egito antigo o sonho foi utilizado como recurso para se encontrar a cura das doenças. Nos relatos bíblicos os sonhos expressam o acesso a um saber exterior à realidade imediata dos fatos. Na Grécia o sonho foi não só investigado pelo seu efeito de obstáculo à lógica, mas também entendido como mensagens divinas. Na Idade Média os sonhos eram pensados como veículo usado pelos poderes diabólicos ou divinos.
O iluminismo, por meio da ruptura que produziu na ordem teológica que determinava o entendimento do mundo de então, possibilitou a o nascimento do individualismo, fato que permitiu o entendimento psicológico dos sonhos ao admitir seu caráter único e particular.
Esta guinada da percepção do homem sobre seu lugar no mundo e o significado de suas expressões psíquicas foi efetivada principalmente por Freud que, vindo da neurologia, ao descobrir o inconsciente, enxergou não só um além do cérebro no sonho, como desfez sua interpretação mística, situando-o como um exemplo que demonstra o descentramento do homem em relação à sua consciência.
Freud tal qual a neurobiologia contemporânea também partiu da premissa do sonho como efeito de um processamento da informação sensorial e apontou duas fontes para as informações a serem processadas: uma relativa ao mundo exterior e ao corpo e a outra relativa ao material interno guardado na memória.
O que difere Freud da neurobiologia é que ele não se limitou a descrever o fluxo do imput e do output dos estímulos, ou a descrever os ciclos do sonho, mas os relacionou com a questão do desejo.
Ao introduzir a questão do desejo nas produções do espírito, Freud subverteu uma orientação unicamente biológica da condição humana e fez do desejo uma ponte do passado com o futuro, ressituando o homem não como um mero efeito de uma regulação maquinal, mas situando a essência mesma do humano no desejo. Desejo este que se expressa pela máquina utilizando a máquina neuronal, porém sem se reduzir a ela.
Com esta intervenção, que é a concepção de aparelho psíquico como diferente do cérebro, a partir de Freud, a relação do homem com a natureza pôde ser expressada de maneira diferente. Por exemplo a subversão do tempo cronológico, tempo que regula os ritmos biológicos, que aparece subvertido por aquilo que os sonhos ensinam, apontando a um outro tempo para o Sujeito.
Freud expressou isso ao término da Interpretação dos sonhos, quando afirmou:
Diríamos que o sonho nos revela o passado, pois procede dele em todos os sentidos. No entanto, a antiga crença de que o sonho nos mostra o futuro não carece por completo de verdade. Representando-nos um desejo como realizado, nos leva realmente ao futuro. Mas este futuro que o sonhador toma como presente está formado pelo desejo indestrutível conforme modelo de dito passado [26].
O sonho abordado pela psicanálise vai além da sua causação biológica, permite questionar a essência do humano, matéria feita de sonhos. O sonho abordado pela psicanálise subverte a noção do real e demonstra que cada um de nós, embora tenhamos a mesma estrutura cerebral, vivemos num mundo único e sem rival.
Qual a verdade revelada pelo sonho? Seria a verdade de uma realidade condicionada unicamente pelo funcionamento cerebral, que criaria o sonho como uma vivência decorrente de um processamento da informação sensorial, ou o sonho atingiria a essência do ser e apontaria a um desejo que constitui o fio do seu destino?
Uma paciente de Freud lhe contou um sonho ela havia escutado em outro lugar. Ele foi sonhado por uma pessoa que havia passado vários dias, sem um instante de repouso, na cabeceira da cama de seu filho que estava gravemente doente.
A criança morreu e o pai pôde finalmente deitar-se para descansar no quarto ao lado de onde se achava o cadáver da criança. Deixou um amigo velando a o corpo da criança e manteve a porta semi-aberta por onde entrava a luz das velas que foram postas ao lado do caixão.
Depois de algumas horas de sono, o pai da criança sonhou que seu filho se aproximou da cama, lhe tocou o braço e murmurou no seu ouvido, num tom de acusação: “Pai não vês que estou queimando?”
Ao ouvir estas palavras, ele acorda sobressaltado, percebe uma claridade intensa iluminando o quarto onde seu filho morto estava sendo velado, corre para lá e encontra seu amigo que ficara tomando conta do caixão dormindo, e vê uma vela caída sobre o caixão que havia posto fogo na mortalha.
Como explicar este sonho? Se tomamos a hipótese de ele ser apenas o processamento da informação sensorial, poderíamos supor que a claridade que entrou pela porta aberta, ao estimular seus olhos, provocou a necessidade de processar este estímulo.
No entanto, Freud, na interpretação deste sonho, dá um passo a mais, e se pergunta o porquê do conteúdo do sonho, porque o filho teria dito ao pai: Não vês que estou queimando?
Mais uma vez Freud admite que esta frase ouvida pelo pai possa ser somente a elaboração de um estímulo anterior, pois não seria improvável que o filho tivesse se queixado dessa maneira ao pai, visto ter apresentado febre na evolução de sua doença.
Afinal, qual o desejo que se realiza neste sonho? Freud aponta que no sonho o filho se comporta como se estivesse vivo, e este seria o desejo que se realiza no sonho. O que Freud não diz é o que vai além do resto diurno desagradável que comporta a recordação do filho morto, e que atinge o pai na sua própria condição de mortal, pois ao negar a morte do filho também estaria negando também a sua.
O Não vês , da frase dita pelo filho ao pai, aponta ao que ele não pode fazer para impedir sua febre, impedir sua doença, e seria uma construção do pai diante da culpa por haver deixado o filho morrer.
Qual é então a realidade que acorda este pai? Qual é a verdade deste doloroso momento? Qual é então a realidade que conforma o destino de qualquer homem? Seria ela constituída apenas pelos estímulos sensoriais, no caso deste sonho, pelo clarão produzido pela mortalha pegando fogo, ou pela dor, pela culpa, pela existência insofismável da morte que se apresenta a um pai que perdeu seu filho mais próximo? O real a que se confronta este pai é o do seu filho queimar pelo fogo ou queimar pela febre?
Lacan, comentando este sonho e sua interpretação por Freud, indaga: “Por que então sustentar a teoria que faz do sonho a imagem de um desejo com um exemplo em que, numa espécie de reflexo flamejante, é justamente uma realidade que, quase decalcada, parece aqui arrancar o sonhante de seu sono?” [27]
Do que é que o filho queima? Do peso dos pecados do pai, nos diz Lacan. Qual é então a realidade que constrói este sonho, qual é então a realidade que constrói a vida que por sua vez constrói os sonhos?
O que o sonho mostra é a ruptura entre a percepção e a consciência. Este espaço é o que Freud chamou de a outra cena. A outra cena é este espaço que depende do cérebro, depende da percepção, depende da realidade, depende do clarão produzido pelo fogo, mas só toma sentido em função de uma outra maneira de funcionamento da mente ao qual Freud chamou de processo primário.
Quando o pai da criança morta é estimulado pelo clarão do fogo o que fez com que ele não se despertasse? Por que antes de acordar ele sonhou?
Antes de acordar, o clarão existia não para a percepção do pai, mas tão-somente para sua consciência. Enquanto isso o sonho existia neste outro lugar entre a percepção e a consciência que Freud chamou de outra cena.
Nesta outra cena o sujeito quer continuar a dormir, e dormir aqui significa mais que sua definição biológica, significa fazer o ser se aproximar de um ideal que constitui seu destino, nem que seja apenas o de evitar o desprazer.
O problema que este sonho coloca então, mais do que questionar a relação do prazer e da realidade, é sobre o que é que faz a pessoa acordar. Lacan neste ponto se pergunta: “O que é que desperta? Não será, no sonho, uma outra realidade? Outra realidade que é a da criança que está perto da cama do pai e lhe murmura em tom de acusação: Pai não vês que estou queimando?” [28]
Não será que essas palavras passam a realidade que causou a morte da criança? Onde está a realidade neste acontecimento?
Temos neste exemplo, como de algum modo acontece em todos os sonhos, o embate entre a ilusão de que nossa vida é o efeito do processamento da informação sensorial e a demonstração de que este processamento de informações veicula a essência desejante do homem, desejo este que o faz se referir a uma outra realidade, a um mundo interno que apenas, se apóia no externo.
Assim, um encontro se dará sempre entre o sonho e o despertar. Um encontro se dará sempre entre aquele que dorme e cujo sonho não conheceremos e aquele que só sonhou para não despertar.
Lacan pergunta: Não despertaríamos então apenas para continuar o sonho que nos permite dormir? Como não ver que o despertar tem um duplo sentido, que o despertar que nos restitui a uma realidade construída e representada tem duplo emprego?
Conclui-se que o real é um além do sonho, e que temos que procurá-lo no que o sonho escondeu. É este o real que comanda nossas vidas, e é a psicanálise que o designa para nós.


Psicanálise e DSM-IV
Formado na época romântica da psiquiatria, quando ela transbordava das suas origens médicas para uma multidisciplinarização que abarcava a complexidade que envolve suas questões, a psicanálise me demonstrou que as “loucuras”, " longe de serem produtos da fragilidade do corpo", eram “virtualidades permanentes de uma falha aberta em sua essência” [29].
A tal ponto o sentido dos atos humanos transcende o meramente biológico, que muitos fizeram sua a citação de Lacan: “longe da loucura ser um insulto para a liberdade, ela é sua mais fiel companheira seguindo seu movimento como uma sombra” [30].
Porém, sem levar em conta o lugar da loucura na definição da razão, a psiquiatria moderna faz constantes referências à tomografia computadorizada (PET), à ressonância magnética (MRF), à monitorização cerebral (BFM) a testes de verificação química de psicopatologias, com o teste de supressão do dexametasona usado para a depressão (TSD), ou a provocação experimental de ataques de angústia pela infusão de lactato de sódio, bem como a monitorização do êxito medicamentoso pela dosagem plasmática do farmaco administrado.
Existem ainda as escalas que “medem” as psicopatologias, como a Maudsley usada para o DOC (Distúrbio Obsessivo Compulsivo), a Hamílton usada para a depressão, o SADS-L (Schedule for Afective Disorders and Scliizophrenia-file-time version), além de padronizações para a investigação psíquica tipo MMS (Mini Mental State) ou PSG (Present State Examínation).
A clínica psiquiátrica, atualmente uma clínica da medicação, através destes instrumentos (exames, escalas, estatísticas), transformou estes critérios em teorias etiológicas, e, num jogo lógico, nos invade com siglas, com pretensões terapêuticas, com antidepressivos RIMA (Re-uptake) ou SSIR, todos baseados em contraditórias observações quanto à presença ou ausência de determinados neurotransmissores, a atual sede da alma (Seu nome principal: 5HT).
Na nova ordem mundial, o discurso lastreado na multiplicação de dividendos tem sido poderoso o suficiente para se fazer ouvir e ensurdecer quase cem anos de investigações das “manifestações do espírito”, como Freud quis que se chamassem os sonhos, os atos falhos, os sintomas, os chistes etc.
Reduzindo o ser do homem ao correlato do funcionamento do cérebro, o principal instrumento desta maneira de pensar é a “revolução” nosográfica conhecida como DSM-III-R (atual DSM-IV), que tem como subproduto a parte psiquiátrica da nova classificação internacional das doenças, na sua décima versão (o CID-10).
Sem entrar nos questionáveis méritos epistemológicos da sua proposta, tida ora como ateorética, ora como empirista, me proponho a comentar o confronto que esta nova convenção traz aos estudiosos da psicopatologia orientados pela acumulação da experiência produzida pela prática da psicanálise.
Um mérito de Freud foi o de ordenar a psicopatologia, principalmente no que se refere às neuroses. No fim do século XIX, Freud organizou este campo, antes esparso e incoerente, opondo neuroses atuais a psiconeuroses, reunindo sob esta designação quadros antes dissociados entre si. A chave desta organização seria a angústia, posteriormente formulada como causa do recalque e conseqüência da ameaça de castração. Tudo isso para dar conta do sintoma, efeito da defesa contra a angústia. Por isso um sintoma detém um sentido passível de decifração pela análise, tendo como conseqüência sua modificação.
No DSM-III e no CID-10, aboliu-se a categoria das neuroses e instalou-se um grupo denominado “transtornos de ansiedade”. Neste grupo se isola uma categoria paradigmática: “ansiedade endógena com manifestações autonômicas”, ou “síndrome do pânico”, que, como diz o nome, seria endógena e autonômica. Além do mais, alguns textos [31] atribuem sua descrição a da Costa e a Freud.
Freud, em 1894, teria usado o termo neurose de angústia para separá-lo da neurastenia provendo sua descrição: ataques espontâneos, tremores, vertigens, palpitações, que seria a descrição da atual síndrome do pânico. O "Manual de Psiquiatria”, de TaIbott [32], chega a se referir ao caso descrito por Freud em “Estudos sobre a Histeria” [33], Elisabeth R, como um caso de ansiedade endógena.
Dentro desse quadro, a principal crítica à este modelo da psiquiatria é a de que apresentar a angústia como doença cerebral seria um “desconhecimento” da descoberta da psicanálise, de que o sintoma tem um sentido. Devido a esse “desconhecimento”, as histerias desapareceram da nova classificação dos transtornos psíquicos feita a partir do DSM-III e transformaram-se em "quadros dissociativos". Também haveria o que pontuar quanto às depressões, que para serem depressões precisam ser, segundo o DSM-III, endógenas. O resto é distimia.
No campo das psicoses (futuros distúrbios desorganizativos), há uma desconsideração das paranóias e uma enfatização dos transtornos esquizofrênicos. Quadro este subdividido em tipo I e II, por Crow, conforme predominem sintomas chamados de positivos ou produtivos, que caracterizariam o tipo I, ou sintomas negativos, sem produtividade, tipo embotamento, o que ocorre no tipo II.
Lacan na “Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos escritos” [34] referindo-se à clínica psicanalítica, diz: “Existem tipos de sintomas, existe uma clínica. Só que ela é anterior ao discurso analítico...”. Afirmar que “existem tipos de sintomas” implica, em se tratando da clínica psicanalítica que, ao se falar de tipos diferentes de sintomas, esteja se fazendo referência à descrição de fenômenos que seriam observáveis fora da transferência, sendo que a nomeação e classificação destes fenômenos seria uma referência à categorias descritas e classificadas antes da descoberta da psicanálise.
A outra afirmação contida nesta mesma citação, a de que “existe uma clínica”, é sem dúvida uma alusão a uma entendida clínica como resultado da aplicação de critérios com os quais se definiram e se relacionaram os diferentes tipos de sintomas descritos. Ou seja, a clínica pensada dentro deste sentido seria uma convenção segundo a qual se identificaria e se classificaria estes diferentes tipos de sintomas, classificação esta feita através de uma sistematização que possibilitou a separação e a ordenação destes tipos de sintoma entre si.
Dessa maneira uma classificação poderia ser entendida como sendo o resultado do emprego da análise e da comparação por seriação, para facilitar e promover o conhecimento.
Também por isso uma classificação implica sempre uma nomenclatura, que é o conjunto de termos particulares a uma arte ou ciência, o que na medicina se refere ao que se chama de nosologia, que é o estudo das doenças e à nosografia que é a descrição delas.
Quanto à outra afirmação de Lacan, ainda na mesma citação, referindo-se à clínica: “Só que ela é anterior ao discurso analítico”, aponta ao fato de que Freud e seus seguidores continuaram usando a nosografia psiquiátrica clássica, tomando dela suas categorias diagnósticas. Freud, que foi contemporâneo de Kraff-Ebing, teria tomado deste autor o uso que ele fazia do termo perversão, da mesma maneira que utilizou o termo paranóia tal qual Kraepelin o fazia, criticou a inovação feita por Bleuler com o termo esquizofrenia, e utilizou a noção de neurose da mesma maneira que Charcot.
Mas mesmo assim Freud fundou sua própria clínica. E ele fez isto através de uma ordenação de uma nosografia e nosologia própria à psicanálise, o que constituía uma ruptura com a psiquiatria da sua época, conseguindo, porém, ao mesmo tempo mantê-la e subvertê-la.
Exemplo disso foi a invenção feita por Freud de categorias diagnósticas inexistentes na clínica psiquiátrica de seu tempo como foi a introdução da expressão neurose de angústia, ou o de neurose atual; assim também foi subversiva para a época a sua proposta de ordenar estes quadros clínicos entre si com o conceito de psiconeurose.
Ainda da mesma maneira se poderia apontar como sendo inovações introduzidas por Freud a "neurose de transferência" e a "neurose narcísica". A nosografia e a nosologia freudianas marcariam a psiquiatria em quase todas suas classificações diagnósticas.
Porém, recentemente, nos anos 80, a partir do DSM-III, a influência da psicanálise sobre a psiquiatria sofreu um questionamento que marcou a separação nítida entre os critérios da clínica psiquiátrica e psicanalítica.
Desde o fim do século XVIII, devido à grande disparidade dos critérios usados pela medicina nos diversos países, pensou-se em criar um sistema único de classificação, o que deu origem à classificação internacional das doenças, conhecido pela sigla CID, hoje na sua décima versão.
Em relação à classificação dos distúrbios psiquiátricos, esta tentativa de estabelecer uma convenção diagnóstica que fosse de uso internacional se efetivou somente a partir de 1946. As primeiras propostas das classificações destes distúrbios as opiniões de Adolf Meyer, presente com seu conceito de quadros reativos, com a nosologia de Kraepelin e também com uma marcada influência de Freud, principalmente no campo das neuroses.
A partir de 1980, com a apresentação do DSM-III, que é a terceira versão da classificação dos distúrbios mentais proposta pela American Psychiatric Association, a classificação das doenças psiquiátricas recebeu uma nova formalização que se propunha como a-teórica, a-histórica e a-doutrinária. Nesta classificação o princípio fundamental seria o de não se fazer referências às teorias anteriores sobre a etiologia ou patogenia das doenças mentais que não estivessem de acordo com o critério do DSM-III, classificação esta que pretendia ser composta unicamente por diagnósticos descritivos vistos como totalmente comunicáveis e empiricamente verificáveis.
O DSM-III era portanto um catálogo que pretendia esgotar todas as formas possíveis do enfermar e aparecia como uma língua nova produzida por um novo modelo, modelo este que seria o que se poderia chamar de clínica da medicação.
Nascido da psiquiatria universitária norte-americana, conhecida como Escola de St. Louis, o DSM-III teria por modelo a resposta padrão à administração de uma substância química específica. Este procedimento denominado de critério operacional pretenderia preencher a ausência de signos patognomônicos e de exames de laboratório em psiquiatria e medicalizar a psiquiatria retirando-a de uma influência filosófica a que estaria submetida anteriormente, principalmente na sua referência à Jasper e à fenomenologia.
A maneira de pensar adotada pelos autores do DSM-III teria sido a conseqüência de uma revolução lógica ocorrida nos anos 30, que pretendeu fundar uma ciência da mente através do formalismo lógico-matemático aplicado às ciências do cérebro. Esta proposta, que foi atribuída a Nobert Wiener e Warren Meculloch, seria a de mecanizar o psíquico assemelhando-o a uma máquina lógica que, pela naturalização da epistemologia, produziria uma filosofia da mente conhecida como cognitivismo.
A partir deste novo modelo classificatório que foi imposto pelo DSM-III, que é o padrão oficial atual da psiquiatria brasileira e do sistema de saúde, impõe-se ao psicanalista perguntar qual o lugar do Sujeito nesta mind inventada por este modelo, no qual a única verdade possível para o Sujeito estaria nos humores contidos nas entranhas do neurônio.
O psicanalista sem dúvida concorda com a existência de diferentes tipos de sintomas. O próprio Lacan articulou a questão que coloca a relação do universal dos diversos tipos de sintomas com o particular de cada sujeito, através da idéia de um “envoltório formal do sintoma”, e esta seria a sua resposta ao ordenamento dos sintomas feito pela clínica psiquiátrica, resposta feita através da teoria do significante.
Assim, ainda na Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos, Lacan, logo após se referir à existência dos diferentes tipos clínicos, acrescenta: “que os tipos clínicos resultem da estrutura eis o que já se pode escrever, ainda que não sem hesitação..." [35]. Ou seja, Lacan não mudou, nem poderia mudar, as categorias descritivas da psiquiatria clássica, porém avançou tentando construir as estruturas que condicionariam estes diversos tipos de sintomas.
Por isso as entrevistas preliminares se colocariam como um meio do analista investigar estes tipos de sintomas, permitido-lhe fazer um diagnóstico preliminar que lhe possibilitasse concluir algo sobre a estrutura clínica da pessoa que veio consultá-lo. Pois o que revelaria esta estrutura seria a defesa diante da angústia, fazendo com que a divisão diagnóstica entre neurose, psicose e perversão seja feita a partir da diferença dos efeitos do tipo de defesa que o particular a cada uma destas estruturas produz.
Assim, por exemplo, para diagnosticar uma estrutura perversa, não basta ao analista perguntar ao paciente sobre sua vida sexual, pois o que define o diagnóstico em psicanálise não é a conduta, o que define o diagnóstico em psicanálise é a posição subjetiva diante do sintoma, e isso faz com que o diagnóstico em psicanálise não possa ser separado da localização subjetiva. Ou seja, na experiência analítica, ao tipo do sintoma que o analisante apresenta, deve-se acrescentar a posição que este assume diante do seu sintoma, o que é feito a partir do seu dizer e não dos seus ditos. Trata-se, portanto, de distinguir entre o dito e uma posição do sujeito frente ao dito.
Levando em conta a posição do Sujeito frente ao sintoma e não somente o tipo de sintoma, talvez o discurso psicanalítico pudesse esclarecer a clínica psiquiátrica e desta maneira a psicanálise poderia produzir uma clínica nova que não dependesse mais da psiquiatria.
Dessa forma a especificidade de uma clínica psicanalítica que não dependesse da psiquiatria, se deveria ao fato de ela não situar o diagnóstico no sintoma, mas sim onde, nesse sintoma, se implica uma fantasia que o determina. Desta maneira se deslocaria uma clínica centrada unicamente nas formas do sintoma para uma outra onde se privilegiaria as modalidades da posição do sujeito na fantasia.
Podemos concluir com Lacan que a resposta da psicanálise à psiquiatria é uma resposta feita pelo recurso à ética da psicanálise, que é uma ética desarticulada dos ideais e do bem-estar e que visa o tratamento do sintoma não tomado como mera conseqüência do funcionamento neuronal, mas uma ética que toma o sintoma como função de um real que é a estrutura que se expressa na linguagem, e que compromete o Sujeito.
Concluindo, se na psiquiatria o diagnóstico se refere unicamente à descrição de fenômenos pensados como invariantes estastiscas, a psicanálise, sem negar a existência destes fenômenos, vai além da sua descrição e indaga sobre sua estrutura de linguagem e responde a isso com formalizações que ampliam o campo da psiquiatria.
Então, haveria uma especificidade no diagnóstico feito pelo analista? Pois, se o psicanalista faz seu diagnóstico na relação transferencial, lá onde ele foi colocado pelo ujeito, é a maneira pela qual o sujeito o constituiu como Outro que lhe dará os subsídios para elaborar seu diagnóstico.
É enquanto Outro que o analista terá essa possibilidade, pois fazendo parte do campo, envolvido na situação, verá surgir os indícios com os quais poderá, só depois estar com o paciente, enunciar um diagnóstico dessa estrutura – o que, muitas vezes, só será possível depois do tratamento.


A psicose no ensino de Lacan
A psicose difere estruturalmente da neurose e da perversão. No fetichismo, paradigma da perversão, o objeto real se transforma em condição erótica, e um sujeito só consegue ter relação sexual se houver este objeto no corpo do outro. Fetiche é o nome que se dá ao objeto dessa condição erótica, que pode ser, por exemplo, cílios postiços, cinta-liga, etc.
Para Lacan o fetiche preenche objetalmente a falta no Outro. Ou seja, evita a falta presentificando-a com um objeto real. O mecanismo psíquico implicado na produção do fetichismo permite que um objeto real tenha a função de anular a castração materna.
Foi com esta evidência clínica que Lacan começou a fazer a releitura de Freud. A partir desse fato deduziu outras formas do sujeito negar a falta no Outro. O fetiche corresponde, na perversão, ao lugar do sintoma na neurose. Devido ao mecanismo de defesa implicado, aparecerá um sintoma ou o fetiche. Já na psicose, a partir da abolição da falta, o que aparecerá serão “fenomenos elementares”, como por exemplo as alucinações.
Na relação do Sujeito com o Outro, o perverso se identificará ao desejo do Outro, assim garantirá o gozo do Outro. No perverso, o lugar do Outro será ocupado pelo Sujeito, numa lógica inversa à da psicose. Na psicose o Outro ocupa o lugar do Sujeito, e essa é a causa da sintomatologia da psicose.





Existe, tanto na neurose como na psicose e na perversão, uma dialética entre o Sujeito e o Outro. Na psicose, o Sujeito será invadido por esse Outro. O gráfico apresenta a situação da psicose quando o Outro e o Sujeito se juntam:



O Outro invade o Sujeito; quando isso ocorre, a fenomenologia da manifestação psicótica se impõe. É o que acontece com o indivíduo que está alucinando, ele é invadido pelo Outro, nela o Outro se confunde com o Sujeito, o que explicaria a fenomenologia da psicose. Por isso, Lacan vai dizer que na psicose o inconsciente está a céu aberto. A explicação de Lacan para a psicose é que o Nome-do-Pai não está presente, daí que o desejo da mãe não está barrado e o Sujeito fica preso a ele, ou seja não há falta.
A “esquizo-análise”, discute a noção da falta, denunciada como ideológica, e coloca suas raízes no capitalismo. Negando a falta, situa a psicanálise como uma ideologia burguesa que visa fazer com que o sujeito entre em harmonia com sua falta, quando, dentro da proposta deles, talvez fosse possível que ela não existisse.
Se há alguém que não tem falta, esse é o psicótico. Só que não se trata de uma situação de beatitude divina, pois o que o caracteriza é não ter vínculo social e não conseguir estabelecer coerência em seu mundo nem na relação com o Outro. O psicótico não tem um mundo, pelo menos o mesmo que o nosso. Por isso catalogamos as suas manifestações como insensatas, irreais, fora de si. Isso seria excluí-lo da humanidade, caso o sentido fosse a essência do homem.
Com a teoria do significante, pode-se a responder a esse problema de uma maneira totalmente nova. Também a questão da psicose torna-se fundamental para a teoria lacaniana na demonstração da relação do sujeito com o significante. Se poderia até mesmo dizer que a paranóia está para Lacan, assim como a histeria para Freud.
A entrada de Lacan na psicanálise, se deu pelos limites que o conhecimento psiquiátrico trouxe sobre a paranóia. A questão da paranóia estava no cerne da teoria do Estádio do Espelho, através da noção do conhecimento paranóico.
Da conhecida tese sobre a paranóia, tardaram mais de 25 anos para que Lacan retornasse ao tema já então da perspectiva do que chamou de seu ensino. Isto foi em 1956, no Seminário III, “As psicoses” [36], que resultou num escrito com o título de “Uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” [37].
A questão colocada pelas psicoses, depois desse texto, somente seria retomada em 1976, mais de 20 anos depois, no Seminário sobre a obra de James Joyce, “Le Sympthome” [38]. Lacan supunha que Joyce tivesse uma estrutura psicótica, embora ele não tivesse tido um surto psicótico. E o que manteve Joyce fora da psicose teria sido sua obra. Quem leu "Ulisses", "Finnegans Wake" ou o "Retrato da artista quando jovem" percebe que há particularidades únicas no uso das palavras por Joyce.
Porém a questão do tratamento das psicoses foi enfatizada de uma maneira muito particular numa comunicação de Lacan de 1977, “Abertura da sessão clínica” [39], com uma observação que se tornou palavra de ordem para os analistas lacanianos: “Não retroceder frente à psicose”, visto certamente as dificuldades que esta prática trazia e continua trazendo aos analistas.
Quase que resumindo sua posição frente às psicoses, Lacan diz no texto “Formulação sobre a casualidade psíquica” [40]:
Longe da loucura ser um fato contingente das fragilidades de seu organismo, ela é virtualidade permanente de uma falha aberta na sua essência. Longe de ser um insulto para a liberdade, ela é sua mais fiel companheira, seguindo seu movimento como uma sombra. E o ser do homem, não somente poderia ser compreendido sem a loucura, como cio não seria o ser do homem se, em si, não trouxesse a loucura como o limite da liberdade.
Essa citação merece algumas considerações. Ao afirmar “Longe da loucura ser um fato contingente das fragilidades elo organismo”, aí já está o descarte feito por Lacan da organicidade das psicoses, e esse vai ser um dos lugares onde ele reafirma a especificidade da psicanálise, posicionando-se diante da polêmica que existe em relação à explicação neuroquímica das psicoses.
Além disso, o que ele está enfatizando, é que a psicanálise, ao descobrir o lugar prevalente da palavra na existência humana, afirma que a palavra, mais do que o centro, é o eixo da existência. Eixo, no sentido da palavra buscar nosso destino entre dois limites; o da loucura e o da morte. A partir deste ponto de vista, a liberdade que se pretende construir desde a condição humana tem seu limite na loucura, e na palavra que pode levar à morte.
Assim, pretender curar a “loucura” como lugar limite do questionamento do humano não é demasiado diferente de se pretender expulsar a morte do horizonte de nossa vida. O louco é o verdadeiro homem livre, pois não precisa de outro, não precisa do semelhante para buscar a causa de seu desejo. Não confundir esta posição, no entanto, com uma certa posição libertária dos antipsiquiatras que colocavam a loucura como ideal do sujeito humano. Lacan, embora situando a loucura como limite da liberdade do homem, pergunta se este limite não é baseado num engano, que é a própria condição da existência humana.
A clínica psiquiátrica atual é a clínica das respostas do sujeito aos psicofármacos, quer dizer, não se classifica mais a manifestação fenomênica de certos sintomas e faz-se o diagnóstico a partir de uma articulação da combinatória desses sintomas, como era a proposta até os anos 50. Atualmente se caracterizam os quadros conforme a resposta à administração dos psicofármacos. Já a psicanálise é a clínica do particular, ela desloca os parâmetros normativos da psiquiatria, centrados em torno das noções de déficit e de dissociação, para recolocá-los nas relações do Sujeito ao outro, que é a estrutura mesma do enquadre analítico.
Dentro dessa estrutura, o é que se fará o diagnóstico. O avanço de Lacan consistiu em introduzir o Sujeito na psicose, coisa que não havia antes, havendo apenas uma medição da psicose. A psicose era medida em termos de défict, de dissociação, de não funcionamento de certas funções mentais. Desta maneira Lacan se mantém fiel à descoberta freudiana de que um sintoma tem um sentido que é independente das vicissitudes do organismo.
Foi aí que se deu a descoberta de Freud, ao perceber que a histeria não é uma produção de uma disfunção orgânica e sim que ela possuía um sentido ligado à história de vida do Sujeito. É justamente na relação do Sujeito como significante, ou melhor, na carência de um significante, é que se situa o drama da loucura. Esta é a tese de Lacan.
A estrutura psicótica, que é o que Lacan teoriza, é a condição decorrente da estrutura do Sujeito que, devido às vicissitudes do Complexo de Édipo, não acede à falta. Este acidente do Édipo possibilita a formação de uma estrutura psicótica, que poderá desencadear ou não um surto psicótico.
Lacan, na época de sua formação psiquiátrica, havia escrito na parede do hospital onde fazia residência: “Só é psicótico quem pode”, no sentido de que não é o fato de querer ser louco que vai possibilitar, é necessário que haja uma estrutura condicionada pela não instalação da castração.
Um outro problema que a questão do diagnóstico traz é a da tipologia das psicoses, central no que se refere ao posicionamento de Lacan em relação às outras leituras de Freud.
Na questão da tipologia da psicose, Lacan retoma o eixo paranóia-esquizofrenia. Nisso haveria um retorno a Kraepelin, e o eixo organizador das psicoses passaria a ser a paranóia. Essa não é a mesma posição de Melanie Klein que, fiel a Freud de 1924, introduz e mantém unicamente a melancolia como neurose narcísica.
A organização que Lacan fez no campo das psicoses, a partir da paranóia, seria fazer equivaler a paranóia, na explicação freudiana, ao momento do narcisismo, o que corresponderia à fase do Estádio do Espelho. A esquizofrenia, que na postura freudiana equivaleria a uma regressão ao auto-erotismo, para Lacan corresponderia ao corpo despedaçado. Então, nesse sentido, o esquizofrênico adoece por falta de paranóia, falta do Estádio do Espelho, organizador do corpo.
Já as depressões aparecem sistematizadas por Kraepelin, no eixo da melancolia com a mania. É a chamada psicose maníaco-depressiva. No entanto ela recebeu outros nomes: “psicastenia” em Janet, “paixão triste” em Esquirol ou “melancolia”, como preferiu Freud. Na psicanálise, a depressão implica uma avaliação de um estado de ânimo. O inconsciente aparece aí convocado somente no momento da comunicação desse estado de ânimo. Por isso Lacan diz que toda tristeza é incumbência do pensamento. A vivência depressiva carece então de uma autenticidade ao menos verbal. Assim, Lacan, trata a tristeza a partir do saber.
No entanto, o que interessa mesmo nas depressões é a perda de objeto, e não o recalque. A questão foge assim, segundo Lacan, das estruturas, pois há o fato de a perda do objeto se dar na psicose ou na neurose.
Na psicose, principalmente na melancolia delirante, uma das características que faz obstáculos à inscrição da melancolia como uma estrutura clínica, é o fundo de verdade que ela encerra: o abandono do Outro. O Outro tem uma falta, e essa falta é de estrutura. Lacan seguindo a Freud, chama isso de lucidez da melancolia, pois nas palavras de Freud não há outro pecado universal além da dor de existir.
Na visão da psicanálise, para um sujeito qualquer, uma organização mínima de significantes é constitutiva de seu mundo. Essa organização não é dada de entrada, ela é dada a partir de uma estrutura mínima que Freud chamou de Complexo de Édipo. A tese de Lacan é que no psicótico esta perturbação dos sentimentos de realidade, das relações com o outro, desse delírio comum que funda o sentido comum, encontra a sua razão num acidente dessa organização significante.
Recolocando a referência ao Édipo no cerne da teoria psicanalítica das psicoses, é no acidente desse registro que Lacan designa o efeito que dá à psicose a sua condição essencial, com a estrutura que a separa das neuroses.
Freud havia identificado o inconsciente com o recalcado. Lacan, ao afirmar que havia elementos inconscientes que estariam inconscientes por efeito de um outro mecanismo diferente do mecanismo de recalque, está afirmando que há uma função do inconsciente diferente da de recalcado.
O que Lacan fez foi retomar o mecanismo que aparece esparsamente na obra de Freud e unificá-lo sob um mesmo nome proposto por ele que é: forclusion, traduzido ao português como “foraclusão ”.
Esse nome se refere a um procedimento jurídico e significa que um crime não pode mais ser punido devido à sua prescrição. A especificidade desse mecanismo jurídico, segundo Lacan, serve para esclarecer o uso que ele faz do conceito que retira de Freud.

Esse termo, toma o seu valor na medida em que se pode diferenciar de outros como recalque e recusa. O significante que falta devido à foraclusão é o significante do pai. Lacan introduz o pai, não como sujeito biológico, mas como significante que ele chama de Nome-do-Pai, que na teoria lacaniana é o significante da Lei no Outro.
Lacan define a causa estrutural das psicoses como a impossibilidade de que o significante pai advenha no nível do Simbólico. Desta forma, Lacan reorganiza o campo psicanalítico das psicoses.
A psicose no ensino de Lacan tem uma estrutura, decorrente da foraclusão do Nome-do-Pai, que é o significante fundamental que estabelece a organização de significantes, e que assegura a estabilidade do mundo de todos nós. A psicanálise ensina, pelo menos desde essa teoria, que a psicose expõe o sujeito no nível mesmo da sua estrutura. A ponto de Lacan dizer que a psicose é a estrutura.
Decorre da posição de Lacan que a clínica psicanalítica das psicoses não inclui uma clínica do indivíduo biológico, pois só há sujeito, pelo efeito do significante. A hipótese de Freud de que o delírio constitui uma defesa diante de impulsos homossexuais se demonstra insuficiente. A questão homosse­xual detectada por Freud não é a causa determinante da paranóia, senão o sintoma. Tampouco se trata de uma clínica de desenvolvimento psicossexual, a partir do ponto de vista genético. Se Freud enfatizou a regressão narcísista na psicose, não o fez para excluir a função paterna.
Diante destas considerações é possível uma psicanálise da psicose?
Se a psicose decorre de uma alteração do Simbólico, e é essa estrutura simbólica que coloca a possibilidade da existência do Outro; no caso da psicose, ao não funcionar o registro do Simbólico, não há saber no Outro. Há uma atribuição de certeza ao Outro, não uma suposição.
Justamente é esta atribuição de certeza que caracteriza a irredutibilidade do delírio do psicótico. A característica da estrutura psicótica é a certeza. O psicótico não duvida de suas afirmações, por isso nós dizemos que ele delira. A via do Simbólico, via da análise por excelência, onde se põe em causa o discurso e seus equívocos, fica alterada. O psicótico estará fora do significado porém não fora da linguagem.
A transferência, que é a possibilidade da precipitação da verdade pelo Outro, não opera, ou opera de maneira diferente. Por isso a necessidade de Lacan colocar uma questão preliminar a todo tratamento possível de psicose. Para que o tratamento seja psicanalítico, para que não seja uma psicoterapia das psicoses, para que seja psicanálise na sua especificidade, na especificidade que a difere na prática psicoterapêutica, Lacan vê a necessidade, de uma ação que ele chama manobra de transferência.
Só há análise quando a transferência aparece como saber. Então a ação do analista consiste em possibilitar a passagem da transferência como resistência à transferência como saber. Essa atuação é o que Lacan sugere que se chame manobra de transferência.
Essa manobra no psicótico consistiria numa mudança necessária da posição que o psicótico ocupa no início da situação analítica. Pois, em decorrência, da sua estrutura, o psicótico se coloca diante da demanda do outro como objeto. E esse é justamente o lugar que o analista deve se colocar. Não se pode deixar de dizer que essa noção de analista como objeto é uma intuição kleiniana que Lacan recupera. E justamente quando Lacan formaliza a via do Real na análise, que é a do analista como objeto, é que se vai tornar possível efetivar a prática psicanalítica com psicóticos.
No entanto, em1956, a posição de Lacan era de que a psicanálise das psicoses era possível. Porém, isso introduzia a concepção a ser formulada da manobra de transferência que ele na época não tinha elementos para formalizar.
Na época, por não ter elementos para ultrapassar Freud, Lacan não foi mais longe. Seu objetivo era restaurar o acesso à experiência que Freud descobriu, colocando nestes termos o destino do praticante que desconhecesse as lições impostas pela psicanálise, ou as lições impostas pela psicose. Diz Lacan: “Utilizar a técnica que Freud instituiu fora da experiência na qual ela se aplica é tão estúpido quanto fatigar-se no remo quando o navio está na areia” [41]. Quer dizer, tentar fazer análise num psicótico sem essa manobra da transferência, ou sem a especificação do que é psicótico, não poderia ser psicanálise porque os pré-requisitos constitutivos da estrutura da situação analítica não se efetuam.
Fica a questão da manobra da transferência que é formalizada, tal qual se entende isso hoje em dia, não a partir diretamente de Lacan. Ele nunca chegou a formalizá-la, mas seus seguidores, desde certas indicações em sua obra, pretendem fazê-lo. Ela consistiria numa inversão do lugar que o paciente ocupa em relação ao analista no início da cura. O psicótico se coloca na posição de objeto e se dirige ao analista na posição de sujeito. Nessa situação o psicótico está na posição de analista e o analista na posição do paciente. A menos que haja uma inversão dessa posição, a análise não é possível.
A indicação que se retira de Lacan é de que o terapeuta se coloque na situação de secretário do alienado. O psicótico é aquele que não teve acesso à castração, por isso ele não tem acesso ao Simbólico. Ao não ter acesso à castração, ele é totalmente invadido pelo gozo do Outro, ele é totalmente tornado pelo Outro, nas vozes que ele escuta, nos delírios que ele constrói. São respostas a esse interlocutor que é o Outro com o qual ele conversa e pelo qual está tomado. O terapeuta nesse momento, ao se colocar como secretário do alienado, na verdade se coloca como sujeito castrado diante desse outro, marcando esses limites ao psicótico. É interessante que, atualmente, a prática de acompanhantes terapêuticos parece que cumpre exatamente esta função, embora seja uma prática totalmente desvinculada da psicanálise e bastante recente. Mas é usada porque é eficaz.
Uma conseqüência importante do ensino de Lacan é que a psicose e a neurose são estruturas separadas e que não se comunicam. Em contrapartida, na visão kleiniana, há continuidade entre psicose e neurose, sendo a psicose a estrutura fundamental onde a neurose aparece como uma defesa em face da psicose.
Em função dessa especificação é que se justifica a abordagem particular e única que os analistas lacanianos fazem da psicose e é importante manter-se firme na proposta de não retroceder diante da psicose, principalmente diante do que temos que aprender com ela.


Alucinação e psicanálise
A alucinação recebeu seu nome e sua definição, que ainda hoje é usada pela psiquiatria, em 1817 de Esquirol, um psiquiatra francês, aluno de Pinel.
A definição da alucinação como “uma percepção sem objeto”, além de ter organizado semanticamente uma série de fenômenos antes nomeados de modo diferente, também implica teoricamente uma concepção do funcionamento psíquico, quer queira ou não, há quem aceite esta definição. Esta concepção correlaciona a idéia da adequação da percepção à realidade, o que se daria unicamente através dos órgãos dos sentidos.
A alteração dessa adequação entre o objeto e a percepção produziria as alucinações, que seriam tantas quantos são os sentidos: auditivas, visuais, táteis, cinestésicas, gustativas.
A primeira incidência importante, nesta organização classificatória, foi feita por Baillerger, que ampliou a semiologia anterior das alucinações, acrescentando às descritas por Esquirol (as alucinações psicossensoriais) a observação de fenômenos que chamou de alucinações psíquicas (chamadas também de pseudo-alucinações por Karidinsky, ou de alucinações aperceptivas por Kahlbaun). Com isto Baillerger ampliou a questão da alucinação, antes somente entendida como alterações exclusivas da senso-percepção, para sugeri-la como podendo ser definida pelo caráter involuntário destas vivências, mudando assim o eixo onde antes elas estavam centradas, que era o “erro de percepção”, para defini-la a partir da característica de ser uma vivência estranha à personalidade de quem a refere.
Ou seja, tanto a alucinação psicossensorial, como a alucinação psíquica testemunham um automatismo, mas elas diferem entre si na medida em que as alucinações psicossensoriais possuem um caráter de espacialidade sensorial e as alucinações psíquicas se referem a um fenômeno cuja característica principal é a de ser imposta e sem objetividade espacial.
A principal conseqüência desta diferenciação foi que a partir dela se tornaria possível a inclusão progressiva dos fenômenos de linguagem no campo das alucinações.
Uma terceira e última operação, que definiria definitivamente o campo “clássico” da semiologia das alucinações, seria ainda feita em 1892, por Sèglas. “Uma pequena revolução” [42], no dizer de Lacan, que consistiu na descrição das alucinações motrizes-verbais, o que produziria o efeito de se introduzir a pergunta sobre o “sujeito da alucinação”, ou dito de outro modo, quem alucina?
Referindo-se a isso, Lacan no Seminário III diz que a alucinação psicomotriz-verbal trouxe à tona a constatação de que na palavra humana o emissor é sempre e ao mesmo tempo receptor, já que escuta o som das próprias palavras.
Esta semiologia seria ainda completada pelo próprio Sèglas que, ao distinguir alucinações auditivas das verbais, propôs que se classificasse a última como uma patologia da linguagem, o que aproximaria o fenômeno da alucinação mais ainda ao campo da psicanálise.
Embora antes de Freud as alucinações já tivesse sido associadas aos sonhos, o que foi feito por Moreau de Tours em 1845, decorrente de suas pesquisas com substâncias psicoativas (o que abriria caminho para a nomeação do onirismo como entidade clínica por Regis em 1900), coube no entanto ao pai da psicanálise tomar esta via de investigação e no sonho pensar ter encontrado o modelo do funcionamento psíquico que explicaria o mecanismo comum a todas as alterações psíquicas, inclusive a alucinação psicótica.
Esta proposta, que se encontra presente em Freud desde o apartado H da “Interpretação dos sonhos” [43], encontrou uma continuação no “Suplementos à teoria dos sonhos” [44], onde Freud, a partir do seu modelo “telescópico”, retoma a explicação da recordação como efeito de uma atualização alucinatória de um registro mnêmico, o que se daria pelo mecanismo da regressão. Neste texto, Freud avançou esta sua hipótese a ponto de poder propor algumas diferenças entre o trabalho do sonho e a esquizofrenia.
Para Freud, no sonho o processo primário afetaria as representações de coisa, enquanto na esquizofrenia seriam as representações de palavras as afetadas. Em segundo lugar, no sonho se produziria uma regressão tópica até a percepção, fato que não aconteceria na esquizofrenia.
Isso implicaria, para Freud, que a alucinação não seria um fenômeno central da psicose. Por isso Freud separou esquizofrenia e alucinação e criou uma nova entidade clínica que englobaria o sonho (pela sua manifestação de onirismo) e a confusão alucinatória aguda (a Amentia de Meynert), quadro que Freud batizou de “psicose alucinatória de desejo”.
Não foi suficiente portanto para Freud a explicação da alucinação como simples efeito da regressão, pois se fosse assim qualquer regressão intensa poderia produzir uma alucinação. Segundo Freud, para que houvesse alucinação seria necessário, além da regressão, que ficasse suspendido o exame do critério de realidade, que é o que permitiria distinguir as percepções das representações. O que Freud deixou de explicar adequadamente foi o que faz com que este critério de exame da realidade fique suspendido.
Desde o final do século XIX até as quatro primeiras décadas do XX, as bases da psiquiatria clínica, alemã e francesa já estavam constituídas e isto sem dúvida produziu forte influência nas obras de Freud e de Lacan.
Uma das conseqüências disso seria que se para Freud o fenômeno alucinatório não era o fato central na psicose, ele talvez o fosse para Lacan.
Lacan, nesta questão, seguiria o seu declarado mestre em psiquiatria, Clérambault, para quem o fenômeno alucinatório está sempre subjacente aos delírios? Se for correta a indicação que G. Lanteri-Laura faz em seu livro Les hallucinations [45], atribuindo a Lacan a autoria do texto publicado no número 1 da revista “Scilicet” onde a alucinação é proposta como fenômeno suficiente e necessário para o diagnóstico do estado psicótico, a resposta à pergunta anterior seria afirmativa. Também no mesmo artigo há uma afirmação que demonstrada sua pertinência, revolucionaria o campo da semiologia das alucinações: “a alucinação é sempre verbal”.
Talvez encontremos uma resposta a esta polêmica (mesmo sem esclarecer a autoria do texto de Scilicet) no texto escrito por Lacan em 1961 para a revista “Les temps modernes”, no número dedicado a Merleau-Ponty que havia falecido recentemente.
Neste texto, em contraponto com as posições do filósofo sobre a questão do visível, há como uma tomada de posição de Lacan em relação à alucinação (paradigma do invisível que se faz visível?). Ele o faz abordando a questão cartesiana do “Eu penso” em relação ao “Eu sou”. Dito de outra maneira, tratar-se-ia de poder reunir a “extensão”, res extensa, (o “Eu sou”), e o pensamento res cogitans (o “Eu penso”).
Se para Merleau-Ponty o corpo identifica-se à percepção e, por isso, impõe a existência de um momento pré-reflexivo, o que faz com que o sujeito, por isso mesmo, só esteja depois em seu pensamento, Lacan propõe uma solução um pouco diferente: antes de mais nada estaria a presença do Outro para o sujeito. Quer dizer, para Lacan o sensorium funcionaria apenas como Outro para o sujeito, e não como seu centro.
Mais ainda, para Lacan não existiria nenhuma posição que possa reunir o Eu sou” e o “Eu penso”, o que tem por conseqüência um sujeito sempre dividido.
J.-A. Miller [46] nas aulas de 4 e 11 de julho de 1987 do seu seminário de DEA, propôs o seguinte modelo para o que poderia ser a estrutura normal da percepção:



J.-A. Miller, com a expressão “estrutura normal” da percepção, certamente estaria se referindo ao modelo compartido pelos teóricos da alucinação, onde o percipiens e o perceptum dependem de uma referência à realidade, ou seja, somente quando há um ajuste entre ambos com a realidade se conseguiria a objetividade.
Desta maneira, a alucinação se daria quando a realidade não está implicada no perceptum . Neste momento a causa dela passa a ser imputada ao percipíens.
A percepção alucinatória foi assim esquematizada por Miller:

 
Lacan, se opondo a esta forma de se estabelecer a compreensão do processo da percepção e ao se situar de uma maneira que questiona a base fundamental deste modelo, já trouxe de volta o debate sobre a alucinação para uma questão de ordem que seria anterior aos demais debates, e com isso se opôs a todas as outras posições existentes sobre o tema, quer fossem elas psiquiátricas ou filosóficas.
Este confronto se deu, visto que Lacan inverteu o que era antes aceito como sendo o mecanismo da percepção, ao conferir ao perceptum uma função de causa, cujo efeito de divisão recai não sobre o percipiens, como antes, mas sobre um Sujeito.
Eis o esquema proposto por J.-A. Miller para o “modelo lacaniano” da percepção:



O “modelo lacaniano” da percepção, esquematizado por Miller, evidência a subversão feita por Lacan neste campo, que antes de mais nada foi efeito de ele reconhecer o perceptum como fato de linguagem, e o elevar à categoria de “causa” do sujeito. Não há portanto um sujeito ativo da percepção, mas apenas um sujeito que é efeito da divisão do significante.
Conclusão maior: a percepção do mundo só se opera através do campo da linguagem. Está implícito na proposta de Lacan que o perceptum alucinatório seria anterior ao Sujeito, destituindo desta maneira o percipiens do lugar central que antes ele ocupava na mentalidade ocidental. Assim, se são os significantes que condicionam a realidade, e não ao contrário, como é a posição da psiquiatria, alguém poderá até sentir “cheiro de diabo”, fato que poderá tanto ser uma metáfora, como o retorno pelo Real do que foi foracluído no Simbólico.
Mas nos dois casos se tratará só de significantes, não do bulbo olfativo e das entranhas cerebrais.


A loucura depois de Lacan
Na visão de Homero, os homens não passariam de bonecos à mercê dos deuses, e por não terem o domínio de si mesmos, o seu destino seria conduzido pelas “moiras”, o que criava uma aparência de estarem fora de si, de estarem tomados, possuídos por uma força maior e exterior. A isso os gregos chamaram “mania”.
Segundo Sócrates, este fato produziria várias manifestações, sendo uma delas a mania “profética”, proveniente do deus Apolo e que seria um tipo de loucura em que os deuses se comunicariam com os homens, possuindo o corpo de um deles para utilizá-lo como veículo da mensagem que queriam enviar. E como os deuses falam sempre a verdade, com este tipo de “mania”, que seria a do discurso oracular, produziu-se para este signo da loucura sua face de sabedoria, mística, que até hoje permanece vigente.
Outra manifestação da loucura entre os gregos, foi a ritual ou dionisíaca. Nela o louco se via conduzido ao êxtase através de danças e rituais orgiásticos, ao fim dos quais seria possuído por um dáimon. Este tipo de mania, pelos efeitos catárticos que produzia, continha em si sua própria cura e provavelmente tenha sido a origem dos “carnavais” e de outras festas populares existentes até hoje. Não seria este tipo de loucura também o responsável pela idéia de que seria necessário se liberar das forças ′′subterrâneas” (“instintivas”) existentes na natureza para não enlouquecer?
Haveria ainda, no entender de Sócrates, a loucura amorosa produzida por Afrodite e também a loucura produzida pelas musas, a poética. Mas em qualquer uma delas a loucura denotava o caráter exterior deste saber que se expressava através do sujeito, ora por oráculos, ora pelas manifestações do dáimon, ora pela inspiração das musas. E esta manifestação do “outro”, que constituiria a fonte da mania, por ser detentora de uma “verdade” que se revelaria desta maneira, seria por isso considerada sagrada.
Uma outra postura subjetiva, determinante de uma nova significação da loucura, foi produzida pelo cristianismo. Esta outra posição subjetiva radicalizou o caráter da exterioridade da loucura, atribuindo sua causa ao dáimon cristianizado, que é o demônio , e que, além disso, a valorizou negativamente, significando-a como produto do pecado, responsabilizando moralmente o sujeito acometido por ela. Foi assim que fenômenos como os das epidemias de feitiçaria, ocorridos principalmente na Idade Média, transformaram-se na origem da Inquisição, que foi o “tratamento” indicado pela Igreja para curar esta “doença” espiritual.
O demônio, signo do mal, passou a ser sinônimo e justificativa da loucura que, através da possessão das feiticeiras, produziu um signo da loucura ampliado, ao qual, a partir daí, juntaram-se o caráter de “ruim e de mal”, embora ainda mantendo as características de “exterior” e “sagrado” que este signo já possuía anteriormente. Para mudar esta concepção não foi suficiente nem mesmo um Erasmo de Rotterdam, que tentou restituir a este signo, no seu livro “Elogio da loucuraseu aspecto de sabedoria.
Mas foi somente ao ser anexado à razão que. a loucura sofreu sua mais radical modificação. Isto teria ocorrido pouco antes da Revolução Francesa por obra de Pinel que, ao separar o louco do criminoso, afastou o aspecto de julgamento moral que constituía até então principal parâmetro da loucura.
Apesar da importância deste fato em si mesmo, a principal conseqüência do ato de Pinel refletiu-se na leitura que o filósofo Hegel fez da loucura. Em 1817, Hegel afirmaria, num artigo escrito para a “Enciclopédia de filosofia”, que a alienação mental não seria a perda abstrata da razão, como até então se acreditava, mas segundo ele a loucura seria decorrente de uma contradição interior à própria razão.
Mesmo usando a palavra “alienado”, Hegel afirmou que não haveria uma “outra” razão ou mesmo uma desrazão que motivasse a loucura, como se acreditava antes e pretendeu demonstrar que esta provém unicamente de algo interno a ela própria. Com isso a loucura deixaria de ser necessariamente o oposto da razão ou sua ausência, e a partir daí ela pôde ser pensada inerentemente à razão. Foi o que tornou possível a operação de pensá-la como dentro do sujeito e, portanto, possuidora de uma lógica própria.
Hegel, com esta sua intervenção, tornou possível pensar a loucura como pertinente e necessária à dimensão humana, chegando ao ponto de afirmar que só seria humano quem tivesse a virtualidade da loucura, pois a razão humana só se realizaria através dela. O signo loucura, com isso, passou então de uma posição onde alguém (Sócrates, por exemplo) significava esta “alguma coisa” (mania) como caracterizado por ser além-da-razão, para uma outra posição onde “alguém” (Hegel, no caso) significava esta “alguma coisa” (loucura) como interior e necessária à razão.
Passou-se desta maneira da desrazão para a doença mental e, decorrente desta nova postura subjetiva em relação à loucura, ela pôde ser capturada e pensada como pertinente a uma subjetividade particular. Com isso, ela deixou de ser uma loucura, universal, uma loucura de tudo e de todos, uma loucura dos deuses que criariam uma loucura do mundo, e passou a ser uma loucura de cada um que, levando em conta o particular deste sujeito, passou a ser apenas loucura dos homens.
Modernamente, através da obra de Foucault, houve ainda uma outra tentativa de se estabelecer uma lógica própria da loucura, porém retirando-a radicalmente do monólogo que, segundo este autor, a razão realizaria sobre ela.
Foucault, ao situar a loucura como não sendo natural ao homem e ao negar sua origem no uso da razão, propôs de maneira radical sua causa como cultural. Nesta outra tentativa de conotar o signo loucura, este não seria o relato de um fato da natureza, mas seria a constatação de um fato próprio às culturas que a definiriam. Com isso, Foucault relativizou ainda mais a significação deste termo que, com esta modificação, só seria possível de ser definido para uma determinada época, a partir de parâmetros, culturais.
A psicanálise, que sempre esteve advertida da relatividade das significações, nunca deixou de denunciar que “alguma coisa” a que se refere o signo é sempre uma referência de alguém. Por isso tentou ser uma disciplina que incorpora no seu exercício os signos (e daí a metodologia da associação livre) como só tendo sentido por serem sempre uma referência de alguém. Tanto foi assim que Freud viu a necessidade de incluir, desde o início da sua obra, a idéia de uma “realidade psíquica”, para relativizar a noção de uma realidade que se assemelharia ao substrato material dos fenômenos ou, dito de outro modo, de uma significação possível de ser uniformemente compartida.
Dessa maneira, para a visão da psicanálise, cada um vive unicamente numa realidade que lhe é própria e que é efeito da exclusão de sentido que o sujeito opera para garantir seu narcisismo. Porém, esta realidade única, conseqüência do “filtro psíquico” que constitui a causa da parcialidade das vivências que existe para cada um de nós, em que difere da parcialidade do delírio dos psicóticos? E o sentido das palavras, ao se constituir sempre pela exclusão de outras possibilidades de sentidos, cobra de quem a garantia da sua verdade? E, se não há uma realidade última, se não há uma verdade absoluta, não seria que, desde este ponto de vista, todos são loucos ou mesmo ninguém o é? O que é então a loucura para a psicanálise?
Foi através de Freud, de Lacan e de outros psicanalistas, colocados na posição deste “alguém” para o qual se significa alguma coisa, que se determinou, não de uma maneira unívoca, mas desde várias posições diferentes, essa “alguma coisa” que seria para a psicanálise o signo loucura. Mas mesmo se tomarmos os autores psicanalíticos um por um, internamente a suas obras, também encontraremos significações e usos diferentes para este signo.
Freud, por exemplo, utilizou-o tanto como oposto à razão quanto, tomando-o em referência à loucura, definido como objeto-médico, recebendo seu nome próprio que é o de “psicose”.
O conceito de “psicose”, muitas vezes tomado como sinônimo da loucura, originou-se como oposição dialética ao de neurose que literalmente, quer dizer “degeneração dos nervos”, definição que fala mais de uma etiologia do que de uma categoria nosográfica. A psicose, termo de data anterior ao nascimento de Freud, no início se referia às doenças mentais que não seriam decorrentes da degeneração psíquica, isto é, elas seriam os transtornos mentais por excelência. No entanto, pela subversão que a psicanálise produziu no campo das neuroses, foi formulada no final do século XIX e no início do XX uma definição deste quadro, numa tentativa “científica” feita pela psiquiatria, através de uma referência à fenomenologia, como distúrbios caracterizados por “fenômenos” evidenciáveis e passíveis de serem convencionados por uma psicopatologia estabelecida.
Porém, as várias convenções para se diagnosticar a psicose, entre elas a de Kraepelin, eminentemente evolutiva; a de Bleuler, psicanalíticamente influenciada; a do DSM-III, pretensamente ateorética, sempre se valeram de signos diferentes – estes foram pretensamente reduzidos a seus mínimos, como os estabelecidos por K. Scheneider, com os sintomas de primeira ordem, ou mesmo por Clérambault, com os fenômenos elementares.
Daí a confusão existente (até hoje) nesta área, em que ainda não se conseguiu definir parâmetros eficazes para relacionar o fato clínico (inventariante fenomênica?) e o signo que o nomeia.
Talvez por isso sempre se tenha tentado definir a loucura dentro de uma versão específica à psicanálise, o que seria uma tentativa de se substituir o signo psicose, produto do discurso médico, para estabelecê-lo dentro de parâmetros próprios à psicanálise.
Foi o que Freud tentou fazer quando chamou de “neurose narcísica” a uma situação analítica particular, caracterizada pelo fato de o paciente não estabelecer transferência com o analista, pretendendo definir analiticamente desta forma uma das conseqüências da psicose. A particularidade deste signo assim abordado seria a de que esta “alguma coisa” se caracterizaria por não supor que um outro, constituído pela presença do analista, nunca participaria do seu mundo, não estabelecendo nenhum tipo de relação, daí seu “autismo”, nome do sintoma deste retraimento que, para Freud, era a essência da psicose.
Mas, sem dúvida, foi com Lacan que a loucura adquiriu sua maior abrangência e fecundidade. Não só Lacan a transformou no fio condutor do seu ensino, como elevou a loucura ao status de reveladora da estrutura do Sujeito, pois para ele o louco seria o único que poderia ser testemunha do Real e através dele seria possível saber diretamente do real, visto que o neurótico só pode aceder ao Real pelo Simbólico.
Mas esta referência não é a qualquer louco e, neste ponto, Lacan fez questão de ser preciso. Lacan opôs ao louco “limite da liberdade humana”, decorrente da lógica hegeliana, o “louco objeto-médico”, definido dentro da tradição psiquiátrica francesa. E foi a partir deste referêncial do signo loucura que Lacan retirou as coordenadas para estabelecer a estrutura do Sujeito.
Logo no início de suas investigações sobre a paranóia, Lacan descobriu que o sujeito é determinado pelo Outro, ou seja, que ele é causado desde o Outro, chegando a dizê-lo de uma maneira mais radical que ele só existiria a partir do Outro (uma das características da paranóia são os delírios de perseguição).
Radicalizando esta constatação e referindo-se à “personalidade” em suas relações com a psicose paranóica, Lacan elaborou a sua proposta de que o conhecimento humano seria um “conhecimento paranóico”, acentuando o fato deste ser sempre uma referência à verdade no que ela é alheia a si mesmo. Pouco depois, Lacan universalizaria suas conclusões aprendidas com a paranóia e as formularia através da teoria do Estádio do Espelho.
Assim, para Lacan como para os gregos, a loucura e todo o conhecimento humano também teriam sua origem no que é exterior ao Sujeito, porém, à diferença dos gregos, o exterior não seria constituído pela vontade dos deuses, mas pelo que é exterior ao conhecimento que o Sujeito tem de si mesmo, o que é uma referência ao inconsciente.
Posteriormente, Lacan, ao colocar o Sujeito como decorrente da sua relação com o Outro, fato a que chamou de “alienação”, tornou patente sua consideração do destino humano relacionado com a loucura, fazendo decorrer toda uma ética deste fato.
Se freqüentemente houve uma confusão na qual a discussão sobre a loucura sempre esteve imersa, foi devido à visão psicanalítica de que todos os falantes poderiam ser loucos, de que todo pensamento poderia ser delírio. Isto se deve ao fato de que cada sujeito constrói seu próprio universo através da sua própria realidade psíquica. A definição psicanalítica de loucura retirou seu uso restrito a "doença mental" e subverteu sua compreensão.
A definição da loucura como objeto-médico na tradição francesa (de que Lacan faz uso), a partir da correlação dos fenômenos psicopatológicos alucinação/delírio, (que são correspondentes às alterações das funções psíquicas “senso-percepção”/ “juízo”, características como “transtorno de percepção”/ “juízo falso”), foi sistematizada pelo viés analítico, tanto por Freud, que o considerou como efeito do conflito Eu/realidade ou do conflito narcisismo/castração, como por Lacan, que propôs para a psicose uma formalização revolucionária que apontaria, através desta manifestação, para a essência da situação humana.
O ensino de Lacan propõe que tudo parte do significante. A psicose, tal qual a neurose, também é efeito desta estrutura (que recebeu o nome, em psicanálise, de Complexo de Édipo). A psicose, tal qual a neurose, seria decorrente de um acidente ocorrido durante a elaboração do Complexo de Édipo o qual teria por efeito a inserção, ou não, do Sujeito na ordem Simbólica. Isto se daria devido ao fato de que o significante fundamental para a instauração da ordem simbólica, o significante do Nome-do-Pai, pudesse comparecer barrando o Desejo da Mãe. Isto pode não acontecer e esta seria, para Lacan, a causa da psicose. O sujeito não acederia ao Simbólico porque ficaria preso ao desejo materno, porque este não foi barrado pelo Nome-do-Pai que, por sua vez, estaria ausente devido ao fato de ter sido “foracluído”.
Com esta nova maneira de entender a loucura, se fez também uma outra leitura da cultura, aqui tomada como produzida pelos efeitos do Simbólico e esclarecida a partir do seu fracasso. O louco, seria aquele que, ao não se inserir na ordem Simbólica, não faz laço social ou, dito no jargão lacaniano, está fora do discurso. O Simbólico decorre desse efeito da operação do Nome-do-Pai que, ao barrar o todo do prazer, metaforizado como o Desejo da Mãe, instaura a falta (castração), motor do desejo. O psicótico, no ponto em que o Nome-do-Pai não está, não fica aberto à falta e neste lugar, ali, ele é todo, é completo, ele é só gozo, é sem desejo, realizando assim em ato o sem-sentido do seu destino.
O psicótico, segundo Lacan, é quem nos ensina do Real, pois este é o não simbolizado, é o gozo inútil desligado da alienação do sentido. O psicótico é o louco que, à diferença dos outros loucos, não se defende do Real pelo Simbólico e por isso não se aliena, como os outros, nas palavras. O psicótico é o louco cujo Simbólico não se separou do Real, por isso, para ele, a palavra não mata a coisa e o gozo não está interdito. Ele se torna, assim, a testemunha cruel da não substituição do gozo pela linguagem e pelo seu triste destino, fala-nos da situação humana que é a de ser o eterno joguete entre a procura de uma completude que não existe e a estupidez de um gozo que não serve para nada.


Quatro signos da loucura
Uma primeira abordagem da loucura feita por Lacan foi o caso Aimée. Com o rótulo de paranóia, ela foi o signo de uma loucura de amor. Amor mortal por uma atriz de teatro que era tal qual ela queria ser. Amor então por si mesma, amor pelo ideal que a atriz representava e que, ao mesmo tempo, significava o que ela, Aimée, não era.
Este caso marcou uma significação da loucura na qual o sujeito procura no outro a completude que lhe falta. A diferença que faz desta loucura ser adjetivada como psicótica ou ainda paranóica, seria o fato de procurar esta completude de si pela morte, pelo despedaçamento do outro. Através da realidade do corpo do outro destruído, este louco faz disto signo de união do seu próprio corpo. O paranóico precisa por isso de sua vítima, testemunha especular do seu despedaçamento e possuidor de uma completude. Isso porque ele passaria a possuir essa completude somente por roubá-la do outro.
Esta visão da constituição do psiquismo humano, precursora da teoria do Estádio do Espelho, levava em si o horror da construção do ser humano como precário e incompleto, buscando sempre o outro, como um vampiro, para ter o que julga lhe faltar e para ser só quando o outro já não é.
Outra abordagem da loucura existente na obra de Lacan é a de Schreber. O mesmo caso estudado por Freud foi retomado por Lacan, mas não desde os mesmos parâmetros com que abordou a paranóia de Aimée. Também rotulada de paranóia, o estudo deste caso feito através dos efeitos do significante, fez Lacan procurar nos meandros do Simbólico o sentido do texto de Schreber, "Memórias de um neuropata", com isso pretendendo encontrar a significação da loucura.

Para Lacan, Gottlieb, o segundo nome de Daniel Schreber, que significa literalmente “amado por Deus”, condicionou o delírio de Schereber onde acreditava ser a mulher de Deus e ser fecundado pelos raios do Sol-Pai-Deus. Lacan também se refere a que a palavra em alemão para escritor seria quase igual ao sobrenome de Schreber, determinação significante que justificaria a paródia que representaram suas: ′′memórias”.
Schereber enquanto signo da loucura mostraria a inexorabilidade da determinação Simbólica, que seria a responsável, com sua estrutura de linguagem, pela outra cena que, por sua vez, determina o palco real de nossas vidas. Esta outra maneira de se entender a determinação do ser não anularia, mas se sobreporia à anterior, pois se Aimée procurava seu ideal na atriz que tentou matar, ele não lhe pertencia, e seria neste fato que estaria o segredo da sua busca. Já na maneira de Lacan propor o entendimento da psicose de Schreber, o ideal perseguido por ele viria do Outro, enquanto significante.
Mas a referência da loucura como objeto-médico, precisada na sua acepção de psicose, não esgota o alcance da questão que ela impõe. E assim, se bem tanto Aimée como Schreber fossem indiscutivelmente loucos ou psicóticos, tanto para o senso comum como para a psiquiatria, outras psicoses diagnosticadas dentro dos critérios da convenção psiquiátrica, não teriam o mesmo diagnóstico necessariamente para o psicanalista.
Pode-se dizer que o louco faz existir o impossível. Como para a psicanálise, a verdade é impossível, quem quer que julgasse ascender a ela ou torná-la apreensível poderia ser tomado por louco ou mais precisamente por psicótico.
Daí que a terceira abordagem da loucura feita por Lacan se refere ao filósofo vienense Wittgenstein, que propôs com os seus axiomas do Tractatus logico-philosophicus, um caminho que tornaria a verdade acessível. Talvez por isso Lacan, no Seminário XVII, "O avesso da psicanálise” [47], tenha falado na “psicose de Wittgensten”. Provavelmente o que Lacan quis formular não foi um diagnóstico clínico deste filósofo, mas sim uma leitura, utilizando-se do signo loucura, para as pretensões teóricas desta pessoa. Ao mesmo tempo esta referência é uma pontuação, por parte de Lacan, para qualquer posição subjetiva que pretenda alcançar por meio de recursos lógicos, o “além da razão”.
Talvez também a alusão a Wittgenstein seja uma crítica a todo o movimento humano que pretendia instrumentar um único acesso à verdade que, pelo viés analítico, não existe e por isso só poderia ser alcançado pelo delírio. Talvez por isso também Lacan haveria dito de si mesmo, numa das conferências que realizou nos Estados Unidos em 1975 [48], que ele próprio seria psicótico, acrescentando que a psicose seria um fato de rigor.
Finalmente, Lacan desenvolveu uma outra forma de se significar a loucura. Foi a referência que Lacan fez à pessoa e à obra de James Joyce, modelo do artista que superou padrões, estabeleceu a si mesmo como parâmetro ainda insuperado da literatura moderna e tornou-se o quarto signo da loucura em Lacan.
A obra de Joyce, marcada por subverter o sentido, não está no entanto fora do gozo e é este o mistério que move os analistas a decifrar sua mensagem. O fora do sentido não é o sem-sentido e os dois apontam ao gozo imediato da psicose. Mas Joyce e sua obra estão dentro do laço social, estão dentro do que em psicanálise se chama discurso.
Por que se lê Joyce? Onde está a magia da sua arte que faz com que muitos se ocupem dele “por mais de trezentos anos”?
A obra de Joyce, ao subverter os parâmetros da organização pré-consciente, nos aproximaria do funcionamento do processo primário, matéria-prima para o que seria significado como produção do psicótico?
O substantivo psicose, o adjetivo psicótico apontam outros usos para a loucura. Joyce, pela pena de Lacan, exemplificou a idéia de uma estrutura psicótica, de alguém que poderia ter sido psicótico clinicamente, mas não desencadeou um surto psicótico. Segundo Lacan, uma estrutura psicótica determina-se pelos acidentes ocorridos durante a elaboração do Complexo de Édipo, durante a infância, porém o estado psicótico somente ocorre quando certas circunstâncias o desencadeiam. Assim, um sujeito com uma estrutura psicótica poderia nunca desencadear uma crise, poderia vir a ser um psicótico clínico. Já alguém sem a condição de uma estrutura psicótica nunca seria um, “mesmo que quisesse”.
O caso de Joyce ensina como uma estrutura psicótica poderia se manter estabilizada através da “suplência” do Nome-do-Pai.
Será que se poderia ler os efeitos desta estabilização na obra de Joyce? Como a escrita (o mesmo ocorreu com Schreber) produziria esse efeito de estabilização? Qual então a função da arte? Foi aqui que Lacan nos deixou, não sem antes estabelecer a relação entre loucura e psicose, psicose e psicótico e a relação deles com a estrutura psicótica.
Enfim o psicótico, e sua loucura, longe de uma exaltação romântica como recebeu por parte da antipsiquiatria, foi com a psicanálise restituído à sua verdadeira função de arauto da condição humana, de porta-voz do seu Real. Também a psicanálise, à diferença de Foucault, não acusou a cultura como responsável pela sua causa, mas talvez unicamente pela sua condição.
Mais que tudo, o signo loucura revisto pela psicanálise, e particularmente por Lacan, operou um efeito de reordenamento ético, pois a loucura foi, e sempre será, pela afirmativa ou pela negativa, um questionamento global de tudo o que é humano e talvez seja a indagação mais profunda sobre a sua liberdade e o sentido da sua existência.


Análise de psicóticos
Do início ao fim da obra de Freud, o conceito de Verwerfung foi usado de várias formas diferentes. Lacan produziu uma condensação dos usos que Freud fez da Verwerfung e da Verleugnung para propor o termo foraclusão.
O termo Verwerfung quer dizer que algo foi jogado fora, ficando irrecuperável. Na psicose, o foracluído é um significante. A causa da psicose não é uma foraclusão “geral”, éa foraclusão de um significante específico, o Nome-do-Pai.
E como ocorre a foraclusão do Nome-do-Pai? Quando no discurso materno houver ausência de referência à Lei, pois uma mãe que não faz referência a um Outro, será ela mesma a Lei.
Um Sujeito não é psicótico desde sempre. O que aconteceu na infância é a formação de uma estrutura psicótica; a posteriori poderá acontecer algo que desencadeie a psicose e que é o que se conhece como “surto psicótico”.

Lacan estabeleceu tanto a condição da estrutura psicótica, como o que desencadeia a psicose. Há sujeitos que podem ter estrutura psicótica e nunca se tornarem psicóticos, mas alguém que não tenha estrutura psicótica nunca se tornará um.
Esse aspecto tem importância no que diz respeito ao diagnóstico, pois Lacan afirmou que a análise seria um dos fatores que poderiam desencadear a psicose. Isso se daria porque o analista age justamente a partir do lugar do Nome-do-Pai.
Por esse motivo Lacan desenvolveu o procedimento das entrevistas preliminares, que têm por objetivo orientar o analista quanto à aplicação do método analítico. O analista lacaniano não analisa todos a priori. Quando ele supõe que a análise pode desencadear uma psicose, ele tomar precauções.
A outra ponderação em relação à estrutura psicótica se refere à fenomenologia da psicose. Como o psicótico mantém a estrutura do seu mundo organizada até determinado momento de sua vida? A clínica psiquiátrica descreve o momento inicial da psicose, chamado de "vivências primárias",`em que ocorre os “sentimentos de fim de mundo”. Pode-se explicar esse fato devido a que o Nome-do-Pai, deixando de operar, faz com que a coerência do mundo deixe de existir para o Sujeito. O Sujeito passará primeiro pelo momento escrito como o das "vivências primárias", e em seguida surgirá o que Lacan chamou de “metáfora delirante” – que seria a tentativa de se restituir a metáfora paterna, cuja manifestação clínica são os delírios.
Os delírios são sintomas de cura. Ante a desorganização do seu mundo, o Sujeito produz um delírio. Trata-se de uma forma de reorganizar o mundo, só que com uma coerência criticável para o observador externo.
A neurose ensina a transferência ao analista, porque nessa estrutura existe “ao menos um” que sabe sobre a falta no Outro, pois o que se procura no analista é um saber sobre a falta, e a transferência surge dessa condição.
Nesse aspecto, a característica do psicótico está no fato de que, não se vê um o delirante não duvida de seu delírio; se ele duvidar, por definição, não se trataria de delírio. O delírio é irredutível e não haverá nenhum saber atribuído ao Outro. Assim, o que se deduz que na psicose não existe transferência, ou que a transferência terá características diferentes.
Freud elaborou o conceito de "neurose de transferência", que é o fundamento da prática analítica. Já no caso da psicose, impõe-se um outro tipo de transferência, diferente da neurótica, pois o paciente não tem por que dizer suas coisas ao outro. O psicótico não supõe um Outro que saiba o que lhe falta, ele é ocupado pelo Outro.
Lacan propõe que a psicanálise da psicose só será possível a partir do que ele chamou de manobra de transferência (que, de alguma maneira, consiste em neurotizar o psicótico). A análise de um psicótico só será possível se, por intermédio do analista, houver a possibilidade de se fazer surgir uma demanda de saber sobre a falta.
Tratar a psicose é uma coisa, difícil é analisá-la, pois analisar implica que a partircom da associação livre, se possa intervir nas produções inconscientes, isto feito dentro de uma relação transferencial. Isso é o que caracterizaria a situação analítica.
Somente estabelecer um vínculo com o psicótico não caracterizaria necessariamente uma psicanálise, mas um tratamento. Muitas vezes se começa tratando o psicótico e, depois, pode-se passar à análise – ou não.
Um último ponto a ser mencionado, é que ao mostrar um mecanismo diferente do recalque para a psicose, Lacan estava enfatizando uma função do inconsciente diferente da produzida pelo recalcado. Como Freud identificou o inconsciente com o recalcado, o inconsciente na psicose como demonstrado por Lacan seria diferente do freudiano?
Enquanto para Freud o inconsciente é o recalcado, com a explicação que Lacan propõe para a psicose, aponta-se uma função de inconsciente diferente da produzida pelo recalcado. Assim, em Lacan há uma ampliação do conceito de inconsciente, fato que deve ser levado em conta porque dessa forma impõe-se um avanço em relação à teoria freudiana.


Fetichismo e perversão
A perversão foi definida pela psiquiatria a partir da transgressão de uma norma social, que seria a relação sexual adequada. Todas as transgressões a essa norma constituiriam perversão sexual. Freud, porém, incidiu diretamente nesse fato, subvertendo esta definição: ao estabelecer a causa das perversões, formalizou a relação do homem com suas pulsões, retirando a perversão do campo moral e colocando-a no plano científico.
Para Freud, a perversão decorria da constituição da sexualidade do sujeito. Porém, em 1925, no texto “Algumas conseqüências psíquicas sobre a diferença anatômica entre os sexos” [49], ele começou a falar em Verleugnung – ou recusa da realidade – como uma outra maneira do sujeito negar a angústia. Nesse mesmo ano, com o artigo Fetichismo, [50] transformou esse conceito num mecanismo equiparável ao recalque, embora diferente.
Historicamente o termo perversão aparece mencionada desde 1444 significando inverter e, mais tardiamente, é usado na terminologia médica, por exemplo em perversão do apetite, o que apontava na medicina um uso do termo significando uma modificação pejorativa de uma função biológica. Foi Magnan quem impôs o uso do termo perversão relacionado a condutas sexuais e o relacionava com o conceito moral de depravação através da tríade "anomalias", "aberrações" e "perversões sexuais".
Kraff-Ebing sistematizou o campo definindo a perversão como anomalias das pulsões e da reprodução da espécie, conotando-as como condutas que permitiam atingir o orgasmo com um funcionamento fisiológico incomum e desarmônico, citando como exemplo a homossexualidade, o sadismo, o masoquismo, o exibicionismo, o fetichismo, a ninfomania etc.
Freud em um primeiro momento tomou a definição corrente de perversão como forma de conduta sexual que se desviava da norma de cópula genital heterossexual. Porém problematizou esta definição na medida em que sugere a gênese perversa polimorfa de toda sexualidade humana – Freud, “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” [51].
Neste momento Freud especificou o que aí ele chamou de aberrações sexuais a partir de uma dupla determinação: desvios relativos ao objeto da pulsão sexual e desvio relativo ao fim da pulsão sexual.
Em um segundo momento, a partir de 1908, no texto os “Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade” [52], Freud falou da fantasias inconscientes na neurose e nas fantasias conscientes na perversão. Um outro conjunto de textos, entre os quais teorias sexuais infantis, onde Freud demonstra a fantasia infantil de que todos os seres têm um pênis, passando pelo caso de fobia infantil e Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância de 1910, além de um caso clínico de fetichismo de 1914, começa a se impor para Freud a idéia da perversão como uma recusa da ausência do pênis na mãe.
Seria em 1915, com o texto “As pulsões e suas vicissitudes”, [53] que Freud relaciona o sadismo e masoquismo como uma inversão da pulsão, assim como "voyeurismo" e "exibicionismo". Mas foi em 1919, no texto “Uma criança é espancada” [54] que seria uma contribuição à gênese das perversões sexuais, que Freud estabelece de uma maneira clara a relação da perversão com uma “gramática da fantasia”, onde o Sujeito é alguém que bate, bate é o verbo e a criança é o objeto.
Depois, teríamos o texto “A psicogênese de um caso de homossexualidade numa mulher” [55], onde Freud elabora o Édipo feminino, propondo a criança como falo da mãe, para finalmente produzir os textos relacionados à segunda tópica.
Haveria um terceiro momento a partir do texto "O problema econômico do masoquismo" [56] para chegarmos finalmente aos textos de 1923 sobre o "Fetichismo" [57], onde o fetiche, glanz auf der nase, é apresentado como um ser de linguagem.
Para a psicanálise lacaniana a perversão não é uma forma de conduta. É uma estrutura clínica (definida dentro do seu dispositivo). O que quer dizer que é uma leitura da condição humana como decorrente da falta introduzida por um significante, o Nome-do-Pai, o que determina a condição humana de buscar sua completude (gozo) no outro, negando sua falta. Quer dizer também que se trata da estruturas do Sujeito perverso, ou seja, os modos pelos quais esse Sujeito evita a falta no Outro.
Lacan deduz da clínica freudiana três maneiras de o Sujeito negar a falta, decorrentes de mecanismos de defesa específicos: o recalque para a neurose, a foraclusão do Nome-do-Pai para a psicose e a Verleugung, traduzido por Lacan como desmentido , para a perversão.
As conseqüências desta ordenação da clínica é que Lacan vai pensar a perversão dentro da relação do Sujeito como o Outro. Para Lacan todo o problema das perversões consiste em se conceber como a criança, na sua relação com a mãe, se identifica com o objeto imaginário do desejo dela.
Isto quer dizer que na perversão o Sujeito se situa como objeto do desejo da pulsão, ou seja, como meio de gozo para o Outro. Esta situação, como nas outras estruturas clínicas também, é efeito de um acidente do Complexo de Édipo. No caso em questão ele é decorrente de um ponto de ancoramento da escolha perversa, onde o desejo da criança a conduz a se instituir como único objeto possível do desejo da mãe.
Daí que o perverso é aquele que, no seu teatro privado, não aponta ao que o outro sabe, o perverso aponta ao que o outro quer e se coloca como objeto deste gozo do Outro. O perverso complementa o outro objetalmente conforme o modelo do fetichismo, por isso o perverso assume seu desejo como vontade de gozo, diferentemente do neurótico que se defende dele. O perverso aceita o gozo do outro, e na sua fantasia, aceita ser instrumento do gozo do Outro.


Depressão e covardia moral
Para a psicanálise, a palavra depressão conota tantos sentidos diferentes quantos forem os Sujeitos que a significarem. Daí os usos diferentes para a palavra depressão, ainda mesmo quando tomada como conceito.
Um dos usos do termo depressão é sustentado na terminologia fenomenológica, onde ela é concebida como uma lentificação dos processos psíquicos e estreitamento do campo da consciência. Outro uso diferente é feito pelo DSM-III, que a entende como uma reunião de sintomas, existentes durante um determinado período de tempo, que caracterizariam a síndrome depressiva, sem no entanto privilegiar nenhum desses sintomas nem inter-relacioná-los.
A diferença de posições entre essas duas maneiras de significar a depressão consistiria em que, ao se referir ao critério do funcionamento psíquico, como no caso da lentificação psíquica com seu conseqüente estreitamento do campo da consciência, estaria se apontando para um distúrbio central, ordenador das demais manifestações tidas como características da síndrome depressiva. Já o simples agrupamento de sintomas sem inter-relacioná-los, o que acontece no DSM-III, responderia ao único fato em comum a eles, o da resposta destes fenômenos à administração de uma mesma substância química (imipramina), e seu critério de ordenação seria apenas o estatístico.
Freud, o primeiro psicanalista a abordar a questão da depressão, tomou da psiquiatria corrente a ordenação dos fenômenos que a caracterizariam, que seriam a tristeza, o desinteresse sexual, a desmotivação, as auto-acusações, as idéias de morte e, a exemplo do que fizera com os sintomas da neurose, articulou-os entre si, procurando uma relação causal entre eles.
Freud havia proposto para as neuroses, logo no início de suas formulações, a angústia como o seu sintoma fundamental. Assim, para Freud, a angústia seria a causa de várias maneiras do Sujeito evitá-la, constituindo os estilos defensivos, que seriam o fundamento dos tipos diferentes das neuroses e que corresponderiam, segundo o ensino de Lacan, às diversas possibilidades do Sujeito negar a falta no Outro.
Com o grupo de sintomas que, naquele momento, definia a depressão, Freud agiu da mesma maneira. Primeiro, ordenou este grupo de sintomatologia em torno de um centro, de um fundamento que ordenaria as demais manifestações depressivas entre si, e que, para Freud, foram articuladas em torno do que para ele seria sua principal evidência: a auto-acusação.
Para compreender as razões das manifestações depressivas e encontrar o seu fundamento defensivo, Freud recorreu a um paralelo clínico a ela, o luto, pois, no luto o Sujeito apresentaria expressões semelhantes aos sintomas da depressão.
Logo nos primeiros textos, Freud frisou a diferença entre depressão e melancolia. Desde 1892 ele utilizou a palavra depressão para descrever uma nova constelação sintomática a que ele chamou de depressão periódica branda que: “(...) é a única forma de neurose de angústia que, fora desta, manifesta-se em fobias e ataques de angústia”. (Rascunho A, p. 38) [58].
Em 1893 Freud já diferenciava a depressão da melancolia e afirmava:
(...) essa depressão (a depressão periódica branda); em contraste com a melancolia propriamente dita, quase sempre tem uma ligação aparentemente racional com o trauma psíquico. Este, porém, é apenas uma causa provocadora. Ademais, a depressão periódica branda ocorre sem anestesia psíquica, que é a carac­terística da melan­colia. (Rascunho B, p. 43) [59].
Em 1917, no texto definitivo sobre a questão, “Luto e melancolia”, Freud definiu a melancolia como...
... um desânimo profundamente penoso, a cessação do interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envelhecimento, culminando numa expectativa delirante de auto-punição [60].
Freud colocou a ênfase do quadro melancólico na dor psíquica, caracterizando-a como o “estado clínico da melancolia”. A pergunta feita por Freud sobre a melancolia, passou a ser então, qual a causa dor psíquica?
A resposta, segundo Freud, seria a falta de objeto, seja por uma perda real ou por uma falta imaginária. Freud usou, então, a correlação clínica luto-melancolia para estabelecer sua sugestão de explicação psicanalítica para esta “aflição”.
Tratava-se de encontrar a essência da melancolia a partir da comparação com o luto como seu equivalente normal. À definição de melancolia, ele acrescentou: “Este quadro se nos faz mais inteligível quando refletimos que o luto mostra também estes caracteres, à exceção de um só: a perturbação do amor-próprio” [61]. Ou seja, para Freud, tanto no luto como na melancolia encontramos aflição e dor, perda do interesse pelo mundo e pelas coisas, perda da capacidade de escolher um objeto novo, porém, o que diferencia o luto da melancolia é que no luto não há a perda da auto-estima.
Para Freud, na melancolia, não seria o mundo que estaria empobrecido, mas sim o próprio Eu, e, como no luto, também na melancolia teria havido uma perda, porém não se conseguiria distinguir claramente o que o Sujeito perdeu, e tampouco ele saberia dizê-lo.
Para o psicanalista, o designado pelo termo depressão ou melancolia , não recobrem, mesmo dentro da psiquiatria, situações iguais. Com relação à psicanálise, o uso desses termos é feito por Freud através da equiparação deste “estado clínico” com o de luto normal, privilegiando a dor psíquica e diferenciando estes estados entre si pelo fato de que a melancolia, à diferença do luto, apresenta uma marcada alteração do amor-próprio, bem como uma ausência de perda real.
Foram estas considerações que levaram Freud a propor uma explicação teórica para este quadro clínico que, ao girar em torno da perda do amor próprio, fez com que Freud o correlacionasse aos ideais do Sujeito, mais precisamente ao Ideal do Eu, o que ele viria a articular a partir da segunda tópica com a noção de Super-Eu, e da angústia aí localizada: a culpa.
Uma vez reformulada a questão da angústia, em 1925, num apêndice do texto “Inibição sintonia e angústia” [62], que aparece com o título de Angústia, dor e tristeza, Freud concluiu que a “dor seria a verdadeira reação à perda de objeto, e a angústia seria a verdadeira reação ante o perigo que ocasiona a perda de objeto” [63].
O termo e a idéia de “substituição” foram introduzidos muito cedo por Freud. Esta idéia se deveu à constatação de que uma satisfação impossível pode ser suplantada por uma possível, o que se daria pelo viés do Simbólico, através do que Freud chamou de deslocamento e condensação. Esta construção seria a explicação da psicanálise para todos os sintomas neuróticos, entre os quais estão os sintomas da depressão.
Lacan também situou a constituição do Sujeito nestes termos, cuja operação, porém, deixaria um resto não simbolizável, ao que Lacan chamou de objeto a:

A

B

a

 
Do encontro do Sujeito com o Outro haveria uma divisão do Sujeito e clivagem do Outro, mais a produção de um resto que é o objeto a, Este resto, instituinte do Sujeito, seria a causa do desejo.
Assim, segundo Lacan, o desejo não estaria prometido à completude, pois ele seria sempre decorrente de uma perda, na qual a causação do Sujeito se funda.
Seria este o luto originário? Se este modelo da causação do Sujeito se dá para todo falante, qual seria a especificidade dele para aquele Sujeito que apresenta manifestações melancólicas?
Segundo Eric Laurent, existe, indubitavelmente, uma teoria da melancolia no ensino de Lacan, estabelecida já em 1938 e que evoluiu durante toda sua obra.
Em 1938, no texto “Os Complexos familiares em patologia” [64], Lacan se referiu à psicose maníaco-depressiva como um transtorno do narcisismo, na medida em que ela viria remediar a “insuficiência específica da vitalidade humana” [65].
Em 1946, a ênfase foi posta numa referência direta à pulsão de morte, e Lacan, neste momento, correlacionou o suicídio melancólico com o assassinato imotivado do paranóico.
A partir de 1953, com a introdução da noção do insconsciente estruturado como uma linguagem, a melancolia foi pensada como sacrifício suicida, ou seja, na melancolia o Sujeito se nomeia, ao mesmo tempo que se eterniza, e, com isto, Lacan deixou de pensar a melancolia a partir do narcisismo para pensá-la a partir dos efeitos do parasitismo da linguagem no Sujeito, estando o sacrifício narcisista subordinado ao sacrifício simbólico.
Porém, a partir de 1963, ao relacionar narcisismo e objeto [66], Lacan produziu um novo referencial para a compreensão da melancolia. Neste momento do seu ensino, Lacan considerou que o Sujeito melancólico, pelo atravessamento da imagem que efetuaria no impulso suicida, poderia ser apresentado como o exemplo do impulso de se reunir com o próprio ser. Quer dizer, na melancolia, através do ato suicida, o Sujeito se encontra com o objeto a.
A partir dessa consideração, a mania será pensada como o contrário da melancolia, ou seja, ela ocorre quando o Sujeito não encontra o objeto a, quando nada o amarra à cadeia significante. Assim, a partir dessa visão, a mania e a melancolia seriam maneiras diferentes de separar o desejo da causa.
Finalmente, em 1973, no texto “Televisão” [67], Lacan, ao redefinir a mania como o retorno no Real do que foi recusado na linguagem, ampliou a questão da melancolia e da mania pela questão do “plus de vida” que o simbólico marca, com a mortificação. Isso radicalizou a orientação de Lacan sobre a melancolia: esta não se abordaria jamais através do afeto da tristeza, mas, unicamente, em função do ato suicida.
Com isso, o sentimento depressivo, pensado por Lacan pelo viés freudiano da dor psíquica, se relativizou, variando desde uma referência ao budismo através da fórmula da “dor de existir”, até que elevação da depressão à condição de um afeto normal, decorrente do fato de que sempre estaríamos em risco de perder a vida, se pensamos em nossa vida cotidiana como uma vida que deve ser eterna. Afeto normal que remete à falha da estrutura que obriga o Sujeito ao dever de ser “todo” para o ideal, e o dever de “bem-dizer” sua relação com o gozo.
Lacan definiu então a tristeza como covardia moral, como falta moral, como pecado (no sentido spinoziano), o que quer dizer, em termos analíticos, que se trata de uma decisão sobre a perda. Porém, perda de gozo fálico.


Onde o significante marca o corpo
A psicossomática é um termo que, na sua origem, apontava a uma concepção total da medicina, e que não era usado como o é hoje, apenas para designar uma especialidade médica. Para Hipócrates, que foi quem separou a medicina da religião, não havia doenças, mas sim doentes.
Mesmo porque a distinção entre espírito e matéria, corpo e alma, psico e soma é datada. Nas civilizações antigas, num período que se estende até a época dos poemas homéricos, os estudiosos falam na existência de um “monismo arcaico”, onde corpo e alma não se distinguiam um do outro.
Anaxágoras, que viveu no século V a.C., é considerado o introdutor do “dualismo”, que propõe corpo e mente separados um do outro. A partir desta tomada de posição, não cessaram de aparecer outras vertentes dessa concepção da constituição humana, variando suas posições apenas quanto ao modo destes dois aspectos do ser se relacionarem.
Assim, entre as propostas dualistas mais importantes está a que leva o nome de “hile­morfismo”, sugerida por Aristóteles, onde corpo e espírito, embora diferentes, formariam uma úni­ca substância. Existe o dualismo elaborado por Descartes, que é chamado de “interacionista”, idéia na qual corpo e espírito são diferentes e separa­dos, mas apresentam uma influência recíproca. Há também o dualismo de Leibnitz, chamado de “paralelismo”, onde corpo e espírito são duas substâncias que atuam de maneira diferente. Haveria inúmeras outras variantes dessas maneiras de psico e soma se relacionarem, combinatória que continua até culminar, no fim do século XIX, no “paralelismo psicofísico de Wundt”, onde corpo e espírito são aspectos diferentes, mas interagem entre si, produzindo o psíquico como um “epifenômeno concomitante-dependente” do cérebro.
Há que se lembrar que esta era a posição que Freud adotava quanto à questão. Porém, a palavra “psicossomática”, tal qual se usa atualmente, foi proposta por Johann Heinroth, no ano de 1818, que, através do trabalho com pacientes com tuberculose e câncer, pode constatar a influência que as paixões sexuais tinham na diversidade do curso destas moléstias.
Esta vetorização da influência do psíquico em direção ao corpo foi enfatizado, meio século depois, por Groddeck, contemporâneo e colaborador de Freud que propôs que todas as doenças seriam uma perturbação da mente, ou seja, todas as doenças seriam psicossomáticas.
Já a medicina “psicossomática”, apareceu somente no fim da primeira metade do século XX, com F. Alexander.
O conjunto das doenças ditas “psicossomáticas”, foi abordado com vários nomes diferentes, pelos diversos autores, o que contribuiu para uma confusão do campo investigado. Há vários termos usados pelos autores, como por exemplo “complacência somática”,­ usado por Freud, e que se refere às razões da escolha de determinado órgão pelo sintoma. Há o termo “neurose de órgão”, utilizado por Dunbar, que é uma referência ao entendimento da manifestação psicossomática como estruturada da mesma maneira que o sintoma neurótico. Há a “neurose vegetativa”, que é o termo com o qual Alexander impõe a ideologia do sistema nervoso autônomo como metáfora do inconsciente somatizado. Pouco haveria o que dizer da “conversão somática”, termo usado por Melanie Klein, e que não recebeu uma definição precisa.
Será que estas imprecisões fariam da psicossomática, definida como disciplina médica, reunir todas aquelas doenças que, por não encontrarem uma explicação suficiente nas teorias aceitas, a elas se atribuiria, portanto, uma causa psicogênica?
Freud não empregou o termo psicossomática, a não ser uma vez, em carta dirigida a Victor Von Weizsaker, em 1923. Porém, embora o pai da psicanálise distinguisse o fato psicossomático da conversão somática, ele enfatizava mais a influência do orgânico sobre o psíquico do que a determinação psíquica de uma lesão orgânica.
Assim impõe-se uma ordenação do campo, onde se propõe que a diferença entre uma conversão histérica e uma manifestação psicossomática se deve ao fato de as segundas apresentarem uma lesão de órgão, fixa ou característica, enquanto nas conversões não há uma alteração anatomofisiológica da região do corpo atingida.
Dentro de uma visão médica da psicossomática, a própria existência dessa disciplina já seria uma concessão feita ao predomínio do espírito sobre o corpo. Isso porque, na medicina, o corpo é visto apenas como um “sistema” que se auto-regula homeostaticamente, operação que reduz o homem à pura presença animal, excluindo-o da palavra e conseqüentemente, do desejo que ela veicula, para protegê-lo do gozo.
Para a psicanálise, o corpo é definido pela sua organização libidinal, e não pela organização anatômica. E seria o corpo erógeno e não o anatômico que aparece alterado pelo sintoma – isto foi o que Freud pôde aprender com a histeria.
Talvez por isso alguns autores, que nos primeiros anos da psicanálise abordaram as manifestações psicossomáticas, não diferenciaram suficientemente o fenômeno psicossomático das conversões histéricas e generalizaram seus resultados, através de explicações, onde o fato dito psicossomático é sempre entendido pelo modelo teórico das neuroses, o que implica também dizer que estas manifestações seriam expressões de desejos, que através da “linguagem de órgão” apontariam o recalcado, como acontece com qualquer outro sintoma neurótico.
Como as evidências clínicas contradizem estas propostas teóricas, surgiu mais tarde uma outra “escola” que, ao propor as manifestações psicossomáticas como decorrentes de processos precocíssimos acontecidos no desenvolvimento do Sujeito, situando-os como anteriores à linguagem, o que colocaria estas manifestações fora da possibilidade de compreensão.
Essa maneira de pensar, identificada como "Escola de Psicossomática de Paris", cujos principais representantes são P. Marty e M′Uzan, defende que o “estado psicossomático” opera fora da representação, o que faz com que a libido e a agressividade se confundam e se transformem em energia pulsional indiferenciada. Seria esta energia pulsional que produziria a lesão no corpo.
Vale mencionar ainda um outro autor, Valebrega, que, se bem não tome a manifestação psicossomática como o equivalente a um sintoma neurótico, também não o situa fora de toda simbolização, e, para solucionar o paradoxo da sua posição, criou a noção de “conversão emocional”.
É neste contexto teórico que Lacan fez suas poucas referências à questão, embora seja inegável seu interesse pelo tema, visto ter publicado na revista Evolution Psyquiatrique, ainda em 1953, um estudo com o título: “Considerações psicossomáticas sobre a hipertensão arterial” [68]. Das poucas menções que fez ao assunto, impõe-se, no entanto, que para Lacan a manifestação psicossomática não é uma conversão, e portanto, não é equivalente ao sintoma neurótico, e assim não está comprometido com a produção de senti­do. É devido a este fato que J.A. Miller, em seu texto “Algumas reflexões sobre o fenômeno psicossomático” [69], propôs unificar a terminologia e sugere chamar à manifestação psicossomática de FPS (Fenômeno Psicossomático), com ênfase na palavra “fenômeno”, para diferenciá-la de sintoma e da sua estrutura de linguagem. Para Lacan, os fenômenos psicossomáticos estariam fora das construções neuróticas, logo, fora do sentido, mas não fora da causação significante.
O FPS entendido como uma marca do significante no corpo, ou como uma “tatuagem”, como sugeriu Lacan, foi pensado por este autor como passível de ser decifrado, já que estaria “cifrado” como um “hieróglifo”.
Porém, a explicação teórica para estes fenômenos corporais só se tornou viável quando seu ensino passou a dispor de recursos para formalizar aspectos da prática analítica que fogem ao sentido. Isto ocorreu quando Lacan, ao introduzir a proposta da lógica da produção do Sujeito no seu texto “Posição do inconsciente” [70], submeteu a noção de inconsciente à causação do Sujeito, relativizando-o e produzindo uma noção de inconsciente diferente da noção freudiana, onde o inconsciente seria unicamente o resultado das representações recalcadas.
A formalização teórica dos FPS contém, no ensino de Lacan, uma considerável dificuldade, pois por se tratar de um efeito do significante fora do sentido, ele só se torna abordável pelo viés dos matemas.
Assim, ao se utilizar a “álgebra lacaniana”, o FPS seria pensado como decorrente de que na operação de “alienação” (uma das duas operações da causação do Sujeito) não ocorre a “afânise” e, por isso, a segunda operação, a “separação”, não vai ocorrer. Isto produz, no dizer de Lacan, uma “gelificação” da cadeia significante, fato que recebeu no Seminário XI [71] o nome de “holófrase”.
Esta maneira de entender o psicossomático implica concluir que não há um Sujeito no FPS, mas mesmo assim eles ainda são efeitos da linguagem, embora estejam fora da subjetivação. Isso precipita o que seriam as considerações terapêuticas do FPS, colocando a pergunta de como agir com a palavra em um fenômeno fora da subjetivação.




[1] Miller, J.A. A interpretação pelo avesso, in La cause freudienne 32, fev. 1996.
[2] Ibid.
[3] Lacan, J. in Escritos, p. 496.
[4] Lacan, J. in Scilicet, n. 1, 1968.
[5] Lacan, J. in Escritos, p. 843.
[6] Lacan, J. Seminário XVI, inédito. 1968-1969.
[7] Lacan, J. Seminário XVII, 1965-70.
[8] Lacan, J. in Escritos, p. 496.
[9] Lacan, J. Seminário XIX, inédito 1971/72.
[10] Lacan, J. Seminário XX, 1973/73.
[11] Lacan, J. Seminário XXIII, inédito, 1975-76.
[12] Lacan, J. Paris, Seuil, 1975.
[13] Lacan, J., 1975. In Les bloc-notes de la psychanalyse, 1985, num 5, p. 5-23.
[14] Lacan, J., in Scilicet 4, 1973, p.5-52.
[15] Miller, J., in Escancion, n. 1., p. 76.
[16] Lacan, J., in Escritos, p. 96.
[17] Lacan, J., in Escritos, p. 238.
[18] Milner, J., C., Jorge Zahar Editores, R.J., 1996.
[19] Lacan, J., in Scilicet 4, 1973 p. 5-52.
[20] Lacan, J., Seminário Livro XX, 1972.
[21] Lacan, J. in Escritos, p. 238.
[22] Freud, S. S.E., v. II., p. 43.
[23] Freud, S. S.E., v. VII., p.5.
[24] Freud, S. S.E., v. XII, p. 193.
[25] Freud, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos, S.E., v. XX, p. 15.
[26] Freud, S., S.E. v. IV, p. 1..
[27] Lacan, J. Seminário XI Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, 1964.
[28] Ibid.
[29] Lacan, J. Formulações sobre a causalidade psíquica, in Escritos, p. 152.
[30] Ibid.
[31] World Psychyatric Association, Panic anxiety and its tratements, American Psychiatric Press, London,1993.
[32] Talbott, Manual de psiquiatria, Artes Médicas, P.A.,1992.
[33] Freud, S. S.E., v. II, p. 43.
[34] Lacan, J. Introdução à edição alemã dos escritos, 1973, in Sclicet, 1975, num. 5, p. 11-17.
[35] Ibid in 1975 p. 11-17.
[36] Lacan, J. Seminário livro III, 1956.
[37] Lacan, J. in Escritos , p. 537.
[38] Lacan, J. Seminário XXIII, O sintoma, inédito, 1976.
[39] Lacan, J. in Ornicar n. 9, 1977.
[40] Lacan, J. in Escritos , p. 152.
[41] Lacan, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, in Escritos, p. 537.
[42] Lacan, J. As psicoses, in Seminário Livro III, 1956.
[43] Freud, S. S.E. v. IV, p. 1.
[44] Freud, S. S.E. v. XVIII, p. 14.
[45] Lanteri-Laura, G. As alucinações, Las alucinaciones, Fondo de Cultura economica, Mexico 1994.
[46] Miller, J.A., Comentário sobre Maurice Marleau – Ponty, in Analisis de las alucinaciones, Paídos, Bs. As., 1995.
[47] Lacan, J. Seminário Livro XVII, 1969.
[48] Lacan, J. Conferências e conversações em universidades norte-americanas, in Scilicet , 6/7, 1975.
[49] Freud, S. Algumas consequências psíquicas sobre a diferença anatômica entre os sexos, in S.E., v. XIX, p.309.
[50] Freud, S. Fetichismo, in S.E., v. XXI, p. 79.
[51] Freud, S. S.E., v. II, p.35.
[52] Freud, S. S.E., v. IX, p.63.
[53] Freud, S. S.E., v. XIV, p.137.
[54] Freud, S. S.E., v. XVII, p.225.
[55] Freud, S. S.E., v. XVIII, p.135.
[56] Freud, S. S.E., v. XIX, p.199.
[57] Freud, S. S.E., v. XXI, p.179.
[58] Freud, S. As origens da psicanálise, v. I, p. 245.
[59] Ibid.
[60] Freud, S. Luto e melancolia, S.E., v. XIV, p. 275.
[61] Ibid.
[62] Freud, S. in S.E., v. XX, p. 107.
[63] Ibid.
[64] Lacan, J. Navarin, Paris, 1984.
[65] Ibid.
[66] Lacan, J. in Seminário Livro X A angústia, inédito, 1962-1963.
[67] Lacan, J., Jorge Zahar editor, R.J., 1993.
[68] Lacan, J. in Evolution Psychiatrique, 1953, n. 3.
[69] Miller, J.A. Jorje Zahar ed, R.J. 1991.
[70] Lacan, J. in Escritos, p. 843.
[71] Lacan, J., Seminário Livro XI, Os quatro conceitos fundamentais de psicanálise, 1964.



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